(Análise) Kick-Ass: Board Game
Título: Kick-Ass: Board Game (2018)
Designer: Hjalmar Hach, Roberto Pestrin, Maurizio Vergendo
Arte: John Romita Jr.
Editora nacional: Galápagos Jogos
Nº de jogadores: 1 a 4
Kick-Ass: Boardgame apresenta muitas miniaturas, lotando uma caixa muito bem produzida, com uma arte incrível, bastante violência e uma boa dose de sorte, mas que também exige dos jogadores planejamento e muita tática.
Resumo de Como o Jogo Funciona
Em Kick-Ass: Boardgame, os jogadores irão encarnar no papel dos heróis da franquia, descendo a pancada em vilões (e apanhando bastante também) enquanto andam pela cidade cumprindo tarefas e missões. Uma partida do jogo é composta por uma quantidade máxima de rodadas, porém a partida pode acabar antes deste limite, seja com vitória ou derrota dos jogadores. Cada rodada é dividida em fases do dia e fases da noite. Uma fase do dia é subdividida em três turnos, no qual em cada um deles entram novos lacaios e os jogadores selecionam uma carta, dentre as disponíveis em sua mão, para ativarem. A ativação dos personagens dos jogadores ocorre na ordem que os mesmos definirem e estes personagens podem se mover, ativar locais e entrar em combate, que é resolvido através da rolagem de dados. Por fim, na fase da noite (fase do sono e fase de atualização, no manual), ocorrem efeitos diversos de checagem e atualização de tabuleiros. O jogo se encerra quando os jogadores perdem (existem diferentes formas para isso, como em todo bom cooperativo!) ou caso eles cumpram a missão principal.
Mecânicas Principais: Gestão de Mão, Rolagem de Dados.
Critérios
Ø Qualidade dos Componentes
PRÓS: Miniaturas de boa qualidade, separadas em 4 cores diferentes para diferenciar heróis, chefes e lacaios), de um bom tamanho; Manual de um papel grosso, com muitas ilustrações; Fichas e cartas de boa gramatura; Dados customizados de plástico de boa qualidade e tamanho; Tabuleiro central grande de boa gramatura; Caixa de boa qualidade.
CONTRAS: Manual um tanto confuso e que deixa margem para algumas dúvidas; Caixa que apesar da boa qualidade, devido ao formato retangular, as coisas cabem um tanto apertadas (de forma que a caixa poderia ser do tamanho padrão quadrada, como de Zombicide, por exemplo); Tabuleiros de jogadores são folhas de boa qualidade, com impressão em ambos lados, porém não é cartonado, é só uma espécie de cartolina mesmo; Os marcadores utilizados nos tabuleiros dos jogadores são cartonados e bem pequenos, cumprindo sua função, mas sem nada elogiável; As bases utilizadas embaixo dos Lacaios para representar os lacaios aprimorados (super lacaios) não encaixam direito nas miniaturas sem que entrem de forma forçada, já que são bem rígidos e não maleáveis como uma borracha, como existem em outros jogos no mercado.
(Todos componentes)
Ø Tempo de Preparação de Partida
Médio. Depois das primeiras partidas, a preparação se torna rápida e bem intuitiva, o problema mesmo é que o tamanho da caixa para a quantidade de componentes não são lá muito compatíveis, então se a cópia do jogo não possui um organizador que ajude a separar as coisas, sempre que colocar o jogo na mesa será como entrar numa piscina de bolinhas (não que isso não seja divertido!), pois existem muitos componentes, marcadores e cartas que, por melhor distribuídos que estejam em ziplocks (aqueles saquinhos transparentes já tradicionais em nosso hobby), vai tomar algum tempo. Além dessa preparação normal, ainda existe o passo de preparação da missão, que geralmente apresentam características próprias e certas customizações. Apesar disso tudo, como a partida tende a ser um pouco longa e também divertida, o tempo investido na preparação é facilmente compensado!
