Tragedy Looper é um jogo que reune todas as características que me fazem torcer o nariz em um boardgame. E ainda assim me pegou de surpresa como o jogo que mais me surpreendeu em 2018 até agora. Joguei pela primeira vez semana passada e desde então quero jogar direto. Teve um dia na Jogatina aqui que jogamos só Tragedy Looper, várias vezes. Mas por que isso?
Bem, antes de mais nada, vou dizer as características que eu achava que não ira curtir no jogo. Ele é um semi-cooperativo (3 contra 1), baseado na imersão do tema de viagem no tempo e com uma arte de anime que me incomoda demais. Metade dos personagens são adolescentes japoneses vestidos de colegial. O Tabuleiro é um retângulo dividido em 4 quadrados com uma arte genérica que representa 4 localidades. Nossa!!! Como esse jogo merecia uma arte descente. E apesar de todos esses contras, eu amei o jogo. Como????
Bem, Tragedy Looper para mim, venceu Anachrony como a melhor implementação da temática de viagem no tempo que eu já encontrei. O jogo é de dedução. Um T.I.M.E. Stories com Overlord como já me descreveram aqui (PS: nunca joguei T.I.M.E. Stores para comprovar essa afirmação), onde você volta no tempo diversas vezes até desvendar algo daquela situação. Ainda está confuso né? Já vou esclarecer!
Você já viu o filme Código Fonte? É com Jake Gyllenhal onde ele é um piloto da aeronáutica colocado dentro da mente de uma vítima da explosão de um trem para desvendar, em 8 minutos a identidade do terrorista. Cada vez que ele falha ele tem que voltar ao início e ter mais 8 minutos para tentar outras coisas e desvendar algo desta vez. E vai fazendo isso várias vezes, voltando no tempo e utilizando-se das informações que já teve antes para desvendar o crime. Tragedy Looper funciona de maneira parecida.
No jogo (que não é Legacy), 3 pessoas, chamadas Protagonistas, voltam no tempo para tentar impedir um Plot (evento) e sub-plots de acontecer. Mas eles não tem muita informação. Na mão, apenas uma tabela com os possíveis plots e sub-plots que podem acontecer e o efeito de cada possível personagem na cena. Durante, digamos, 7 dias (rodadas) eles precisam prevenir o evento de acontecer ou senão aquele Loop de volta no tempo acaba, e eles tem de voltar ao início, com tudo do zero, e tentar novamente. Você vai então tentando e perdendo algumas vezes, mas a cada derrota ou vitória, você pode eliminar ou confirmar a presença de algum personagem e de algum sub-plot.
A mecânica é totalmente card-driven. Existe um overlord (chamado Mastermind) que joga cartas que aumentam a Paranóia dos personagens, o nível de intriga e move pessoas pelas 4 localidades. Paranoia e Intriga são gatilhos para eventos ruins ou fim do loop. Os protagonistas por sua vez jogam outras 3 cartas que cancelam os efeitos das cartas do Mastermind ou que aumentam a Boa Vontade dos personagens, liberando eventualmente um efeito positivo dele.
No primeiro cenário que eu joguei, por exemplo, haviam 7 dias e 4 Loops. Ou seja, nós tínhamos 4 voltas ao tempo para sobreviver por 7 dias sem que nenhuma condição de fim de jogo acontecesse. Os protagonistas também venceriam se eles descobrissem todo o plot, os 2 sub-plots e o papel de cada personagem no jogo.
Durante a semana joguei o jogo 4x, sendo tanto o protagonista como o Mastermind e jogando tanto no cenário básico como no avançado. Bem, o que esse jogo tem de feio, tem de bom!
Primeiro, a implementação do tema dele é perfeita. Se não fosse o jogo mais velho do que o filme do Jake Gyllenhal eu diria que copiaram o plot (será que o filme então copiou o jogo??). Para não dizer que é 100% original, em Feitiço do Tempo o Bill Murray já ficou vários loops preso no Dia da Marmota, mas o esquema de mistério Sci-Fi é bem diferente.
Depois, acho que a integração com a mecânica ficou ótima. Esse clima de suspense, de voltar ao tempo demonstrada num jogo de dedução através de criação de cenários repetitivos, eu achei simplesmente perfeita!
E se deduzir já é difícil, trabalhar como Mastermind é ainda mais. São inúmeras variáveis a se controlar, sem poder anotar as coisas (nenhum dos dois lados pode anotar, tem que memorizar) e vários passos a se dar para que os eventos culminem de maneira coordenada no final. Num jogo de 4 loops por exemplo, ele tem de pensar em 4 maneiras diferentes acabar com o Loop e manter papeis e plots escondidos para que os Protagonistas não evitem o evento em cada uma das 4 vezes. É angustiante e desesperador. Muitas vezes pareceu coisa demais para mim. Mas não se assuste, o jogo apresenta alguns cenários básicos para que você se ambiente ao jogo e mesmo os cenários avançados tem diferentes níveis de complexidade para que você não caia de paraquedas em algo que não está preparado para.
E por último, Tragedy Looper oferece uma boa rejogabilidade se comparado a jogos do tipo. Jogos como Unlock, T.I.M.E. Stories, etc, ainda que não rasguem peça, só podem ser jogados uma única vez. Tragedy Looper não tem esse impeditivo! Embora não dê para jogar de protagonistas várias vezes em um mesmo cenário, você pode jogar o mesmo cenário de Mastermind várias vezes, desde que, contra pessoas diferentes. Além disso, o jogo já vem com 12 cenários na caixa base, tem um manual que ensina a fazer novos cenários, e ainda disponibiliza na internet inúmeros outros cenários já construídos, de forma que você não se sinta obrigado a comprar as expansões do jogo só por que já jogou os cenários básicos.

Tragedy Looper é um jogo muito mais complexo e desafiador do que sua caixa sugere. É um jogo para quem gosta de desafios mentais, em pensar em todas as possibilidades, em deduzir caminhos e resolver quebra cabeças. O que achei ele mais interessante do que eu imaginava é a figura do Overlord. O Mastermind faz com que o jogo tenha uma dinâmica além da mera dedução. Ele contra-ataca e cria dificuldades para. É também, capaz de blefar para levar a todos acharem que um sub-plot está acontecendo que o gatilho de um evento aconteça simultaneamente a tantas coisas que, os Protagonistas não consigam deduzir o que causou tal evento. Esse fator tira o jogo do comum e eleva ele a um grande xadrez de dedução.
Se você curte viagem no tempo e jogos de dedução, e não tem problema com inglês, recomendo muito. Aliás, se você domina espanhol, já há uma versão com uma arte ocidental da Devir Ibérica que agrada muito mais aos olhos.
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