adolfocaetano::Após ler tudo, vou dar meus três ou quatro dedinho de pitaco.
Um pequeno contexto pra esclarecer porque tenho a visão de mundo que tenho. Sou dentista de profissão (e não por paixão) e me graduei em História, por amor a esse campo do saber. Dito isso, eis minhas bobagens.
Não é a primeira vez que o mundo, espécie humana, sociedade, sistema econômico, seja lá como se queira chamar, enfrenta adversidades e mudanças; tudo temperado a medo e nenhuma possibilidade de antever o que acontecerá. Se economistas e gente do ramo financeiro realmente pudesse antever e planejar como falam, não teríamos crises e quebradeiras.
Mas vamos a um exemplo bem prático. Se tem uma coisa que vive de crise é o setor petrolífero. Cada vez que um ditador russo tosse ou uma republiqueta de banana tropeça, parece que o mundo vai acabar. O valor do barril de petróleo vai à estratosfera e até o pacotinho de pipoca dobra de preço. E anuncia-se um novo armagedon. Passados alguns meses ou poucos anos a situação se estabiliza, o mundo se reorganiza e voltamos a comprar pipoca.
A mais séria crise do petróleo foi em 1973, quando os árabes (pra variar) foram derrotados por Israel na Guerra do Yom Kippur. Americanos e brasileiros ficaram apavorados. Como viveriam sem poder abastecer os opala e os dodge dart da vida com seus 6 e 8 canecos bebendo 2 km por litro!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! Bom o povo aprendeu que dava pra viver dirigindo carro pequeno, com quatro cilindros e que bebiam menos que o dono, e o mundo ficou estarrecido ao descobrir que dava pra fazer um motor de carro que não precisava de gasolina nem diesel - viva o carro a álcool, que não é perfeito, mas prova que se quiser dá pra fazer diferente.
O que quero dizer com toda essa introdução, afinal? E aqui entra minha visão sobre o bicho gente a partir de minha análise histórica.
Nós, seres humanos, temos a mania de achar que tudo que aconteceu na história se restringe ao agora. Internet?Smartphones? Instagram? SUV na rua? Netflix? Sempre existiram e existirão ao findar dos tempos! Já existiu gente sem aplicativo de celular? Impossível! Como pagavam conta, faziam compras? Bom... ia-se às agências bancárias e às lojas; usava-se cédulas de dinheiro e escolhia-se os produtos pegando-os na mão, em lojas. Melhor ou pior, não cabe ao historiador fazer juízo de valores, mas eu Adolfo pessoa física, acho que hoje é MUITO MELHOR, dentro dos meus 50 e poucos anos.
Porém o que vivemos hoje não é a totalidade de nada, é um instante na história que vai passar e amanhã será nada. Quero dizer que a civilização atual não desandou quando teve que dirigir carro pequeno e econômico. O mundo não foi desintegrado quando as pandemias de gripe espanhola ou de covid vieram e foram embora. Hoje a maioria nem lembra do tal covid (muitos que foram histéricos achando que o mundo estava acabando.
Não acho que a indústria de tabuleiros vai acabar, ou sequer mudar muito. Talvez uma adaptada a um novo cenário econômico de escassez, sem caixas de jogos que pesam 8 kg e 500 miniaturas de plástico, cada uma com aspecto único. Melhor ou pior? Depende do que se acha importante: eu que prefiro jogos simples e mais baratos, provavelmente não verei nenhum problema; que coleciona ou curte jogos forrados de componentes (tipo frost punk da vida) vai reclamar.
Mas o mundo vai continuar e as pessoas vão continuar a comprar jogos feitos com um pouco de papelão, algumas cartas e uns marcadores de plástico estilo Grow e Estrela. Aliás, será que essa suposta crise afetará esses dois elefantes que também estão na sala?
Bom. Feito meu discurso (ou apresentação de dissertação à banca) Bonsd jogos a todos e mais um dia.
