No segundo semestre de 2018 um novo jogo tomou de forma despercebida e sorrateira o Buzz e o Hype de todo Mundo do Boardgame. Root chegou despercebido, como quem não queria nada e passou a encabeçar a lista de Hotness do BGG. Virou queridinho dos canais especializados e teve toda sua tiragem inicial esgotada em cerca de 2 dias nas lojas de todo mundo. Do nada, ninguém conseguia esperar o novo reprint. E assim como Clans of Caledonia ano passado, esse jogo de uma pequena editora, virou o mercado de ponta cabeça e passou a valer um preço absurdo no mercado paralelo. Mas então, será que esse hype é justificado?
Bem, se você quer minha opinião rápida a resposta é: sim! Agora, se quer entender o por que, tenha paciência. Por que Root é um jogo tão genial que falar dele vai muito além do que comentar apenas de como um jogo funciona. Suas mecânicas e com o que ele se parece. Root precisa de explicação. Você precisa entender a história que está por trás do jogo e como tudo isso influencia muito sua experiência em jogá-lo.
Por isso, eu começo a explicar Root sempre contando sua história, pois, mesmo não sendo um jogador que se importa muito com o Lore, a história de Root simplesmente faz parte do jogo de uma forma muito integrada. Sem que para isso, você precise ler cartinhas que te envolvam. O jogo simplesmente faz isso naturalmente.
Bem, vamos então começar. Para quem não conhece, nunca ouviu falar, Root é um wargame simplificado, inspirado no modelo COIN (embora não utilize as mesmas mecânicas) que utiliza bichinhos fofinhos da floresta para contar uma história. Muita gente, ao tentar explicar Root, o rotula como controle de área assimétrico com gestão de mão. E embora essa afirmação não seja errada, ela está longe de ser correta. Isso por que em Root, não é o controle de área que importa em si, mas em conseguir levar sua raça a condição de vitória, ainda que isso signifique não controlar nada. Você não ganhar pontos controlando as clareiras do jogo.
Mas então, como funciona esse raio desse jogo? Bem, vamos focar na Contra Insurgência. Root é um jogo assimétrico, absolutamente lotado de exceções de regras onde cada uma de 4 facções está brigando pelo controle da floresta em uma corrida de 30 pontos que leva ao final do jogo. O jogo praticamente não tem nenhuma regra que é comum a todas facções, de forma que, para entender o jogo, você tem de entender as facções e suas histórias.

A floresta atualmente é dominada pela feroz tirania militar do Marquise de Cat. Os gatos dominam todas, menos uma clareira da Floresta e como um governo autoritário quer fazer o desenvolvimento da floresta a qualquer custo. E como ele faz isso? Cortando madeira da floresta e construindo prédios e trazendo progresso ao seu reinado. Eles precisam de controlar as clareiras para continuar construindo nelas de forma que o controle de área importa para si. Sua mecânica base se resume a recrutar, construir (3 tipos de prédio), mover e batalhar de forma simples, apenas com limites de fazer apenas 3 ações por rodada.
Espremido no canto oposto da floresta, está a Dinastia Eyrie representada pelos pássaros. Eles são a antiga elite da floresta. Dinastia tradicional e conservadora. Apegada a costumes e tradições, mas que foram empurrados para um cantinho pelos gatos e agora desejam retomar seu controle. Sua mecânica é a de ação planejada de forma cumulativa. Isso significa que a Dinastia Eyrie, a cada rodada escolhe uma ou duas ações para fazer, mas também é OBRIGADO, a conseguir fazer todas as ações que fizeram nos turnos anteriores. Eles são uma bola de neve. Começam com 3 ações no início do jogo e lá pelo 6o round estão fazendo 9 a 12 pois sempre adicionam algo ao seu decreto. As ações são parecidas com as do gato: recrutar, mover, batalhar e construir. Mas embora eles sejam uma bola de neve, lá pelo 6o round eles estão desesperados que não tem mais espaço para construir, que não tem mais onde batalhar e que não conseguem se mover para onde querem. E se não fizerem todas as ações definidas, sua Dinastia entra em colapso.
