Post Sem Spoiler, mas posso dar informações normais que você terá no setup do jogo.
AVISO: O POST TEM UMA ATUALIZAÇÃO APÓS FINAL DA CAMPANHA NO FINAL DELE
No post sobre os jogos que mais me chamaram a atenção na GenCon 2018, eu apontei Detective: A Modern Crime Board Game como o número 1 da lista. Não é à toa então, que, assim que um amigo voltou dos EUA com o jogo debaixo do braço, corremos para marcar a 1ª partida E é a impressão dela que venho colocar aqui.
O jogo é de dedução. Uma certa mistura de elementos de T.I.M.E. Stories com Sherlock Holmes Consulting Detective. Todos fazemos parte de uma agência de investigação chamada Antares que tem contatos na polícia e FBI para fazer algumas investigações. Na caixa base, 5 casos estão disponíveis para serem resolvidos e um 6º já foi lançado no site para print and play, podendo ser jogaado separadamente ou tutorial.
Os casos são apresentados em cartas (35 por caso) e você tem tempo para resolvê-los. Mas não é tempo real, é unidade de tempo(como em T.I.M.E. Stories), que você gasta para deslocar, ler certas cartas, interrogar alguém ou ler certos relatórios. Cada dia dos investigadores tem 8 horas úteis, podendo você, decidir trabalhar mais utilizando-se de Tokens de stress que descontam a pontuação final.
A dinâmica do jogo é MUUUUITO imersiva, como eu nunca tinha visto antes. Uma das coisas mais legais aqui é que os designers desenvolveram um site com o Banco de Dados de toda Antares. Ali você pode pesquisar a ficha criminal dos suspeitos que você encontra no caminho, pode rodar impressões digitais encontradas contra outras que já estão no Banco de Dados, pode ler relatórios antigos ou ver interrogatórios dos personagens. É aqui que o jogo ganha em muito de Sherlock Holmes. Essa mecânica funciona muito melhor do que ir utilizando um livro e ir pulando de dica A para dica B.
Outra coisa muito legal do jogo é sua integração com a vida real. Por exemplo o caso 1 é o Caso do Relógio de Ouro. Neles, você tem que descobrir como um relógio de um pianista polonês judeu, roubado por nazistas, foi parar em uma casa de leilão nos EUA. Não se preocupe com spoilers. Esse é o plot inicial do Caso e é apresentado antes do início da partida. Durante o caso você pode vir a se deparar com locais, operações de guerra, armas etc que você não conhece, mas pode utilizar o Google para descobrir mais informações. Todo o entorno do jogo é baseado em situações reais, ainda que o caso propriamente não seja.
Mas você também não precisa googlar tudo. O jogo te avisa com um sinal de Wifi o que é mais relevante. E quando você, ao entrar no Google pega uma informação que consegue conectar com o caso, além da ambientação, é muito legal. Você se sente investigando de verdade. Vou dizer que nunca joguei um jogo com nível nem parecido de imersão como o Detective.
E o fato de já vir, na caixa base, 5 casos (e tendo um 6º grátis no site) já faz dele um custo benefício bem superior ao T.I.M.E. Stories na minha opinião. Além de ser bem mais barato também.
Mas não ache que você precisa escolher um ou outro. Apesar das semelhanças, os jogos são diferentes. T.I.M.E. Stories tem uma pegada maior de imersão de RPG. Você vai num local, visualiza a cena (e isso funciona melhor do que em Detective), faz uma escolha e ela pode levar você a realizar testes, em geral com rolagem de dados, ou as vezes com pagamento de algo. Em Detective não. Não há testes a se realizar, apenas escolhas que te levam a informações. Essas informações podem ser úteis ou não. Não há dados no jogo, ou se há, ainda não descobri.
Além disso, T.I.M.E. Stories tem um final mais fechado. Você fez, terminou, venceu ou perdeu. Já Detective não. No final do jogo, você não sabe se descobriu ou não. Você volta ao site que irá, então, lhe dizer.
