Olá!
Eu sou o Davi e você esta no Análise Escrita.
Começo esse texto com um agradecimento!
Estou na final do prêmio Ludopedia na categoria Mídia Escrita!
Fico muito feliz em saber que meus textos tem atingido um número relevante de pessoas, particularmente acho muito prazeroso escrever e acho ainda mais prazeroso quando sei que alguém esta lendo o que escrevo.
A você que me ajudou a chegar a final do prêmio seja votando, interagindo ou apenas lendo meus textos, meu muito obrigado!
Hoje vamos falar de Política.
-Caramba, o canal tava tão bom, o cara foi botar política no meio.
Calma meu jovem!
Não vamos balançar bandeirinha, não vamos manifestar lado político, não vamos fazer nada disso.
Vamos falar de política, mas vamos falar também de economia, vamos falar de cadeias logísticas, vamos falar de produção, e hoje vamos falar um pouco de mim!
Falo muito pouco sobre mim, pois no fundo não me julgo alguém interessante, pelo contrário, sou uma pessoa bem comum.
O que sabem sobre a minha pessoa?
Provavelmente quem acompanha o canal sabe que eu cozinho, que eu adoro pães, sabe que eu amo realismo fantástico, sabe que eu vou ser pai.
Mas hoje vou trazer algumas experiências profissionais para embasar (ou tentar embasar) minimamente os pontos que levantarei no texto.
Primeiro, falarei um pouco das minhas formações. Estudei a nível superior: Educação Física, Logística, e Pedagogia, também me pós graduei em Educação Especial.
Trabalho hoje na área da Educação, mais precisamente estou na secretaria de educação do meu município, na coordenação da Merenda Escolar.
Mas o foco hoje será a área relacionada a minha segunda formação, o foco será a Logística.
A Logística esta presente em tudo no nosso dia.
Tudo que chega até você não vem por teletransporte, e a maioria das coisas não foi produzida exclusivamente em sua cidade.
Um exemplo prático do que compramos na nossa merenda: A carne vem do RS do MT e do MS, o porco e frango de SC, o trigo da Argentina, as Maçãs da Argentina e do Chile, os ovos e hortaliças do Interior de SP, alguns legumes de Minas Gerais, o abacaxi do Nordeste e por ai vai.
No fim tudo é comprado e distribuído por empresas regionais, mas exige um planejamento muito bem feito para chegar onde é necessário e quando é necessário.
A Logística e as cadeias globais de suprimentos NUNCA estiveram tão no centro de alguma discussão quanto nos últimos dias.
Por mais que você leitor não acompanhe um noticiário, dificilmente você passou incólume pela maré de informações relacionadas a onda de tarifas promovidas pelo governo Estadunidense nessa semana.

"Vermelho foi a cor da moda nos mercados essa semana"
- Mas Davi, eu sou apolítico.
Você pensa que é totalmente apolítico meu amigo, mas no fundo você não é.
Já dizia Aristóteles: "O ser humano é um animal Político".
Se você negocia um desconto em uma loja, você esta sendo político.
Argumenta em uma discussão? Politico.
Todo ser que goza dos mesmos direitos e deveres é um ser político meu amigo.
Você pode não gostar disso, mas sim: você vive a política diariamente em sua vida.
Talvez alguns a vivam mais intensamente que outros, mas todos em algum grau vivem e exercem a política dia a dia.
Tomar uma decisão baseada em um benefício, negociar, argumentar e contra argumentar, tudo isso é política pura.
E muitas decisões foram tomadas essa semana.
Algumas terão reflexos por muito tempo.
As cadeias logísticas globais são frágeis, elas são extremamente dependentes das políticas locais e globais.
O equilíbrio do sistema logístico e financeiro global é basicamente um malabarista em uma corda bamba, em uma mão esse malabarista leva uma faca na outra uma cobra e embaixo dele há um tanque com piranhas.
O malabarista não quer cair e os espectadores também não querem que ele caia.
Vou exemplificar contando uma experiência muito divertida que vivi quando ainda era um estagiário.
A muito tempo atrás, quando meu cabelo era mais farto e minha barriga mais comedida, fui estagiário em uma multinacional do ramo de vidros automotivos.

"Mais ou menos isso..."
Uma grande fábrica Inglesa que mantém filiais no mundo todo.
A maior das filiais da América Latina esta aqui no interior de São Paulo, foi nessa filial que trabalhei, mais precisamente no setor de Planejamento e Logística.
Pois bem, nessa época a Argentina vivia uma grande turbulência política e econômica (Mas que novidade, não?).