Os demais animais da florestas, representando todo o povo oprimido pela Dinastia dos Pássaros e Tirania dos Gatos, foram a Woodland Alliance. Eles querem a revolução e tomar o poder para o povo. Seus meeples são representados por Ratos, que mais parecem um pão de forma verde. Para se ter uma ideia do nível de assimetria do jogo, enquanto os gatos começam no setup com 11 das 12 clareiras dominadas e inúmeros soldados no tabuleiro, a Aliança começa com ZERO(foto do setup acima). Nadica de nada. No entanto eles tem 2 decks de carta. Um deles representa os animais militantes que apoiam a causa. A cada momento a Aliança pode gastar os seus militantes/apoiadores para ganhar a simpatia de uma clareira e colocar um token lá. Se houver simpatia e militantes suficientes, eles podem começar uma revolta, retirando da clareira todas as peças inimigas e estabelecendo dela uma base para operação militares. Só agora eles passam a ter 1 mísera peça no tabuleiro que pode então mover/recrutar/batalhar, mas o mais importante: essa peça pode se sacrificar para ir a clareiras próximas conseguir mais simpatizantes para sua causa.

E por último, o vagabundo. Ele joga um jogo a parte. Passeando pela floresta a fora, juntando itens aleatórios dentro de seus sacos como um bom Guaxinim. Ele observa a guerra e reage a ela, mas a maior parte do tempo ele está apenas interagindo com cada uma das raças trocando cartas por itens de outras pessoas e cumprindo missões em cada clareira. Ele observa a guerra de longe e não participa dela na maior parte do tempo.
E nesse jogo maluco, cheio de regras específicas, ganha quem fizer primeiro 30 pontos de vitória. Simples assim! Bem, por que então seria esse jogo genial?
Bem, primeiro por que, no meio de um jogo de recruta/move/batalha/constrói você nota uma ecossistema, uma história se desenvolvendo. Toda assimetria se encaixa no tema. Os gatos mataram os pássaros e agora os Ratos querem insurgir contra os gatos? O Guaxinim, um animal conhecido por vasculhar lixo e roubar peças como botas, capacetes, raquetes para seu ninho é o acumulador itinerante do jogo. A escolha desses animais não foi aleatória. Nem o fato do povo ganhar mais apoiadores toda vez que apanha de uma outra raça (você precisa dar uma carta para o deck de apoiadores quando atacar um token de simpatia popular da aliança). E aí você percebe que embora todas as raças fazem suas ações na fase do dia, a aliança, que simboliza a revolta popular utiliza a fase da noite para se movimentar, recrutar e combater. E tudo, absolutamente tudo no jogo parece conectado e fazer sentido.
A própria interação das raças. Como cada uma interage entre si. Como uma balanceira a outra. Como o Guaxinim faz tudo isso meio que de fora mas conectado a todos ao mesmo tempo podendo, as vezes, ser o fiel da balança. Tudo em Root funciona como um ecossistema natural que se espera encontrar em uma floresta. E aí, boom, você entende, como que um tema de bichinhos fofinhos na floresta está totalmente interligado com as escolhas deste wargame para muito além de uma mera escolha artística.
Em geral, os jogos COIN se passam em conflitos históricos militares com jogadores em papeis do Governo, do apoio dos Estados Unidos, de grupos paramilitares revolucionários, de exércitos da situação ou oposição, etc. Mas Root transformou isso em um jogo de animais onde essa inter-relação das facções formam o ecossistema que se espera de uma floresta ao mesmo tempo que transmite ainda a briga dos poderes contra insurgentes. Os gatos são o Governo atual bélico, os Pássaros a elite política tradicional que dominava a floresta, os ratos o povo e o guaxinim seria algo como o um turista/viajante nisso tudo, que tem que interagir e sobreviver nesta bagunça, mas meio que sem se meter muito nisso?
Cada passo, cada detalhe em Root é simplesmente genial e está lá por um motivo. E a cara fofinha e regras simplificadas (se comparado a um COIN) fazem com que as pessoas não se assustem ou evitem o jogo. O jogo é facilmente jogado em 1 hora e meia em 4 jogadores. Pode ser até menos se os jogadores forem rápidos ou eficientes nas suas jogadas.
E com uma assimetria absurda, basta você mudar de facção que irá sentir que está jogando um jogo completamente diferente do anterior. Na última semana eu cheguei ao absurdo de jogar Root 9 vezes em 8 dias. Cada experiência foi uma completamente diferente das demais. A cada jogo eu pensava em qual estratégia fazer para derrotar aquela facção na próxima partida. E aí, quando você começa a se acostumar e a ficar confortável com todas elas, vem a expansão Riverfolk e te recoloca na estaca zero.
Riverfolk
Quando tudo parecia que começava a fazer sentido, aí vem a expansão Riverfolk. Ela introduz 2 novas facções e um segundo vagabundo. Cada uma dessas novas facções tem adiciona uma outra interação que faz total sentido e é ao mesmo tempo caótica ao jogo. E isso faz com que você, não só precise aprender a jogar COM a nova facção, como também tem de aprender, como cada uma das facções básicas se interagem e aproveitam daquela facção nova. É genial!
