Prefácio: O tempo estimado para a leitura desse texto é de 10 minutos; se for admirar as figuras também, sobe para 11 minutos; se for ver só as figuras, em 20 segundos termina, mas ficará sem saber sobre essa epopeia.
Quem diria...?
Moçada da jogatina, aquele dia chegou. É algo tão inerente ao
hobby que, se isso nunca te acontecer, você
não será um
boardgamer completo. Eu estou falando de levar os jogos de tabuleiro para morar em outro lugar com você (e não esqueça dos seus entes queridos, por favor).
(!!!)
Faça como
Hyldon e
jogue suas mãos para o céu e agradeça se acaso não tiver que mudar de casa. E nem é por conta dos jogos a serem carregados. A menos que você só tenha uma
mala e cuia (ou seja uma pessoa
ryca), o
trampo é enorme de qualquer jeito.
A
minha historinha de hoje é sobre como eu transportei a minha coleção ao me mudar no ano passado...
duas vezes. A primeira delas foi para outra cidade no mesmo estado. A segunda vez foi para outra cidade a dois estados de distância. Mas eu e a
minha Digníssima conseguimos fazer isto; e
tudo chegou intacto,
exceto por um
split corner — o famoso
amassadinho no canto da caixa — de um único jogo (
Kick-Ass: The Board Game apanhando é praxe).
Eu sei o que vocês fizeram no verão passado.
O primeiro lugar que eu consultei para
obter dicas para essa empreitada, lógico, foi aqui na Ludopedia. Encontrei o anúncio de
um jogo com o tema “mudança” do consagrado
Uwe Rosenberg (junto com Marianne Waage), baseado em
Patchwork. Mas isso não ajudaria.
Garimpando mais, encontrei
três tópicos relevantes (
esse,
esse e
esse também) e que deram umas
sugestões bacanas e outras
malucas (um cara disse que só passou plástico-filme nas estantes e foi-se embora; acredite se quiser). Apesar de muitas opiniões, nenhuma delas dava muitos detalhes (talvez porque eles não existissem).
Ainda bem, certa feita eu tive a “brilhante ideia” de transportar
quase 20 jogos para as férias. Fiz isso algumas vezes e
redigi um post aqui na Ludopedia a esse respeito. Como todos
os jogos sobreviveram com louvor as
indas e vindas, ficou um pouco mais simples organizar a mudança. Porém, ainda havia muita coisa a considerar, tudo baseado numa
singela pergunta: como evitar que o pessoal da transportadora
moesse os preciosos e bem conservados 64 jogos?*
*Nota: cabe explicar que, na nossa situação, o transporte por carro estava fora de cogitação.
Quando crianças, não nos importamos com o estado do jogo (nem se tem todas as peças); já quando ficamos adultos...
A primeira das respostas foi óbvia a nós:
o empacotamento é por nossa conta. Além disso, chegamos a considerar
não levar no caminhão da mudança — com a paranoia de uma geladeira tombar em cima dos jogos no processo; então, poderia ser por
Correios ou
Transportadoras de Encomendas ou até
ônibus (em malas). Deixamos de delírio e que o anjo da guarda dos
board games trabalhasse um pouco
dentro da carroceria para tudo chegar
são e salvo ao destino.
O
tempo gasto para deixar tudo preparado para o embarque foi de
dois dias (um fim de semana), sem contar a tarde de compras de materiais (caixas, plástico bolha etc.). Sim, toda essa dedicação só para os jogos — roupas, eletrodomésticos, utensílios e todo o resto da mudança foi outro
rolê que não faz sentido relatar aqui.
Começando os trabalhos.
Primeiro, fez-se a organização da
área interna das caixas dos jogos. Isso já estava (quase) pronto, na verdade:
ziplocks com etiquetas identificando componentes e respectivas quantidades é algo comum que se faz em qualquer jogo novo que chega por aqui. Só faltariam os detalhes: passar plástico-filme nos tabuleiros, e nos blocos de cartas e de anotações (isso faz com que esses componentes grudem um ao outro e não fiquem
sambando dentro da caixa).
Ainda assim, muitos jogos são
como pacotes de salgadinhos, isto é, têm muito ar dentro da embalagem. Isso
é ruim porque pode facilitar amassamentos, mas
é bom porque se pode colocar outras coisas dentro, tais como os jogos de caixas pequenas. E isso foi feito!
