Desde o dia em que foi anunciado no Kickstarter, Rising Sun sofre um preconceito comparativo com Blood Rage. Seria esse o mesmo jogo, apenas com um macaco fazendeiro neo-zelandês no meio de um Japão Feudal?
Bem, para acabar com o mistério de uma vez por todas, vou começar o texto com 2 afirmações: (1) Rising Sun não é uma mera retematizada com alguns twists de Blood Rage e (2) na minha opinião, é muito melhor a ponto de que, quem não gosta de Blood Rage, pode, sim, curtir Rising Sun. Eu pelo menos já vi isso acontecer.
Mas vamos lá, as semelhanças também existem, é claro. Na verdade, todo jogo do Eric Lang desde Chaos in The Old World vem sendo comparado entre eles e com o próprio Chaos. E Rising Sun tem um estilo de Dudes in a Map, ou no caso dele, Monsters in a Map que permeia vários jogos do autor. Dá para citar uns 300 jogos do Lang cujas mecânicas são controle de área e gestão de mão. Mas a ideia aqui é te mostrar que, apesar disso, este jogo é diferente, e na minha opinião, até melhor do que os últimos jogos lançados do Eric Lang. Como Chaos não foi lançado no Brasil e é um jogo esgotado, vou tentar manter as comparações mais próximas a Blood Rage e Poderoso Chefão que são jogos do nosso mercado.
Rising Sun é mais um jogo no estilo Eurotrash do Eric Lang. Aquele jogo que utiliza de mecânicas bem Euro para controle de área, seleção de cartas e gestão de recursos combinadas com conflito, temática e resolução de combate. No entanto, uma primeira diferença do Blood Rage neste caso é com relação aos combates e às formas de ganhar pontos.
Blood Rage foi um jogo que decepcionou muita gente. Como o jogo foi um sucesso instantâneo nos EUA, onde o público não curte tanto aquele Eurão seco e solo multiplayer, o jogo subiu rapidamente nos rankings chegando ao Top 10 do BGG. O mesmo aconteceu na Ludopédia com os apoiadores iniciais do jogo. Ele rapidamente foi tido com um dos maiores lançamentos do mercado nacional. O hype estava criado e muita gente comprou esperando o melhor jogo do resto de suas vidas. Duas coisas, no entanto, criaram rápida reclamação sobre ele. Primeiro, o anticlímax do combate para quem queria um jogo de porrada. Em Blood Rage você pode muitas vezes jogar para morrer, ou jogar nas missões e cagar, literalmente, para os combates. Já vi muita gente dizendo que não é um jogo de controle de área, mas de movimentação no tabuleiro pois controlar a área muitas vezes não lhe dá nada (a não ser que tenha missões para isso). Outra reclamação é que o draft de cartas gera uma CONSIDERÁVEL vantagem para quem conhece os jogos e já sabe os combos. Novatos no jogo, ainda que experientes em jogos, tomavam uma surra na 1ª partida.
Bem, primeira boa notícia é que, Rising Sun, apesar de ser um jogo em que movimentação no tabuleiro acontece MUITO, é um jogo onde dominar território (em geral vencendo combates) é a principal maneira de ganhar pontos. Nisso, ele lembra BEM VAGAMENTE, o El Grande, jogo referência do gênero de controle de área, pois em Rising Sun você terá 3 momentos de pontuação por domínio de área no jogo. Mas ao contrário de El Grande, apenas 1 pessoa ganha os pontos de cada região em cada rodada.
O segundo ponto para Rising Sun é que o jogo não depende tanto de conhecimento prévio das cartas para vencer o jogo. Obviamente há uma curva de aprendizado normal como em qualquer jogo. Como há poderes variados, é normal demorar um pouco para dominar o poder e estratégia de cada Clã, mas um jogador experiente pode, facilmente, jogar de forma competitiva desde a primeira partida.
Aliás, já que falei de poderes variados, isso é um terceiro ponto positivo para Rising Sun em comparação a Blood Rage e Poderoso Chefão. Nesses 2 jogos, eu fiquei sempre com a impressão que eu queria que um clã Viking ou família mafiosa tivesse um poder que diferenciasse um do outro além da cor. Em Rising Sun tem e isso é bem legal. É legal por que torna o jogo mais variável. Você joga diferente de acordo com o Clã que pegar e quais outros estiverem na mesa. É legal porque faz com que você pense em estratégias diferentes cada vez que você senta para jogar.
