Eu comecei a jogar boardgames “Modernos” por volta de 2002. Naquela época, eu tentava saciar minha vontade de jogos de tabuleiro com jogos de quiz, como Academia, Master, Perfil ou party games como Imagem & Ação e Leréia. Aí veio um amigo que descobriu um tal de Catan, que dava para jogar online, com uma pessoa sendo o servidor. A gente jogava inúmeras partidas seguidas, negociando ovelha, trigo e pedra pelo MSN. Tínhamos até emoticons feitos para isso.
E daquele grupo saíram 2 pessoas que começaram a comprar jogos físicos. Começou com Catan, mesmo. Depois vieram Munchkin, Kingsburg, Tsuro, Blokus, Dixit até chegar em jogos como Dogs of War e outros kickstarter mais recentes. Nesta época, reuníamos pouco, coisa de uma vez a cada 2 meses ou até menos. Até um dia em que fui visitar meu cunhado em Porto Alegre e ele me apresentou Battlestar Galactica. Nesse dia o mundo dos boardgames mudou para mim.
Eu não tinha visto a série, nem conhecia BSG, mas meu cunhado começou a explicação dando uma geral sobre o programa de TV antes de ir para as regras. E no final daquela partida, eu só queria jogar esse jogo de novo, de novo e de novo.
Isso foi em dezembro de 2014 e mesmo tendo entrado nesse mundo de cabeça desde então, nenhum outro jogo do gênero chegou aos pés de Battlestar Galactica.
E para entender bem o jogo, é bom entender de forma reduzida o prólogo da série. A série se passa em um futuro onde os humanos habitam um planeta em outro sistema solar. Neste futuro, a tecnologia avançou tanto que os humanos criaram uma inteligência artificial (Cylon) que acabou se rebelando contra a humanidade em uma guerra sem vencedores. Anos mais tarde, sem que os humanos percebessem, os Cylons se infiltraram entre as pessoas e desabilitaram o sistema de defesa terrestre, também fizeram um ataque fulminante que destruiu nosso planeta e quase toda nossa população. Apenas alguns milhares de pessoas sobreviveram em naves civis que estavam no espaço e a Battlestar Galactica, uma espécie de Encouraçado/Porta Naves antigo que fazia seu último voo antes de virar museu. Agora, aquela nave seria a única forma de defesa humana. Com isso os humanos não tinham capacidade de lutar. Sua sobrevivência dependia da capacidade de fugir para um destino onde poderiam se estabelecer (Kobol). Enquanto isso, Cylons, seja com sua frota ou com agentes infiltrados entre humanos, tentam exterminar nossa raça. E é nesse cenário que jogamos Battlestar.
No jogo, cada um é um dos personagens da série dentro das naves sobreviventes (no base a Battlestar e a Nave Presidencial) tentando fugir e sobreviver juntos. No entanto jogamos sabendo que há a possibilidade de termos 1 ou 2 Cylons infiltrados entre nós.
BSG tem 2 diferenciais que fazem dele o jogo que define o gênero dos Cooperativos com Traidores. O primeiro é o fato de que o jogo não é um daqueles Coops que você se sente jogado. Você consegue escolher quase tudo o que vai ou o que quer fazer. Isso não significa que você conseguirá fazer tudo o que precisa, mas você não se sente obrigado a fazer A e depois a fazer B, de forma que sente que é o jogo, e não você, dando as direções.
O segundo e mais importante dos diferenciais é a PERFEITA integração com o tema. Esse jogo poderia ser estudado em escolas de design sobre como encaixar uma ótima mecânica ao que o tema se propõe.
Primeiro tem o fato da eterna tensão de quando vão encontrar os Cylons, quanto tempo dá para ficar sozinho no espaço. Depois, tem a tensão de que qualquer um de nós pode ser Cylon, mas, ao mesmo tempo, é virtualmente impossível vencer o jogo sem confiar de pelo menos alguns companheiros. Em terceiro lugar, tem o fato de que você não quer, nem tem forças para, lutar contra os Cylons, você só quer sobreviver, conseguir dar o JUMP no espaço e tirar esses Cylons das suas costas. E por último, tem o Cylon adormecido.