Por exemplo: o
For Sale carregou o
Truco; o
Tigris & Euphrates levou o
Exploding Kittens e o
Innovation; o
Star Wars: Rebellion comportou o
Red7,
The Manhattan Project: Chain Reaction,
Encantados (2ª Edição),
Mafia,
Clue: Suspeitos,
Monopoly: Deal,
The Game of Life: Aventuras. Por segurança, o
Agricola (Edição Revisada) precisou ter
duas Graphics MSP para firmar tudo dentro dele. E o
Paleo necessitou de um livro de bolso pelo mesmo motivo.
Viu, mãe? Aquele minigame serviu pra alguma coisa.
A seguir,
envolveu-se todas as caixas dos jogos
com plástico-filme para elas não abrirem e ganhar uma proteção contra a umidade — não precisa exagerar; uma volta de cada lado tá bom. Então, veio
a parte mais lúdica do processo: brincar de
tetris para fazer os jogos caberem nas caixas da mudança.
A saudável brincadeira de organizar paralelepípedos (fale sem travar a língua) num determinado volume. Aqui, as primeiras tentativas — fora da caixa da mudança, ainda, para se ter uma noção do tamanho da caixa a ser adquirida.
Essas
caixas precisariam ser
compradas. Para tanto, foi necessário considerar
o tamanho e o limite de peso delas — ninguém quer ver os seus jogos se estrebuchando no chão porque a caixa abriu embaixo
do nada, não é mesmo? Isto incita a pergunta:
qual é o peso de 64 jogos? A nossa coleção era peso pena (57 kg, pesados numa balancinha de cozinha). Portanto, adquiriu-se duas caixas 50 cm x 50 cm x 80 cm, que é a
metragem aceitável por algumas transportadores de encomendas (exceto Correios), e elas
suportam até 30 kg de materiais cada.
Assim, o nosso tetris foi mais
hardcore: precisaria considerar o formato das caixas e a sua massa. Uma
planilha eletrônica ajudou com o peso, e as
habilidades cognitivas com os tamanhos.
Proteção nunca é demais.
Isso arranjado, foi hora de
passar plástico-bolha em tudo. Também
não precisa atochar proteção loucamente;
uma camada de plástico-bolha é suficiente — econômico e sustentável — afinal, ficará uma caixa grudada na outra (os plásticos aderem entre si; e tem o plástico-filme ainda), ficando uma camada dupla entre os jogos.
Depois de compradas as caixas, testando o encaixotamento mantendo espaços entre os jogos porque teria os plásticos bolha.
A seguir, foi a vez de
acomodar 38 volumes nas duas caixas (nesse momento é que percebemos como é importante
padronizar o tamanho das coisas). Como as caixas de mudança
não eram de um papelão reforçado,
acolchoou-se tudo com edredons, lençóis, toalhas e até almofadas, principalmente na parte de baixo e de cima — nas laterais, ficou meio apertado para qualquer adição. Os
danados viajariam bem confortáveis e não passariam frio. Não esquecemos de pôr
uma camada plástica embaixo da caixa, para o caso de ela passar por um chão molhado.
Assim, as caixas foram
fechadas com muita fita de empacotamento e que a natureza cuidasse do resto.
A primeira mudança: num caminhão de mudança.
Como as caixas com os jogos eram as maiores de todas elas, ficou fácil orientar o pessoal do carregamento que elas eram bastante especiais e exigiam um cuidado maior. Desse modo, tudo aconteceu da melhor forma possível:
nada de avaria significativa nelas.
A essa altura, já sabíamos que uma segunda mudança poderia/deveria acontecer. Portanto,
não desmontamos as caixas com os jogos. Infelizmente, as coisas não deram certo e ficamos. Com incertezas, desmotivações e muito trabalho por fazer, não havia clima para jogatinas. E tudo ficou encaixotado por
3 meses. Até que a maré virou.
E foi uma correria só. Uma
ótima oportunidade, mas
longe pra chuchu. Só se tinha cabeça para encontrar uma casa nova, e em muito serviço novo e diferente — tudo isso
junto e misturado. Passado o sufoco das primeiras semanas, hora de pensar em trazer as coisas.
A segunda mudança: transportadora de encomendas e ônibus.
