Agra foi um jogo muito aguardado e elogiado em Essen no ano passado. Muita gente falava maravilhas deste jogo, que teoricamente era estrategicamente rico e pesado. Mas no final da primeira partida, quando me perguntavam se eu gostei, eu não conseguia responder.
A minha impressão inicial, foi que eu fiz inúmeras coisas sem saber bem o porquê e no final, eu venci, sem ter a menor ideia como. Ficou parecendo que estrategicamente o jogo foi arrastado. Como se as coisas e o motor do jogo não girassem bem. Sabe quando você vai jogar um jogo, tipo Le Havre, que no início, você precisa gastar umas 4 ações para conseguir 1 tijolo para construir algo, mas já no final, em uma ação você já está produzindo tipo, 17 tijolos? Então, é como se o Agra nunca tivesse evoluído para tal e ainda gastasse 4 ações para tudo. Talvez eu evolua para 2 ações, mas ainda assim, era lento.
Mas essa havia sido apenas a primeira partida. Estrategicamente falando, ninguém dominava o jogo e saímos todos com a impressão que não havíamos conseguir fazer bem o que deveríamos. Vieram então as partidas seguintes, e a impressão inicial mudou um pouco, mas não totalmente.
Agra é um euro estratégico com muitas coisas bacanas. O jogo tem uma arte bem legal e um tabuleiro maravilhoso. O setup é bem variado de forma que cada jogo terá diferentes opções. Mas provavelmente a coisa mais bacana e interessante do jogo é a questão da meditação e da interação positiva entre os jogadores.
O jogo funciona como uma alocação de trabalhadores. Digo como, pois, embora seja alocação, ele sai do senso comum. Por exemplo, cada vez que você vai em um local onde já há um trabalhador, você expulsa ele e dá um ou mais favores para o dono do trabalhador em questão. É algo parecido com o bônus de expulsar o trabalhador do Gallerist sabe? Que dá ao expulsado o direito de uma ação executiva bônus. Em Agra acontece algo parecido, mas nesse caso a pessoa, ao invés de ganhar uma ação bonus, ela ganha favores que pode acumular para, na hora que ela quiser, trocar por diferentes ações extras. Tipo, com 3 favores você ganha uma Curcuma, com 4 sobe um degrau no altar do imperador, etc.

Isso é uma interação positiva entre os jogadores. É algo onde a ação de um está interferindo na ação de outro, mas ao invés de impedir o segundo de fazer a ação, ela dá um bônus para quem foi lá primeiro. Essa interação positiva ajuda muito a experiência de pessoas que tem problemas em serem bloqueadas ou frustradas de não conseguirem fazer o que querem. E se isso já é bacana (e salva casamentos), eu achei ainda mais interessante a questão de estocagem de favores, que podem ser usados na hora que melhor lhe convir e com ações que custam diferentes favores de acordo com o efeito da ação. Desta forma, é quase sempre garantido a utilidade dos favores.
Outra coisa que adorei no jogo foi a fase de meditação. Bem, em Agra, cada turno, um jogador pode realizar 3 ações: meditação, ação e entrega de bens ao imperador. Na fase de meditação, cada trabalhador seu não expulso por outro jogador anteriormente, pode ser deitado para meditar. Isso lhe dará pontos de meditação para performar uma ação extra. Ao deitá-lo você ganha uma ação extra mas abdica do favor ao ser expulso. Se for expulso deitado não ganha nada. E isso dá uma dinâmica bem bacana ao jogo. Às vezes você quer ação extra, as vezes você quer ser expulso e ganhar o favor e cabe você gerenciar isso durante o jogo.
As demais fases são menos originais. A alocação de trabalhador é onde você utiliza a ação do local que foi com seu trabalhador. E a fase de oferenda ao imperador é onde você entrega um produto a ele em troca de pontos de vitória no final do jogo. E no meio de tudo isso, pode utilizar os favores para conseguir algum bônus ou produto necessário.
Até aí parece ser um jogo relativamente simples, mas não é. Existem um milhão de jeitos de conseguir as coisas que você quer. Um milhão de estratégias para vencer o jogo. E um terceiro milhão de interações no jogo que te abre ou fecha portas dos caminhos que você queria seguir. Isso por que, além dos locais de alocação, anda por eles o Construtor(pelos locais não construídos) e o Mercador (pelos locais construídos). Eles são trabalhadores neutros/especiais que andam pelo tabuleiro e dão algum bônus especial para o lugar que estão naquele momento. E as vezes você queria construir um local, mas não tinha os recursos, e agora alguém moveu o construtor e você já pode construir. Mas como já dizia a música de Gilberto Gil “e o contrário, também, bem que pode acontecer” e você está planejando usar o construtor apenas para vê-lo se mover logo antes do seu turno.