Na série, alguns Cylons infiltrados entre os humanos não sabem que são Cylons. Eles estão adormecidos para que tenham total confiança dos humanos, mas possam ser ativados como Cylons caso necessário. São, digamos assim, uma arma secreta do inimigo. E no jogo isso é colocado de maneira brilhante. Ao atingir metade do caminho, cada jogador compra uma segunda carta de lealdade. Se ela disser que você é Cylon, você se torna Cylon, ainda que tivesse a carta de humano até então. E um jogador Cylon pode jogar como traidor, infiltrado e sabotando os humanos ou se revelar Cylon e começar a jogar de forma diferente, fazendo outras ações que prejudicam diretamente os humanos.
Num jogo de 5 pessoas, por exemplo, vão, necessariamente, entrar 2 Cylons. Mas não se sabe se 2 logo de cara, um em cada metade ou 2 na segunda metade do jogo. E isso cria uma eterna tensão na mesa.
A mecânica principal do jogo lembra por alto a resolução de missões do Resistance, mas com uma dinâmica muito melhor. Você passa por crises que utilizam cartas da mão para vencê-las. Existem 5 cores de cartas com números e poderes. Cada missão terá cores que contribuem e que atrapalham a missão e o valor necessário para derrotar aquela crise. Jogadores jogarão cartas fechadas, bem como serão adicionadas 2 cartas aleatoriamente, e é preciso que a soma das cartas das cores que ajudam, menos o valor das cores que atrapalham, chegue ao valor da carta de crise para que os humanos consigam seguir com sucesso. Senão, haverá consequências.
O jogo também é emocionante por que cada um tem um papel definido, de acordo com o personagem escolhido. O almirante pode escolher o destino da nave. O Presidente tem poderes de prender ou soltar jogadores, um dos pilotos (Boomer) consegue olhar a próxima carta de crise, e cada um pode manipular um aspecto do jogo que você não tem como saber se é para bem ou para mal.
Para mim, nenhum outro jogo une a mecânica com a imersão ao tema tão bem quanto Battlestar Galactica, é por isso que ele, na minha opinião, define o gênero de jogos com traidor. Todo mundo que curte, por exemplo, Dead of Winter, não tem motivos para não jogar BSG se não for por dificuldade de compra ou do idioma inglês. Aliás, ele é o motivo pelo qual eu acabo nunca jogando DoW, afinal por que eu jogaria ele se posso jogar BSG?
Para não dizer que falei apenas de flores, vão aqui 3 pontos negativos do jogo. Primeiro, a explicação das regras demora para caraleô. Em geral mais de uma hora, e quando terminei a pessoa que estava ouvindo não lembrava do início. Em segundo, o jogo, até você ser bem experiente, é bem complicado para os humanos. Mesmo um Cylon meia boca tem mais chance de ganhar. Com o tempo os humanos aprendem a se coordenar melhor e isso começa a se equilibrar. E, por último, o jogo pode ter momentos de marasmos quando os humanos conseguem fugir (jumpar) e limpar o tabuleiro de naves Cylons. Até sair um novo encontro no baralho de crise, o jogo fica no esquema de abre crise, resolve crise apenas, e embora para mim não fique monótono ou repetitivo, há quem se decepcione com isso. Mas nem de longe acho que essas coisas estragam sua experiência.
Se sua namorada não ficar puta por que você mentiu para ela, ou um amigo ficar irritado quando você trair a todos, acredite, Battlestar Galáctica é uma das melhores opções que existe no mercado, em qualquer gênero. BSG é um jogo tão bom, que quem curte a série, é certeza que vai amar e mesmo quem não viu, vai passar a ter vontade de assisti-la.
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