Depois de quase dez partidas de Roots, bastava colocar uma facção com poder diferente que eu jogava como se fosse um noobie total.
O jogo ainda vem com uma Inteligência Artificial do Marquise de Cat para que você joguem o jogo de forma solo ou cooperativa (todos contra o governo) que eu ainda não consegui testar no meio desta jogatina toda.
Assimetria, Equilíbrio e Sorte
Root não é um jogo equilibrado. Ele nem tenta ser. Você precisa saber disso de forma que a interação do jogo é o que dá a chance de todos ganharem com qualquer uma das raças. O autor do jogo, sugere que o Vagabond é um pouco roubado. No entanto, nos jogos que joguei, a Aliança esteve muito forte. Quase sempre venceu ou bateu na trave e até agora estamos pensando em táticas para para-la no próximo jogo. Se cada pessoa jogar Root como um um controle assimétrico de área padrão, apenas otimizando os poderes da sua facção, provavelmente as melhores fações vão vencer. E o jogo conta com que você eventualmente descubra isso para que o jogo se equilibre, pois assim você vai deixar a facção mais fraca de lado, ou se unir a ela, enquanto vai marcar mais as melhores facções.
O jogo também não é determinístico nas decisões. Ou seja, as batalhas dependem de dados. As ações dependem de carta. E embora nenhum dos dois costume ser o fator determinante da vitória ou da derrota, o jogo tem sim um fator aleatoriedade grande que ele espera que você seja capaz de ajustar. E se um jogador está só tirando carta boa, talvez a mesa bata se junte e bata nele para contrabalancear isso.
E por mais que o combate se resolva em uma rolagem de dados, ele é simples e até previsível. Isso por que os hits dos dados são limitados ao número de guerreiros que você tem no local.
E isso é importante dizer. Pois mesmo sendo um jogo genial, você tem que saber que esse é um fato relevante e que isso não agrada a muita gente.
Conclusão final
Root é um jogo estranho, pois introduz muitas coisas que só é conhecida por jogadores de nicho (wargamers e COIN GMT) ao mesmo tempo que traz isso de forma simples e palatável o suficiente para que você não estranhe tanto o jogo. É engraçado como você precisa de fato conhecê-lo para entender por que ele é tão diferente.
É um jogo que também tem uma variabilidade e caos eterno. A cada nova partida uma nova situação pode te colocar em um cenário diferente que você sequer havia pensado nisso antes. Por exemplo: eu sempre joguei o jogo em contagem alta (4+ jogadores). Aí, de repente, eu resolvi jogar em 3, sem o Marquise, e o mapa simplesmente ficou vazio. O jogo começava com 1 clareira com 6 pássaros, 1 vagabundo no meio da floresta e só! A gente se olhava e pensava: caraca, como vai ser esse jogo? Toda aquela interação que você já tinha acostumado a jogar, simplesmente foi pro beleléu. Você tem que repensar de novo do zero e talvez jogar 3/4 partidas dessa forma para se sentir confortável de como agir com cada facção nesta situação. E quando tudo já tiver confortável, você vira o mapa de lado e joga do lado do inverno, com clareiras setadas aleatoriamente e recomeça o caos novamente! Gente, nem sei se esse dia vai chegar pra mim.
E arte!!!! Que arte! O jogo tem um design gráfico que beira a perfeição. A caixa básica é exatamente do tamanho que ela precisava ser. Cabe tudo certinho sem amontoar ao mesmo tempo que não sobra nada. Os meeples de animais são caprichosos. As cartas e o tabuleiro são um primor. Já na expansão, acho que eles deram uma viajada includindo 5 Card Holders de madeira que é tipo, whatafuck??? Só servem pra pesar mais a caixa e encarecer o produto.
Mas ao mesmo tempo, por mais que eu admire o design do jogo, eu não acho que foi o melhor ou mais divertido jogo que eu joguei no ano. Ou aquele que eu mais quero jogar de novo. Daria esse título ao Brass e Feudum creio eu. Mas de novo, mesmo sem ter a obrigação de fazer, eu passei a semana andando com Root debaixo do braço, todos os dias, como um Pastor, levando a palavra da Assimetria na porta de cada casa. E no final de cada partida eu tinha a curiosidade, o desejo ou o desafio de jogar de novo para tentar algo diferente dessa vez e ver como o jogo se comporta. Até o modo Cooperativo, que eu sempre ignorei em qualquer jogo eu quis testar para ver como é.
Não sei quando essa curiosidade vai acabar. Não sei se vou terminar o ano com as mesmas 9 partidas de Root ou se com 30. Mas definitivamente o jogo para mim foi um achado e algo que constantemente desperta meu fascínio.