As opções dos jogos são múltiplas e mudam de forma dinâmica. Por exemplo, às vezes você queria algo que precisava de meditação, mas alguém te expulsa e você ganha um favor no lugar. Favor é bom, mas ele pode não lhe dar exatamente o que você queria. E no meio de um milhão de coisas que você quer e pode, parece um pouco lento consegui-las.
Em jogos Euros é comum você começar lento e terminar voando no jogo. No início cada ponto de vitória demora 3 ou 4 ações. No final do jogo, cada ação está lhe dando 10 pontos de vitória, pois você já desenvolveu uma máquina de pontos, evoluiu na sua estratégia e começa a completar o que precisa no final para maximizar sua pontuação. Mas isso não é tão verdade em Agra.
Agra me parece ser mais um jogo de opções de estratégia do que montar o motor. Obviamente, você quer, mais do que nunca, maximizar suas ações. Fazê-las num momento onde vai tirar o maior proveito e criar inúmeras coisas com uma única alocação. Mas não é tão fácil fazer isso. Em Agra, eu fiquei com uma eterna sensação ser ineficiente no jogo, até mesmo quando eu ganhei. E isso é frustrante, ou pelo menos não é empolgante.
Uma das maiores alegrias que eu tenho em um jogo é ver uma estratégia encaixar e a eficiência subir, você sente que sua mente construiu algo que está funcionando. E esse foi o meu primeiro ponto de frustração com Agra.
Outro ponto que não me empolgou, e esse, totalmente pessoal, é a questão do excesso de opções sem nenhum direcionamento. Agra é um Euro Sandbox. Isso não é um defeito dele, é uma caraterística. Sandbox, para quem não sabe é uma expressão originada daquelas caixinhas de parquinho de criança, onde ela pode desenhar qualquer coisa. No mundo de Boardgames, ela simboliza o jogo sem caminho estratégico pré-definido, onde há inúmeros caminhos e possibilidades a seguir, e cabe você escolher qual você quer. E isso diz muito do que Agra é.
No jogo você pode fazer ponto focando em entregas das cartas do rio, fazendo construções de locais de produção (novos locais de alocação, que servem para produzir novos produtos), entregando coisas ao imperador e de muitas outras formas. E mesmo todas essas estratégias, tem mais de uma maneira de atingi-la. Isso para algumas pessoas é o paraíso. Para mim, não é tanto meu estilo.
Eu já deixei claro nos textos do Clans of Caledônia, do Rising Sun, entre outros, sobre o meu gosto de jogo com poderes variáveis e de como um poder forte, que direciona uma estratégia. Isso para mim é algo que para mim é muito agradável. Eu passo a contruir uma estratégia de maximizar meus poderes dentro das variáveis daquele jogo. Em Terra Mystica/Gaia Project por exemplo eu fico vendo os bônus de final de jogo, de fim de rodada etc para decidir qual raça melhor se encaixa naquelas variáveis e decidir onde vou investir para ganhar. Agra, para mim é o inverso disso. Está tudo sempre 100% aberto. São opções demais, direção de menos.
Mas no final, mesmo não tendo sido uma experiência empolgante, mesmo tendo achado a evolução do jogo um pouco lenta, Agra tem seus méritos. Não saí de nenhuma partida ávido para comprar o jogo, mas sempre saí disposto a jogar uma nova partida.
Além disso, a interação positiva dos favores e as possibilidades de maximização das ações através da meditação (ou dos próprios favores) são uma coisa bem bacana e original. Por mais que Vital Lacerda, James Stegmaier e outros já tenham implementado em seus jogos o bônus de expulsão de um local de alocação, essa possibilidade de acumular favores e usá-los em momentos e quantidades que bem lhe entender, dão uma nova camada estratégia a Agra que acho sensacional.
E pode ter certeza que, por mais que o jogo tenha milhares de ações, caminhos e estratégias, todas estão brilhantemente interligadas como um mecanismo único. Não há nada no jogo que pareça fora de lugar, que pareça prolixo, ou pareça um penduricalho. Tudo se caixa muito bem.
Agra pode ser um pouco lento ou aberto demais para mim, mas pode não ser para você! O jogo é enorme, mas não tem excesso. É um jogo para quem curte liberdade mais do que direcionamento. Para quem, em um mar de opções vê um caminho.
Já eu, bem, eu sou um cara que evito opções em excesso. Em jogos com excesso de variáveis é comum eu decidir, no início, ignorar algumas e focar/raciocinar apenas sobre um número limitado de outras. Sigo aquele caminho otimizando-o, apenas torcendo para que lá na frente ele seja o caminho correto daquela partida. Por isso Agra não me empolgou totalmente. E acho que por isso mesmo que ele com o tempo foi diminuindo a hype e aos poucos sumindo da boca das pessoas. Mas se um dia tiver outra oportunidade, podem ter certeza que estarei pronto para uma nova partida de Agra.
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