Cada caso tem condições de jogos variados. O primeiro caso precisa ser resolvido em 4 dias. Com o fim do tempo ou atingindo o limite máximo de stress permitido, o jogo acaba e você precisa fazer um relatório final para a agência. Neste report você tem uma série de perguntas de múltiplas escolhas para responder(e acho que elas não são iguais sempre). Elas têm 3 opções mais uma 4ª de "não sei". Errar dá pontuação negativa. "Não sei" só não pontua. E cada resposta certa leva a uma pontuação que pode levar você a concluir ou falhar na investigação. Aviso que falhei na minha primeira.
Você então pode decidir Resetar para jogar de novo ou Fechar o Caso e ver as respostas. Acho que não faz sentido jogar de novo pois a ideia é justamente que você não consegue ver tudo, e depois, parece meio roubado e meio chato/repetitivo, mas bem, cada um sabe o que faz.
A ideia central de Detective, é de fazer escolhas dentro do tempo que você tem. Se uma pista de leva a um objeto, você quer ir no laboratório fazer um exame de digitais ou DNA no objeto ou acha que não é importante essa pista e quer seguir em frente para outra pista? Tempo é seu mais precioso recurso e você precisa escolher sabiamente como utilizá-lo.
Achei o jogo simplesmente PERFEITO para jogar em família, com pessoas que não são necessariamente gamers. O clima é muito legal. Aqui em casa eu coloquei a trilha sonora de Darkside Detective do Ben Puntry para dar um clima mais legal.
Como nem tudo é perfeito, o jogo tem alguns poucos poréns. O primeiro, óbvio, é que é em inglês e muito dependente de texto. Sério, é muito texto. O jogo faz uma questão enorme em ambientar você a cada local. Quando você chega, por exemplo, no laboratório, ele faz questão de dizer como é o prédio, como você entrou, o que te falaram ao mostrar o distintivo ou pedir um resultado X etc. Nesse ponto, o T.I.M.E. Stories dá de 10 a 0. O esquema de você ter as cartas de localização formando um mosaico que demonstra o local que você está é imbatível. Economiza texto, tempo e melhora a imersão do local. Isso inclusive é o ponto onde eu acho que o jogo vai perder muita gente. Essa ambientação nem sempre é necessária e muitas vezes repetitiva e se te fizer perder a paciência você vai começar a sair do clima do jogo.
Isso aliás seria um dos grande problemas do jogo. É tanto texto, tanta coisa para ler, que leva a dispersão ou a demora. Eu por exemplo não consigo ouvir uma pessoa lendo uma carta mantendo minha atenção. Na metade da leitura eu estou pensando se quero café, chocolate ou quanto será que está o jogo do Vasco. Eu preciso, eu mesmo, ler a carta. E se todos forem como eu, o jogo vai durar eternamente.
Outra questão é a vontade de querer anotar tudo. Sério, o jogo tem muita informação. Você tem vontade de anotar absolutamente tudo para não perder nada e isso tem 2 problemas: (1) o tempo de jogo pode aumentar consideravelmente se forem transcrever quase tudo no papel. Em geral é para jogar cada caso em 3h a 4h o que já é um tempo grande; (2) é tanta anotação, tanto nome, tanta coisa, que depois você se perde de onde está o que.
Um outro problema pode ser a decepção com o quão aberto é a história em si. Em geral, a gente fica esperando descobrir algum plot twist misterioso e improvável que vai ligar tudo nos mínimos detalhes de forma surpreendente. O jogo não é assim. Ele tende a ser realista, o que pode ser bom ou ruim. Bom por que dá uma sensação real ao jogo. Ruim, por que as vezes você acha que termina o caso com muita coisa em aberto ainda.
Outro cuidado é garantir que todos estão o tempo todo focados no jogo evitando distrações. Garanta que o povo já comeu, não tem ninguém com pressa para ir embora ou outro compromisso depois. Aqui tivemos que parar para almoçar e isso deu uma quebrada boa no jogo. Ele acabou se alongando demais, deu sono pós comida e no final, eu mesmo estava um pouco impaciente para acabar enquanto outros queriam rever tudo antes do relatório final. E isso definitivamente atrapalhou minha experiência.
