No texto sobre
Le Havre e o Custo x Benefício dos Engine Builders eu escrevi sobre como essa mecânica criação de uma máquina de pontos, que começa pequena e termina com super mega combos, é uma das minhas favoritas, mas tem um sério problema de conseguir entregar um jogo completo em curto espaço de tempo. O melhor
engine building que eu já joguei, The Colonist, demorou quase 10 horas de partida e eu simplesmente nunca quis mais jogá-lo outra vez. E então, meio que para me sacanear, ou apenas para me contradizer, o mercado resolveu lançar uma nova modalidade de
Engine Buildings: os de curta duração.
A primeira vez que eu joguei um Engine Building rápido, foi Gnomópolis. Joguei ainda na versão protótipo e meu feedback para o Patrick foi de que eu queria que o jogo durasse meia hora a mais. Aí veio o Gizmos para mostrar que isso não era um problema do Gnomópolis mas sim uma tendência de mercado. E Wingspan vem então, para setar uma referência no mercado.
O grande diferencial dos Engine Buildings curtos é o de adicionar pressa ao jogo. Jogador de euro cascudo já sabe o que fazer em um euro padrão. Começa o jogo e ele começa a maximizar jogadas futuras. É pegar trabalhador extra em alocação de trabalhadores para ter mais ações nos turnos seguintes, ou começar a descer coisas que geram recursos em jogos de máquina de pontos etc. A ideia básica é passar os primeiros turnos armando uma máquina de recursos que irá, nos turnos finais gerar tanto ponto que vai fazer você dar volta em qualquer pessoa que decidiu, desde o início, focar em pontuar. E é aí que jogos como Wingspan, Gnomópolis e Gizmos apresentam algo novo ao gênero.
Por serem Engine Buildings curtos, eles obrigam aos jogadores a terem de trabalhar melhor com o timing do jogo. Não adianta você ficar construindo o maior combo do mundo. Você simplesmente não vai ter tempo de fazê-lo rodar e te dar tando pontos assim. Quem já jogou Russian Railroads vai me entender. Seria o equivalente a investir na Trans-Siberiana com o jogo tendo 1 turno a menos. Você pensa, caraca, mais 1 turno e eu ia fazer 280 pontos, mas como acabou agora, só deu pra fazer 17!
Você então tem que dosar um equilíbrio melhor entre o tático e o estratégico. Entre a máquina de ponto futuro e o ponto de agora, por que o jogo só vai durar 4 rodadas, ou cerca de 60 minutos. E o grande diferencial desse jogo é que, ao durar exatamente o tempo certo entre você sentir que está jogando um jogo completo, mas ainda assim rápido, você tem vontade de jogar uma segunda partida imediatamente após terminar a primeira. E foi aí que eu entendi que Gnomópolis, por exemplo, não precisava durar 30 minutos a mais, pois o intuito desse jogo é terminar no momento que você quer jogar mais e não no momento que você não aguenta mais jogar.
Mas se eu estou falando de Engine Building em geral, citei Gizmos e Gnomópolis, o que que Wingspan tem de tão especial assim que o diferencia sobre esses dois? Por que esse jogo está tão hypado que parece que ele já ganhou o Spiel de Jahres só por entrar em pré venda em Janeiro? Bem, vamos lá!
Primeiro vou setar expectativas: Wingspan não tem nada de novo ou de inovador. Você não vai jogar ele e no meio da partida pensa "Caraca, que parada f******da. Por que ninguém pensou nisso antes?????". Isso não vai acontecer! O jogo utiliza de mecanismos totalmente conhecidos e até mesmo muito utilizado nos boardgames. Terraforming Mars tá aí faz tempo. Imperial Settlers também. Race for the Galaxy é outro que tem um feeling parecido. E de lá pra cá, Everdell, Underwater Cities, entre outros, tentam copiar o sucesso desses jogos. Onde Wingspan se destaca é fazer tudo isso com uma enorme competência e produção maravilhosa.
Se você leu
meu texto sobre o Azul, vai entender o que eu estou dizendo. O que Azul tem de tão diferente para ter sido o hype que foi? Nada! Ele simplesmente é competente em tudo o que ele promete entregar. E se você ouvir mil pessoas dizendo que é o melhor filler do mercado, se você esperava um jogo que dê piruetas e invente 7 novas mecânicas, você provavelmente se decepcionou. E Wingspan vai no mesmo caminho. É um excelente jogo na competência de fazer melhor, o que vários outros jogos já tentaram fazer. E ponto! Vou tentar explicar o jogo para você ter uma ideia melhor dele.
O jogo de Wingspan tem, como principal mecânica, colecionar recursos e utilizá-los para baixar cartas de pássaros no seu playerboard. Cada jogador tem 5 espaços em cada uma das 3 fileiras do tabuleiro. Essas fileiras, representam habitats (floresta, campo e lago) onde vivem os diferentes tipos de pássaro. Cada fileira também lhe dá algum benefício ao executar a ação delas. A floresta lhe dá recursos, que serve para que você possa baixar mais pássaros. O campo lhe dá mais ovos que lhe permite chocar novos pássaros e também valem ponto de vitória. O lago, lhe dá mais cartas de pássaros, que combinado com o resto, lhe permite aumentar seu aviário e sua máquina de pontos.