Um novo caminhão de mudança sairia
uma fortuna. Se desfazer da coleção atual de jogos e começar outra não foi cogitado pelo
simples motivo de: está tudo dentro das caixas; é só levar de algum jeito. O melhor foi:
transportadora de encomendas.
E isso é
um rolo que a gente não tem ideia. Todas elas são
cheias de nove horas. Ainda bem, o tamanho e o peso das caixas estavam
dentro dos conformes. A empresa escolhida foi a que tinha menos burocracia e preço justo: foi
uma autoviação. Assim, os nossos jogos seriam
retirados em casa e viajariam de ônibus até a cidade de destino.
“É no balanço do busão, é no fungado da sanfona, o que atrapalha é...” o medo.
Dentre os
vários temores que apareceram, o pior seria se o pessoal quisesse
abrir as caixas para conferência. Imagina: estava tudo muito bem organizado e compactado de um jeito único; se for mexer,
não iria caber direito novamente. Dito e feito: ligaram dizendo que precisavam
verificar o conteúdo. O problema é que aproveitamos o embalo e quisemos levar outras caixas com pertences diversos. Mesmo tendo
declaração de conteúdo e (aparentemente) estar tudo dentro das regras da empresa, quiseram
ver qual é.
Evidentemente,
não aceitamos isso e as caixas voltaram para a casa de origem. Foi aí que elas ganharam as primeiras escoriações:
amassados e rasgos. Sendo algo
supérfluo — sim, joguinhos
não são indispensáveis para a vida — os jogos ficaram
de escanteio enquanto o
pau comia solto na cidade nova naquilo que realmente dava dinheiro para comprar
o pão de cada dia. Não tinha nem tempo pra jogatinas.
É jogo ou é trabalho?
Passado uns meses,
o chicote da vida amansou e cogitamos que a suspeita da transportadora estava sobre o material extra que quisemos levar e
não sobre os jogos. Fizemos uma nova tentativa, agora só com as duas caixas contendo os
board games. Dessa vez, sem entreveros,
elas foram de
busão.
Quem já viajou de ônibus sabe como as bagagens são “delicadamente” tratadas. Como os
nossos lindos e conservados joguinhos iriam como encomenda, imaginamos que eles teriam um tratamento diferenciado. Mas
não somos ingênuos também; teve muita vela acesa para que as coisas acontecessem da melhor maneira possível.
A retirada.
A encomenda chegaria numa
rodoviária com uma estrutura duvidosa para acomodar adequadamente duas caixas daquele tamanho. No mesmo dia que chegaram,
fomos buscar.
A primeira visão é
assustadora. As caixas estavam
bem surradas. A moça do atendimento disse que o motorista
nem a ajudou a descarregá-las do ônibus. Ela fez tudo (2x 200 L com 30 kg)
sozinha! Então, você pensa em como foi que aquilo tudo se moveu do estacionamento até o depósito.
O estado das caixas de mudança que carregaram os jogos quando aportaram em casa; elas era novas e inteiras. Tentamos colocar uma etiqueta “este lado para cima” e, claro, foi totalmente em vão.
Mas não para por aí! As duas caixas deveriam ir
de carro até em casa. Poderíamos jurar que caberiam no porta-malas.
Não couberam (erramos por pouco, diga-se). Curiosamente, foi possível colocá-las no banco de trás e no banco da frente (deitado). Pode rir da cena que você está imaginando, sem problemas.
Após isso, os jogos estavam na segunda casa nova. E apesar de os volumes terem sido
duramente maltratados no transporte, todo o esforço que você leu acima deu o resultado esperado:
tudo ficou bem, conforme eu disse lá no início do texto.
Aberto para conferência. A constatação de que os plásticos bolhas trabalharam bastante! A disposição dos jogos dentro das caixas também foi fundamental para o saldo positivo.
Após 1 ano inteiro, pudemos
voltar a jogar os nossos queridos joguinhos. E eles conheceram
os seus novos companheiros — porque não
somos de ferro e adquirimos meia dúzia enquanto a gente não investia tempo para os trazer.
Agora é paz. Jogatinas e paz.
Fontes das imagens: Arquivo Confidencial (ô, loko, bixo, essa fera aí, meu), Rede Mundial de Computadores (vulgo, internet), Ludopedia.