Depois de um mês de férias (do blog, do trabalho, da vida) voltamos com nossa programação normal falando de Rajas of the Ganges um jogo que foi sucesso em Essen e chega agora no Brasil.
Há algum tempo eu admiro bastante o casal Inka e Markus Brandt e sua capacidade de fazer jogos dos mais diferentes estilos. Os caras fizeram: Village, Murano, La Boca, Exit; estão trabalhando em um euro legacy chamado Queensdale; e ainda têm uma porrada de outros jogos infantis (e não infantis) que você provavelmente nunca nem ouviu falar.
Mas apesar de ter curtido todos os jogos do casal que joguei, nenhum faz parte da minha coleção atualmente. Verdade seja dita, Exit me encantou e mudou minha visão dos jogos experiência, como já foi dito neste blog. Mas como é um Escape Room Legacy, no final da partida ele foi para o lixo.
Também já tive Murano, joguei uma vez, curti, mas depois de 6 meses sem jogá-lo novamente, ele saiu num dos últimos leilões. Então o que me faz gostar tanto desses 2 designers e não manter jogos deles na coleção?
Bem, primeiro que coleções não são necessariamente rankings pessoais. Você tem de levar em consideração espaço físico, disponibilidade financeira e oportunidade de compra de cada um. Além disso, há também o fato “o que meu grupo tem/joga”. Mas Rajas of the Ganges é um dos poucos jogos ainda fora da coleção que me desafia a quebrar minhas próprias regras.
Uma ótima qualidade do casal Brandt é terem jogos extremamente redondos. Parece que foi tudo muito bem testado para entrar ali. E mesmo sem inovar completamente, os jogos deles sempre têm algo que foge do comum para apresentar. Com isso, é gostoso jogar. Village é um dos jogos mais gostosinhos que já joguei. A ideia do ciclo da vida das pessoas e o fato deles morrerem e ter diferente gerações é fantástico. O jogo é de estratégia excepcional? Me desafia a outro nível? Não! Mas é divertido pra caramba. E não é diversão que buscamos nesse hobby?
Murano também introduz uma coisa bem legal que é: você não é nenhum dos barquinhos de Veneza no jogo. Você joga mexendo com eles, mas não há meeples ou peões da sua cor ali. Todo mundo joga com os mesmos barcos, um influenciando na ação do outro.
E aí veio Rajas of the Ganges. E o que esse jogo introduz de novo? Não muita coisa, mas o bastante para se destacar e principalmente, ser divertido.
Rajas of the Ganges é, de uma forma simplista, uma Alocação de Dados. Venho dizer aqui que adoro Alocação de Dados. Bora Bora, do Feld, figura facilmente no meu Top 5 e de lá não sairá tão cedo. Ganges não é um jogo do mesmo estilo. É muito menos Queima Mufa embora até agora, após 3 partidas, eu ainda tenha desempenho melhor em Bora Bora do que em Ganges.
Mas o jogo não é uma Alocação de Dados propriamente dita. Digo isso no sentido que o Dado é mais um recurso do que um trabalhador. Veja, no jogo há trabalhadores e você precisa alocá-los nos espaços para fazer as ações, mas para fazê-las você também gasta dados.
Quem já jogou Troyes talvez entenda melhor o que eu quero dizer. Em Troyes os dados são meio que recursos para ativar uma carta, que você precisa já ter o trabalhador lá para utilizá-la. Mas Ganges não é exatamente como Troyes. Ele mistura um pouco da alocação clássica com a visão do Dado Recurso. Vou tentar explicar melhor.
Você começa o jogo com 3 trabalhadores e há outros 3 que você pode conseguir durante o jogo. Eles limitam o número de ações que você pode fazer em cada rodada. Você aloca normalmente os trabalhadores no local e faz a ação. Isso parece um jogo normal, como vários outros.
Os dados são recursos. Eles não são seus por direito. Não são da sua cor. Não voltam para você no final do round. Você precisa pagar valores de dados para fazer a maioria das ações, mas para isso você precisa ganhá-los de alguma forma. Uma delas inclusive, é um local de alocação do trabalhador. Você vai lá e ganha 1 dado. Rola ele na hora e vê o valor que lá está. Ele então passa a ser seu até utilizar.