O bacana aqui é que você não ganha os benefícios apenas baixando as cartas. Você precisa gastar uma ação para realizar a ação de Floresta, Campo ou Lago. E aí, você coleta o benefício mostrado primeiro espaço sem ave daquela linha e vai coletando o benefício de cada ave no caminho, em ordem da direita para a esquerda. Ou seja, você pode se beneficiar várias vezes do poder de uma mesma ave.
Agora, não preciso dizer que, como todo euro, as ações são extremamente escassas e o tempo todo você tem que pensar demais em como maximizá-las certo? E uma coisa muito bacana é que, ao contrário de outros jogos, em que você vai tendo mais ações com o passar do tempo, em Wingspan, o número de ações diminui a cada rodada. Isso por que você tem 1 objetivo de final de cada uma das 4 rodadas e você usa um dos seus cubos de ação para marcar em qual colocação você ficou em cada objetivo. Ou seja, a medida que sua máquina de pontos aumenta, você passa a ter menos ações para se aproveitar dela. Lembra que eu falei da importância do timing de Engine Buildings curtos? Wingspan se aproveita disso com perfeição.
Outra coisa que justifica o hype do jogo (e seu preço elevado em comparação com os outros jogos do estilo) é o nível da produção. Ela é, sem sacanagem, um esculacho! O jogo se preocupa em ser uma bela ode ao mundo das aves. Cada carta tem inúmeros detalhes reais de cada pássaro. Seu nome científico, onde se encontra, tipo de ninho, habitat, envergadura das asas (que é o que significa Wingspan) entre outras coisas que me lembram a época que eu colecionava o álbum de figurinhas Pantanal, que vinha no chiclete Ping Pong. E embora hajam umas 10 informações em cada carta, ela é clean, simples e você consegue rapidamente saber o seu efeito no jogo. O design gráfico nesse ponto é simplesmente perfeito.
Os componentes do jogo então, nem se fala. Os ovos dos pássaros seriam cubos grandes se esse jogo fosse produzido por qualquer outra editora que não a Stonemaier Games. São tão bonitinhos que dá vontade de comer. E a torre de dados, um dos componentes mais inúteis em qualquer jogo, tem formato de casa de passarinho que fazem dela uma favorita a fotos no Instagram. Pode ser tudo só cosmético, mas a experiência visual conta muito para tornar o jogo mais agradável.
Wingspan tem então toda essa vibe de card driven engine building que obteve seu sucesso máximo com Terraforming Mars em um tempo super reduzido. Mas seria Wingspan melhor, do que seu irmão maior marciano? Eu diria que não, mas Wingspan demora 60 minutos enquanto Terraforming vai demorar entre 2 a 3 horas se você jogar sem draft. Com draft sobe para 4 horas e pode ficar demasiadamente longo para muitas pessoas.
É por isso que Wingspan irá, sem dúvida nenhuma, ver muito mais mesa que seus pares. Eu lembro de como meus amigos tinham centenas de partidas de Race for the Galaxy pelo mesmo motivo. É um jogo muito bom pelo tempo que ele leva. Pera lá, não estou dizendo que Wingspan é melhor do que Race, mas é sim um jogo que tem um feeling e duração parecida.
Não vou dizer que o jogo não tem problemas. Como já apontaram em reviews de outros canais, embora existam um zilhão de cartas de pássaro (sério, são, sei lá, umas 200 cartas), muitas das habilidades dessas cartas são parecidas entre si, mudando apenas o tipo de pássaro, habitat ou ninho. Outros vão reclamar que com tantas cartas, fica imprevisível saber o que vai sair e você pode investir numa estratégia e nunca sair as cartas que você precisa para fazê-la funcionar. Alguns ainda dirão que, com um número tão apertados de ações o jogo pode ficar meio queima-mufa e elevar o downtime dos jogadores quando alguém na mesa tiver um AP meio alto. Tudo isso é verdade, e dependendo do seu gosto ou estilo, pode sim atrapalhar sua experiência. E como nenhum jogo é para todo mundo, se isso te incomodar muito, talvez Wingspan não seja para você.
Mas para mim, ele funcionou muito bem. É um jogo que pode ver mesa mais de uma vez na mesma noite. Cada vez mais temos mais jogos e menos tempo/grupo para jogar. E jogos assim trazem um sentimento de que a noite de jogos rendeu sabe. Por isso, é simplesmente perfeito que os jogos tenham conseguido reduzir sua duração sem perder a sensação de ser um jogo completo. E nisso, Gnomópolis e Gizmos podem ter tido algum sucesso, mas é Wingspan que brilha, traz mais complexidade, mais corpo e decisões a serem tomadas. Não é um jogo simplezinho ou levinho. É um jogo desafiador! E tudo isso, num piscar de olhos. Ou seria, numa batida de uma asa?