Caro
adolfocaetano
Rapaz, achei ótimo o seu comentário, mas concordo apenas em parte, porque acho que você identificou um alto grau de alarmismo que eu, da minha parte não vi, principalmente considerando as comparações que você fez.
Tanto no caso das crises do petróleo (1973 e 1979), quanto no caso da pandemia de COVID, houve algum alarmismo, mas não sem razão. Nos anos 70 a Guerra Fria era um fato real, e qualquer desequilíbrio no cenário mundial, como uma crise mundial do petróleo, efetivamente poderia acabar descambando em uma hecatombe nuclear. Do mesmo modo, hoje nós olhamos para trás e muitos minimizam os horrores da pandemia. Mas não podemos esquecer que mais de 700.000 pessoas perderam a vida, e o que é pior, essa crise revelou o quanto nós brasileiros podemos ser irresponsáveis, ao nos recusarmos a adotar medidas de segurança óbvias, porque não podemos ficar sem o chopinho de sexta e a balada de sábado. Também nos foi revelado o quanto nós brasileiros somos suscetíveis ao perigo das informações distorcidas das redes sociais, que transformou uma nação que durante décadas foi a número 1 em termos de vacinação, um exemplo para o mundo, em um povo, que em grande parte, regrediu o pensamento a níveis medievais, passando a acreditar de verdade que vacina não apenas não são eficazes, como ainda por cima são prejudiciais à saúde. Pólio, sarampo, entre outras doenças que estavam praticamente erradicadas do nosso país estão de volta. Por fim, nos foi revelado o quanto somos politicamente mesquinhos e insensíveis, a ponto de um governo federal tentar sabotar a todo custo o encontro de uma solução, para uma dos problemas mais graves que enfrentamos durante a nossa história, só porque o governador do estado que estava liderando essa iniciativa, era de outro partido. Então o alarmismo nesses dois cenários eu acho realmente justificável, porque a ameaça era real.
Por outro lado, realmente como você bem salientou, a humaninadade já sobreviveu a coisas muito piores, como Eras do Gelo, a Peste Negra, a Inquisição, as Cruzadas, a Gripe Espanhola, Duas Guerras Mundiais, a Crise dos Mísseis de 1962, entre outra ameaças. Trazendo isso para o nosso pequeno o universo dos board games, é justamente por isso, que eu acho que as pessoas não estão achando que o hobby vai acabar por conta das tarifas. O que as pessoas estão é preocupadas, muito preocupadas e com razão. Isso porque, se essa encenação toda de Donald Trump não for um blefe, ou apenas mais uma bravata, (e ele gosta muito disso, como demonstram os anúncios de intenção de anexar o Canadá e a Groenlândia, de tomar o Canal do Panamá, de intervir e acabar com a Guerra da Ucrânia, e de comprar a Faixa de Gaza), a coisa pode ficar feia. Se Donald Trump realmente estiver disposto a provocar uma Guerra Tarifária Global, o impacto em todos os mercados será muito sério, inclusive na indústria de board games.
Nesse caso, a Guerra Tarifária Global tornará os jogos de tabuleiro mais caros, e os KS ainda mais proibitivos. Jogos mais caros vão desaquecer o mercado, diminuir o consumo e provavelmente levar muitas editoras menores à bancarrota. Mas ninguém, pelo menos até onde eu vi, acha que o mercado de jogos vá acabar. E mesmo que isso ocorra, na pior das hipóteses, a quantidade de jogos já produzidos é tanta que o hobby se manterá por algumas décadas. Se todas as editoras de jogos fecharem comprar jogos novos não será mais uma opção, mas todo mundo continuará jogando os board games que já existem. Além disso, vamos combinar que jogos são apenas mais uma forma de lazer, como livros, música, cinema, teatro, videogames e séries, por isso, dá para se divertir muito bem sem board games. Não digo que viver sem jogos seria agradável, mas isso simplesmente não é tão fundamental assim, como nós boardgamers gostamos de pensar.