Até aí, o jogo introduz o mesmo de forma diferente sem ser fantástico mas sem cair mesmice de sempre. Já é um ponto positivo para Rajas of the Ganges. Mas tem um outro fator que para mim é o que diferencia este jogo dos demais euros de alocação: a trilha da vitória.
O jogo tem não 1, mas 2 trilhas de pontos: uma de fama e outra de dinheiro. Ambas começam no mesmo lugar, mas crescem em sentidos opostos: uma horária e outra anti-horária. Ganha o jogo não quem fizer mais pontos simplesmente, mas quem conseguir cruzar o marcador de uma trilha com o da outra.
Com isso você pode fazer a volta completa no tabuleiro com a fama, com o dinheiro ou com um pouquinho de cada um. Basta encontrar ou cruzar seus marcadores para vencer o jogo. E isso funciona de uma maneira muito bacana, dando diferentes estratégias para as pessoas.
Outra coisa bacana do jogo é o Rio, uma trilha de bônus que você anda para ganhar recursos, dados, fama, dinheiro etc. Ela me lembra bem a trilha do Great Western Trail pois cada passo é ótimo para você no caminho, mas se você quiser parar em todos pontos do caminho você não vai ter tempo de chegar no final onde estão os melhores benefícios de final de jogo.
E por último, uma coisa que deixa Ganges bem divertido, principalmente para públicos com mais sangue no olho, é o block reduzido. O bloqueio de ações de outros jogadores é uma característica de vários, senão todos, jogos de alocação de trabalhador. No caso de Ganjes o bloqueio existe, mas não é em todas as ações. Em muitas delas, fica apenas mais caro para os demais jogadores fazê-las. Ou seja, há um benefício de fazê-la logo mas não há, na maioria das vezes, desespero em perder algo de cara.
Apesar de tudo isso e um pouco, por causa disso, Rajas me desafia a ter um lugar na minha coleção embora ainda não tenha. Por que eu deixo de fora um jogo que acho tão bom?
Bem, como falei, coleções não são ranking, mas uma junção de diversos fatores de compra que envolvem preço, promoção, espaço e principalmente... grupo. Meu grupo unido deve ter cerca de 600 títulos diferentes, talvez mais. Sem contar que a maior parte das vezes eu jogo em eventos ou lojas onde outros títulos estão disponíveis.
Por isso eu tomei uma decisão pessoal de ter comigo, apenas os jogos que AMO. Jogos que gosto podem ficar na coleção dos amigos. Penso assim, se um grupo vier aqui em casa e quisermos jogar uma alocação de trabalhadores, vai ser melhor do que Russian Railroads, Bruxelles ou outros que tenho? Se quisermos um euro com dados, será melhor que Bora Bora, Troyes ou Burgundy? Para entrar na coleção a resposta tem que ser SIM e um dos que já estão terá de sair, pois jogamos tantos jogos variados que é difícil um jogo que eu não sinta NECESSIDADE CONSTANTE de jogá-lo ver mesa na minha coleção.
Mas mesmo assim, como eu disse, Ganges me desafia a comprá-lo. Desafia por que é gostoso, divertido e rápido. Talvez não tenha tanta variação estratégica que me faça querer jogar 10, 20 partidas deles sem enjoar. Mas com jogadores experientes roda em cerca de 1h30 minutos em mesa com 4, todos curtem e tem um equilíbrio certo entre desafio intelectual e simplicidade/diversão para quem joga.
Ganges é um jogo para quem quer um euro médio, muito divertido e curte euros com dados e alocação. Desses, provavelmente é o melhor lançado no mercado brasileiro até agora, considerando que Bora Bora e Troyes não foram lançados por aqui até então. O sucesso em Essen não foi a toa. Ele ultrapassa a barreira da mesmice e entrega coisas diferentes dentro do estilo. Mais um ponto para Inka e Markus Brandt!