Mas apesar disso, novavelmente foi a melhor experiência de role playing que eu tive em um jogo e estou ávido para jogar a próxima partida. Foi uma das poucas vezes que eu me senti fazendo role playing por que jogar o jogo me fazia sentido assim, e não por que eu estava INTERPRETANDO um papel, que é a coisa que eu mais odeio em role playing games. E a conexão com a vida real me ajuda ainda mais a me ambientar e dar importância e sentido a tudo. Não estou num mundo de zumbis ou monstros. Estou no mundo real, resolvendo algo que teve relação a algo que realmente aconteceu, ainda que a história do caso seja fictícia dentro de um ambiente real. E embora não seja legacy, os casos podem se cruzar em suspeitos, testemunhas ou informantes, como se espera mesmo em um caso real.
Mas bem, nada disso deveria te impedir de jogar esse jogo caso o idioma não seja problema. Se você curte Adventure Games como T.I.M.E. Stories ou jogos de Dedução como Unlock ou Sherlock Holmes Consulting Detective, esse jogo é a evolução de todos eles. Com mais história e um preço melhor na caixa básica, acaba sendo Imperdível. É daqueles jogos que eu nem terminei e já estou triste que vai acabar. É um jogo que não faz sentido jogar de novo, mas que eu queria TER, mesmo já estando jogando o de um amigo. Simplesmente por que eu quero mostrar para as pessoas que algo assim existe!
As últimas dicas, são: (1) ver o
vídeo do Watch it Play sobre as regras pois ele tira algumas dúvidas embora até agora eu ainda não sei direito o que devo fazer com as impressões digitais no jogo; e (2) parece que 3 é o número ideal de pessoas e com 5 alguém pode ficar meio de fora de tudo. Ah, e se tiver 2 monitores ou 2 computadores para que todos da mesa acompanhem o que está rolando no site da Antares, ajuda também! E de resto, bom jogo!
ATUALIZAÇÃO JANEIRO 2019 - APÓS FINAL DA CAMPANHA
Após 6 partidas da campanha de Detective (jogamos 2x o Caso número 2, o que eu não recomendo fazer mesmo caso percam feio como a gente) eu estou simplesmente maravilhado de como o jogo cresce a partir do Caso 3 em diante. A tensão da história fica imperdível. Foi para mim como ler um livro ou série de suspense, eu acabava a partida PRECISANDO saber o que ia acontecer na próxima.
Acontece 2 coisas no jogo que cresce DEMAIS a experiência. A primeira é a redução considerável dos textos prolixos. Se no caso 2 já há um pouco menos, do 3 em diante a ambientação existe mas ela não é demasiadamente extensa nem repetitiva. Além disso, a quebra da 4a parede, onde você começa a passar 80% do tempo de jogo vasculhando suas anotações, fichas dos suspeitos tentando desenhar uma linha de investigação que te direcione a algum lugar ou pista é bom demais. O jogo consegue passar muito o feeling de SOU UM DETETIVE, estou INVESTIGANDO algo. Me senti demais dentro de um filme de investigação tipo True Detective temporada 1 sabe. Você passa a usar o Google Maps para ver os caminhos feitos, quais prédios tem por perto, o que pode lhe dar alguma dica.
Além disso há uma tensão sinistra de corrida contra o tempo. Um desespero constante, que muitas vezes fazia eu dizer: "PARA TUDO! Vamos construir uma linha de pensamento e só seguimos depois que tivermos algo que faça o mínimo de sentido para nós. Aí, tentaremos comprovar ou não isso". E voltamos a vasculhar papeis, procurar por datas parecidas, características pessoais parecidas, eventos parecidos que pudessem levar a alguma desconfiança.
Detective foi definitivamente o jogo mais relevante que joguei em 2018. O que mais me marcou! O que mais me deixou com uma sensação de UAU. O que eu mais queria falar para todo mundo, em cada esquina, o quão foda o jogo é e por que você TEM que jogá-lo.
Talvez o 4o lugar no Best 9 tenha sido baixo demais para ele. Tenho pena de colocá-lo no lugar de Brass, mas depois, talvez em 2o, ele deveria estar.