Jogadores com poderes variados que fazem a diferença no jogo (e em Rising Sun faz) é uma das minhas mecânicas favoritas de um jogo de tabuleiro. Inclusive já deixei claro, no post sobre o Clans of Caledonia de como eu acho que isso, quando implementado de forma simples, influencia para melhor a experiência de um novato no jogo pois ele tem uma linha estratégica a seguir desde o início. E aqui, apesar de não ser tão forte como em Caledonia, os poderes variados estão muito bem implementados.
Por último, algo que acho SENSACIONAL neste jogo é a seleção de cartas/ações do jogo. Em Rising Sun há um deck com 5 ações: recrutar unidades, treinar seu exército (comprar cartas de poderes especiais), colher os benefícios do terreno que você domina, marchar/movimentar seu exército pelo mapa e trair sua aliança. No deck há 10 cartas (2 de cada) e a cada turno você compra as 4 de cima, escolhe 1 que quer fazer e coloca o resto de volta em cima do deck. Toda ação acontece para todos, mas há um benefício extra para você e seu aliado, algo bem no estilo de Puerto Rico. Aqui você nota mais uma vez a presença do elemento Euro em um jogo de conflito que me faz curtir ele demais. Tem muita estratégia nessa escolha. Assim como em Puerto Rico, a escolha do timing de cada ação e a leitura de mesa fazem a diferença. Você pode querer, por exemplo, marchar, mas se perceber que isso é indispensável para o próximo jogador, pode deixar que ele faça isso enquanto você, por exemplo, pode recrutar, e ter muito mais unidades no tabuleiro quando chegar a hora de se movimentar. É bem bacana e estratégico isso.

Alianças e Traições
Bem, desde o início da criação deste jogo, o Eric Lang disse que ele tinha uma certa inspiração no jogo Diplomacia, onde alianças e acordos são feitos e desfeitos o tempo todo. Em Rising Sun, isso é bem menos presente do que em Diplomacia, que aliás, se assemelha mais, com relação a isso, ao Game of Thrones, com as ações todas pré-programadas. Aliás, se Rising Sun tem um defeito de cara está aí. A ideia de negociação e aliança é bacana, mas a impressão que dá é que ela acontece em um momento meio desconexo do resto do jogo. Quando as alianças acontecem, chamada fase do Chá, minha impressão inicial foi de que elas são feitas de maneira quase que automática e pouco estratégica. Claro, há o que se pensar para escolher o parceiro de aliança, mas em número par, provavelmente a pessoa vai se aliar com alguém, sendo estratégico ou não, para poder se beneficiar do poder secundário da ação do parceiro. Vira um momento com muita brotheragem e pouca fundamentação. No final, 90% do tempo para mim é um tanto quanto irrelevante com quem eu me alio.
No entanto, durante as ações do jogo isso é mais bacana. É bacana por que você começa a disputar terrenos com aliados e sabe que se forem aliados não haverá combate, ou seja, basta estar mais forte ali para ganhar e não dar nada ao aliado. E também é bacana por que há a ação de Traição.
A ação de Traição tem um nome mais forte do que parece. Ela nem necessariamente é tão traição assim. É ruim para seu aliado pois ele esperava ganhar algum benefício com a sua ação e esta não dá nada para ele. Também lhe dá o direito de trocar 2 Miniaturas adversárias (de pessoas diferentes) por 2 suas. Você não precisa tirar uma miniatura do seu aliado, pode ser de qualquer um, mas, se você tirar dele ele se sentirá duplamente traído.
Mas o importante aqui é saber que esse jogo tem furação de olho e que você tem que ter cuidado caso isso funcione bem ou não na sua mesa. Todo jogo de controle de área tem. É normal. Uma pessoa vai lá, investe de montão em um lugar apenas para vir outro e tomar tudo. Isso aí já terminou vários namoros e casamentos por aí. Aqui em casa não é problema. Rimos disso, zuamos o outro e juramos vingança. E um turno depois, o ciclo se repete com outra pessoa e bola para frente. Mas se for um motivo de briga na sua mesa, tenha cuidado.