Políticas monetárias e cambiais equivocadas, aliadas a um protecionismo fortíssimo, basicamente impediam que a indústria nacional sobrevivesse de forma minimamente organizada.
A solução encontrada pela matriz? Os fornecedores passaram a enviar tudo que iria para Argentina, para a fábrica de Caçapava, e de lá era feito o desembaraço aduaneiro e era enviado para Argentina.
Ao invés da filial Argentina lidar com centenas de fornecedores, ela lidava apenas com uma transferência entre filiais.
Tudo corria bem, até que um fornecedor cometeu um pequeno erro.
Ele deveria nos enviar dois pacotes de borrachinhas para um vidro de uma montadora específica.
Borrachas de lado esquerdo e borrachas de lado direito, as etiquetas estavam corretas, mas o conteúdo da embalagem não.
Ele nos enviou duas embalagens de borrachas de lado direito, e esse erro só foi percebido em Buenos Aires.
A Solução?
A forma mais rápida de corrigir o erro era enviar alguém para substituir as borrachas, caso contrário a linha de montagem pararia ainda na madrugada.
E adivinhem para quem sobrou a tarefa de fazer um bate e volta para Buenos Aires?
Lá fui eu , um estagiário, resolver um pepino logístico no maior estilo office boy internacional.
Achei um barato, quando somos jovens topamos qualquer parada não é?

"No Aeroporto de madrugada para levar um saco de borrachinhas de 50 reais..."
Usei essa pequena experiência que tive para exemplificar o quão frágil pode ser uma cadeia logística e o quão dependente ela pode estar das políticas adotadas por governos Regionais.
Basicamente, se não fossem pelas políticas Argentinas nunca seria necessário fazer uma transferência entre filiais, a fábrica poderia operar de forma autônoma naquele país.
Mas se atente que aqui citei a Argentina, um país relativamente pequeno, com uma indústria ainda fortemente ligada ao extrativismo e produção agrícola e com relativa baixa relevância no cenário mundial.
O buraco agora é mais embaixo, estamos falando da maior economia Global (ainda que em forte decadência, permanece sendo a maior economia global).
O cenário das novas tarifas promete redesenhar as ordens de poder e bagunçar totalmente as cadeias globais de suprimentos.
O exemplo que dei acima, pode se tornar uma realidade, mas ao invés de transferirmos insumos para filiais Argentinas, podemos nos ver fazendo o mesmo por filiais americanas.
Darei outro exemplo: Madagáscar.
Madagáscar tem como seu principal produto de exportação a Baunilha.
A ilha foi taxada em 48%.
É possível que muita dessa baunilha acabe encalhando em outros mercados mundiais e que consequentemente venha a ser reexportada aos Estados Unidos por algum país que tenha sofrido menor tributação, como a Inglaterra ou o próprio Brasil (que sofreu com "apenas" 10%).
Talvez esse item tenha que ser nacionalizado de alguma forma, mas ai já são outros estudos.
No final, quem paga a mais é o consumidor Americano.
As mercadorias não vão deixar de chegar lá, mas vão chegar mais caras.
A solução apontada pelo governo, de que quem quer se evadir das tarifas que produza em solo americano, basicamente não se sustenta, não vai acontecer, foi dada uma solução muito simples a um problema muito complexo, que envolve desde a transformação da industrial local até a questão da mão de obra, converse com um Americano médio e veja o tipo de emprego que ele esta sujeito a aceitar.
A Industria Americana foi moldada ao longo de várias décadas para produzir itens de alto valor agregado.
As fábricas Americanas que produzem produtos de baixo valor agregado, como embalagens plásticas ou de papelão por exemplo é pequena e de características muito semelhantes a Brasileira.
Não são grandes players mundiais, são apenas industrias feitas para suprir o mercado local.
E como isso afeta o nosso hobby?
Bem, nosso hobby é basicamente feito de caixas de papelão, baralhos, dados de plástico, peões de madeira.
Tudo isso é barato, são produtos de baixo valor agregado que juntos formam um item mais caro, e em geral são produzidos em gráficas industriais na China ou em outros cantos da Ásia.
Poucas empresas fora de lá tem conseguem produzir um jogo com uma tiragem baixa de forma competitiva e com qualidade, e sim 20000 cópias de um jogo é uma tiragem baixa.
É ingenuidade de nossa parte acreditar que as tarifas não vão nos afetar.
- Ah, mas o jogo vai vir direto da China para cá.
Meus amigos, somos um mercado pequeno, muito pequeno talvez. As grandes editoras estão lá fora e se essas editoras não criam, as nossas não tem o que importar.