Assim sendo, da mesma forma que as Crises do Petróleo, a Internet e a Pandemia, modificaram nossa forma de viver, especificamente com a busca por motores mais eficientes e combustíveis alternativos, a criação de todo um universo on-line com aplicativos, rede sociais, plataformas de streaming, e democratização, às vezes exagerada, do acesso à informação e diversão, bem como o trabalho em home office, essa Guerra Tarifária Global também modificará e impactará na forma como as nações comercializam entre si e nas práticas de consumo das pessoas.
E nem dá para imaginar que isso vai levar que as editoras passem a produzir jogos fora da China, porque isso demora muito tempo e demanda muito dinheiro. Nenhuma empresa vai bancar essa empreitada, com o risco de um presidente irresponsável, falastrão e inconsequente, vir à público no mês seguinte para dizer que essa era apenas uma demonstração de força, e que as tarifas reais serão bem menores. Mesmo as tarifas de 10% foram adiadas algumas vezes. Alterações dessa magnitude no mercado, qualquer mercado, só ocorrem por conta de conjunturas muito mais sólidas. Demorou mais de duas décadas para China desenvolver um parque fabril capaz de atrair a produção mundial de tênis para Ásia, e pelo menos uma década para essa indústria migrar para o Vietnã. Assim sendo, não surge uma "nova China" dá noite para o dia. Isso não demora semanas ou meses, mas sim anos e talvez décadas. Ninguém muda uma fábrica, especialmente de grande porte, de uma país para o outro, e inicia uma cadeia de produção e distribuição, praticamente a partir do zero, em um espaço de seis meses.
Também é preciso considerar que mesmo que Trump volte atrás, ou seja forçado a isso, no mês que vem, ainda assim, grande parte do estrago já está feito. A credibilidade na economia norte-americana já é a primeira vítima dessa Guerra Tarifária Global. Com isso, demorará talvez décadas, para que outros países voltem a ver os EUA, economicamente, da mesma forma como viam antes do segundo mandato presidencial de Donald Trump. E isso quem diz são os próprios economistas norte-americanos. A China agradece efusivamente por isso.
Por outro lado, uma coisa positiva que eu vejo nessa Guerra Tarifária Global é que do mesmo modo como a Pandemia mostrou o perigo que é depender de um único país para produzir tudo, também é perigoso focar e direcionar quase toda a venda de produtos para um único mercado. Isso talvez faça com que as editoras internacionais comecem a procurar alternativas para a produção de seus jogos, e novos mercados onde vendê-los. Possivelmente isso talvez até favoreça o Brasil, desde que nós, enquanto nação, façamos a nossa parte, melhorando o sistema de tributação e a infraestrutura de distribuição.
Outra coisa positiva que eu vejo, nessa Guerra Tarifária Global, é que realmente ela deve frear a quantidade, irreal e absurda, de jogos lançados todos os anos. Isso pode fazer com que as pessoas comecem realmente a dar mais valor, e a jogar mais os jogos que elas já têm, ao invés de continuar naquela busca frenética e incessante pelo "novo melhor jogo de todos os tempos obrigatório em qualquer coleção". Do mesmo modo, esse encarecimento dos jogos talvez cause também uma mudança no sentido das editoras começarem a investir mais em jogos mais baratos, mais simples de produzir e nem por isso menos divertidos, como ocorreu no caso da Argentina, que já convive com crises econômicas há muito mais tempo.
Para terminar, se essas duas previsões se mostrarem certas, eu acho que o mercado de jogos sairá melhor e mais maduro dessa Guerra Tarifária Global, confirmando ainda mais as sábias palavras de Nietzsche: "Aquilo que não me mata, me faz mais forte".
Um forte abraço e boas jogatinas!
Iuri Buscácio