O jogo também permite negociação DURANTE as fases de ação. Jogadores podem dar moedas e Ronins (mercenários que ajudam nos combates) a vontade para outro jogador em troca de uma escolha de ação específica, de te dar sossego em um território ou para sacanear outro amiguinho.
Mas vale a pena dizer que essa traição e negociação não determinam a sua vitória/derrota no jogo. Isso é bacana por que limita o efeito do Take That a algo recuperável e remanejável durante a partida. Ninguém fica aleijado e sem capacidade de vencer por uma traição. Em um jogo, passei quase o tempo inteiro perdendo miniaturas para os adversários nas traições e isso não me impediu de conseguir a vitória. Influencia, mas é uma variação marginal na posição do tabuleiro.
O Combate
Bem, aqui está outro ponto que muitos vão amar e outros odiar em Rising Sun. Eu achei o combate do jogo sensacional. Ele acontece de uma maneira bem parecida com Cry Havoc, jogo que já era elogiado por ter uma resolução de combate bem bacana. Só que em Rising Sun a escolha do que fazer no combate é feita escondida, através de um leilão fechado.
Durante a fase de combate, será resolvido o combate em cada região com conflito (pelo menos 2 não aliados com presença na região) em uma ordem específica (como em Cry Havoc) e cada jogador utilizará seu dinheiro para tentar ganhar o direito de fazer cada uma das ações. Quem ganhar o leilão de cada ação, e apenas esta pessoa, tem o direito de realizá-la.
A primeira é o Seppuku, onde você suicida todos seus guerreiros antes do início da guerra em troca de honra e pontos de vitória. Você faz isso quando a derrota é certa e você só quer lucrar o que der com isso. É bacana que o Seppuku é uma maneira de ganhar Honra, que é o critério de desempate de tudo no jogo. Então você pode suicidar em uma batalha inicial para subir na honra e passar um adversário neste critério de desempate antes mesmo da batalha da próxima região ocorrer.
A segunda ação é sequestrar um inimigo. Ela lhe dá o direito de tomar um ponto de vitória de um inimigo e tirar uma miniatura dele de combate. Isso não só serve para roubar um ponto de alguém, mas para melhorar sua posição naquele combate. Com isso, 2 guerreiros de força 1 tem chance contra um monstro de força 5 se você o sequestrar e tirá-lo da batalha antes da resolução do combate.
A terceira ação é contratar Ronins. Ronins são mercenários que lhe dão força extra naquele combate. A quarta e última ação é o Poema Imperial. Ele lhe dá pontos de vitória para cada unidade morta em todo aquele combate.
São 4 ações, cada uma delas necessita de um leilão para vencer. E todo dinheiro gasto no leilão é perdido. Como é normal participar em duas, três, até quatro batalhas em cada round, você nunca vai ter dinheiro para ganhar tudo o que quer. A maior parte das vezes vai conseguir garantir no MÁXIMO 1 desses. Com isso você também pode entrar numa batalha para perder, mas ganhar pontos suicidando, sequestrando ou fazendo poemas aos mortos. Pode também entrar para ganhar dinheiro e se fortalecer para os próximos combates. Isso por que todas as moedas gastas pelo vencedor são distribuídas entre os perdedores.
Essa é uma característica bem clara do Blood Rage que foi reimplementada aqui de outra forma. Em Blood Rage, quem perde o combate mantém a carta utilizada. Isso faz com que ele esteja mais forte para um segundo combate, enquanto o vencedor perde a carta. Em Rising Sun, esse mecanismo está presente através da distribuição das moedas. Isso evita que um jogador forte limpe a mesa em um turno. E mais do que isso, permite que um jogador fraco não tenha uma derrota automática em várias batalhas. Ele pode ir se recuperando durante elas e ganhar louros no final.
Por isso, assim como Cry Havoc, onde as batalhas acontecem em ordem numerada, você tem que gerenciar bem os recursos. Tem que saber certinho quais das batalhas você entrou para ganhar, e quais você entrou para perder, para no final ter sucesso na sua estratégia. Mais um ponto para Rising Sun por implementar bem uma mecânica de gerenciamento de recursos típica de jogos Euros de forma redondinha dentro de uma resolução de conflito.
Jogando em números pares ou ímpares
Uma das coisas que mais me perguntaram no jogo é: fica legal com número de jogadores ímpares? Isso por que, como o jogo dá um bônus para aliados, em números ímpares sempre tem alguém que fica excluído e há um medo do desbalanço.