As nossas maiores editoras nacionais, basicamente só vivem do que foi criado lá fora, poucos são os jogos nacionais que ocupam certa relevância no nosso mercado atualmente.
Inclusive, palmas para os desenvolvedores de World Wonders, vocês alcançaram algo muito significante.
A outro fator a ser levado em conta, os EUA ainda ditam tendências.
O que faz sucesso no mercado Americano, sejam jogos, sejam filmes e séries, sejam livros, ainda é adotado como padrão por outros mercados, cito como exemplo a preocupação da Nintendo.
As vésperas do lançamento do Switch 2, temendo as taxações dos EUA contra a China, ela transferiu grande parte da sua capacidade de produção para o Camboja e Vietnã.
Bem, o Camboja e o Vietnã foram taxados de forma ainda mais brutal que a China...
O Switch 2 deve ser o videogame mais caro da nintendo nos últimos 30 anos, e consequentemente isso pode levar a uma procura menor no mercado americano, acarretando em vendas fracas em outros mercados.
Maiores taxas por parte dos Americanos podem acarretar a seguinte dinâmica no mercado de jogos na minha opinião:
1. Mercado Americano de jogos freia a quantidade de lançamentos.
2.Consumidores focam apenas em jogos que sabem que são bons, o que desestimula pequenas editoras fora do radar e também impede que grandes editoras apostem em títulos que podem não vingar (Um jogo "floopar" basicamente não será mais uma opção, o jogo vai precisar ser vendido a "preço cheio" para justificar sua produção).
Dai podemos ver maiores apostas em franquias já consagradas, quem sabe não role um Catan em marte ou um Insetospan?
3. A consequente baixa em lançamentos lá fora, vai trazer um efeito cascata nos demais mercados menores.
4. KS e Financiamentos coletivos devem crescer, apelando para a famosa produção puxada e transferindo o ônus a quem pode e quer pagar pelo produto. ( O conceito de produção puxada e empurrada é muito simples: produção puxada é aquela feita sob demanda do cliente, por exemplo um sofá sob medida, já produção empurrada é aquela feita sem a demanda do cliente, na expectativa de que o produto seja vendido, como exemplo cito a Coca Cola).
Nos financiamentos coletivos é que haverá espaço para as novas ideias, mas você leitor já deve saber o quão caro e o quão predatório é esse mercado de KS para nós reles mortais.

"Na empurrada: produza tudo que é possível / na Puxada: produza conforme demanda"
5. Um crescimento da indústria nacional de jogos no Brasil e em outros mercados menores, inclusive com mais lançamentos regionais e até jogos mais simples.
Cito novamente a Argentina:
Em viagens anteriores, notei o quão difícil era achar um jogo importado em Buenos Aires.
Os jogos nacionais eram compostos basicamente de cartas pois era o que dava para produzir nacionalmente, e os importados era poucos e caríssimos pois eram comprados fora do país em Dólares.
Basicamente era um mercado de jogos ainda mais elitista que o nosso, mas com espaço para lançamentos regionais de baixo custo e baixa complexidade (Alguns jogos Argentinos são excelentes aliás).
Finalizo argumentando que creio que a semana que passou foi histórica.
Foi histórica pois mesmo que essas tarifas sejam revogadas ainda hoje, a crença mundial nos EUA como um parceiro comercial confiável caiu por terra.
Aliados históricos foram tratados como oponentes, e oponentes históricos (cito: Japão, Coréia do Sul e China por exemplo) sinalizam que responderam de forma madura e em bloco a essas taxações.
O discurso rapidamente mudou de: "As tarifas vão nos trazer benefícios imediatos" para "Aguentem firme".
Me recordei um pouco de "O príncipe " de Maquiavel, um livro antigo porém atemporal.
Além do conceito de "Virtù", essa obra nos brinda com outras ideias muito interessantes, particularmente fiquei a semana toda com essa na cabeça: " O príncipe deve ter o povo ao seu lado todo o tempo, pois isso é segurança e garantia de poder".
Poderia me alongar por horas falando sobre esse assunto que eu julgo interessantíssimo, mas creio que já estou me excedendo em número de linhas, portanto deixo a vocês meus amigos a discussão nos comentários.
Embasando tudo que eu disse, leia o excelente texto da Stonemaier Games, responsável por nomes de peso como Wingspan e Viticulture, leia também as manifestações de outras editoras Americanas.
https://stonemaiergames.com/the-darkest-timeline/
Como você meu amigo acha que essas novas tarifas vão afetar nosso hobby?
Há oportunidades para a indústria nacional de jogos?
Hoje me despeço no maior estilo Iuri:
Um forte abraço e boas jogatinas!