Bem, ainda não estressei ao máximo a estratégia para poder afirmar, mas a impressão inicial é que não faz diferença não. Pelo menos não significativa. Já achei quem inclusive prefere jogar em contagem ímpar para OBRIGAR alguém a ficar sem aliança.
A verdade é que o Bônus de aliança é marginal e ninguém ganha ou perde o jogo só por isso. Além disso, é muito difícil um jogador ficar sem aliado nas 3 rodadas. Desta forma o jogador solitário provavelmente muda de round a round. Em uma mesa esperta, o suposto líder vai sempre ter dificuldade de arrumar alianças. Então isso serviria de um mecanismo de segurar a disparada de alguém.
Por último, tem a vantagem de jogar sem aliados. Você fica mais propenso a usar a ação de traição onde apenas você e ninguém mais se beneficia pois não há penalidade de perda de honra por isso.
Acho mais importante em Rising Sun, ter uma mesa cheia do que se preocupar com jogos em números pares ou ímpares.
Retail x Kickstarter.
Um conceito que paira no ar em todo Kickstarter da CMON, cheio de KS Exclusive é: será que o jogo versão Retail (que vai para as lojas depois) não acaba sendo incompleto? Afinal, 10 dos 22 monstros presentes e o Clã Fox, que permite o 6º jogador, são ítens exclusivos do financiamento coletivo.
Bem, minha impressão inicial, após apenas 3 partidas, sendo 2 na versão KS e uma na Retail, é que não. A versão Kickstarter adiciona sim umas coisas bacanas além do upgrade dos componentes, mas nada disso torna o jogo melhor. O jogo perde, sim, em variedade do setup.
Uma coisa que acontece em Rising Sun é que não são os 22 monstros que estarão presentes em cada partida. Vai depender de qual deck de cartas você vai utilizar ou o que for sorteado para aquela partida. Então não é como se o jogador da versão KS tivesse muito mais monstros à disposição, mudando a dinâmica do jogo. Esse, por exemplo, é um defeito de Blood Rage para mim. Como praticamente tudo entra no deck (em geral apenas 2 cartas ficam de fora), monstros como o Fenir ou o Lobisomem mudam, consideravelmente, a maneira com que o jogo é jogado.
A questão do 6º jogador é outro ponto bacana do KS, mas não é indispensável. Quantas vezes você joga um jogo em 6 pessoas? Agora, se isso é uma realidade no teu grupo, se você constantemente tem 6 pessoas que não curtem se dividir em 2 mesas, aí pense em comprar uma expansão para 6º jogador. Rising Sun funciona MUITO BEM em 6. Demora mais um pouco, é verdade, mas fica bem legal. Aliás, isso é uma característica de controle de área em geral né, quanto mais cheio, mais marcado e bacana fica o jogo. Mais os combates são imprevisíveis por acontecerem com múltiplas pessoas envolvidas no leilão fechado.
Conclusão final
Para mim, Rising Sun é um jogão. Sei que não vai funcionar com qualquer mesa, pois muita gente não curte controle de área, conflito, traição ou leilão fechado, mas eu curto tudo isso. O jogo não é inovador, longe disso. Utiliza-se de mecânicas e mecanismos já conhecidos e presentes em vários jogos como Puerto Rico, Cry Havoc e do próprio Blood Rage. Mas assim como vimos Clans of Caledonia obtendo um grande sucesso adaptando mecânicas de outros jogos, acho que Rising Sun tem tudo para ser um caminho e tirar o ranço que muita gente no Brasil passou a ter com o Eric Lang desde o lançamento do Blood Rage.
Ainda em tempo, e é sempre bom avisar, apesar de entender os defeitos eu ainda me divirto muito jogando Blood Rage!
DICA DE QUEM JÁ TEM O JOGO: Deem uma olhada nos FAQs. Há muita coisa que não fica clara apenas no manual ou na descrição da carta. Quando joguei no Diversão Offline do Rio com a pessoa da Galápagos tirando dúvida na hora, jogamos o jogo em pouco mais de 1h30m em 5 pessoas. Já em 6, na primeira partida com a versão KS, demoramos quase 4 horas pois sempre tínhamos dúvidas que parávamos para procurar no manual. Segue aqui o link do FAQ:
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