Ø Arte
PRÓS: Manual muito bem ilustrado até mesmo com partes onde o próprio protagonista interage com uma cópia do jogo enquanto ele mesmo aprende a jogar The Kick-Ass: Board Game; Artes nas cartas bem feitas, transmitindo a ideia do tema e a sensação e identidade visual de histórias em quadrinho; Miniaturas com bons detalhes.
CONTRAS: Por algum motivo, quem fez a ilustração dos tabuleiros dos jogadores não foi o mesmo que fez todo resto (logo, John Romita Jr.), não que isso estrague qualquer experiência, até porque acredito que uma boa parte das pessoas nem sequer percebe essa diferença nos traços; A ilustração do tabuleiro é boa, porém poderia ter sido melhor, com um pouco mais de detalhes e capricho na escolha das cores, deixando com uma pouco mais de vida.
(Miniaturas e dados)
Ø Curva de Aprendizagem
Média. O primeiro elemento a se destacar é que o manual é um tanto falho, algo que atrapalha as primeiras experiências com relação ao aprendizado, já que algumas questões só vão aparecer durante a jogatina e o manual simplesmente as ignorou. Passado a dificuldade e vencido o primeiro vilão: O Manual, temos um jogo sólido, com regras relativamente fáceis, com um ou outro detalhe importante de ser lembrado. Ultrapassando essa barreira de dificuldade temos a dificuldade do próprio jogo, que exige dos jogadores uma boa leitura das possibilidades na mesa (tomando muito cuidado com outro elemento que chegou com um pouco de exagero: A relevância da sorte, mas chegaremos lá daqui a pouco).
(Manual de regras, muito bem ilustrado, apesar de alguns vacilos na explicação)
Ø Presença de Tema
Alta. Para quem é fã de Kick Ass ou mesmo para aqueles que não fazem a mínima ideia quem é este rapazote, o tema é apresentado de uma forma excelente. Para fãs temos diversos personagens, sendo heróis e vilões, equipamentos, missões e toda uma identidade visual com o próprio toque do criador e ilustrador das HQs, John Romita Jr. Para quem não é fã e até mesmo desconhece a saga, temos uma boa experiência devido à inserção de eventos que contam uma história, as próprias cartas iniciais dos personagens que transmitem um pouco do perfil de cada um, além das cartas de crises que adicionam de forma aleatória características para cada jogador. Adicione a isso um manual que apresenta o próprio personagem aprendendo o jogo, ilustrado como se fosse mesmo uma história em quadrinhos e temos uma surra temática!
Algo que poderia ser mais explorado – e sinceramente não entendi bem o motivo de não ter acontecido – foram os históricos dos personagens. Assim como jogos que se inspiram no universo de H.P. Lovecraft, seria perfeitamente possível adicionar um breve resumo sobre o personagem nas costas do tabuleiro de jogador, principalmente por ele já ter uma ilustração e colorida. Acredito que esse detalhe, que daria apenas um trabalho de nem uma semana para os idealizadores do jogo, iria ajudar a colocar os jogadores ainda mais dentro do tema, seja um “- Hmmm, interessante” por parte de quem não conhece o universo ou um “- Uau! Isso ai!” pelos fãs do Chutador-de-Traseiros. Outro elemento que não foi inserido no jogo e senti um pouco de falta, porém admito que isso ocorre por uma questão de gosto pessoal mesmo, é que apesar das missões terem uma sequência de dificuldade, não existe um modo campanha, onde jogadores levam itens, recursos ou mesmo habilidades e cartas para partidas futuras feitas em sequência. Por se tratar de uma história contínua nos HQs, seria bem legal ter essa sensação de progressão e afinidade com os personagens ao longo de uma campanha.
Para os desavisados vai um alerta: O jogo trata de assuntos sérios como violência, alcoolismo, problemas psicológicos e assim por diante, logo apesar da arte e do tema parecerem juvenis, cuidado para não cair no erro de colocar o jogo na mesa com crianças ou pré-adolescentes!

(Uma partida rolando)
Ø Rejogabilidade
Alta. Temos muitos elementos que trazem uma excelente rejogabilidade como diversos personagens (por mais que algumas vezes as diferenças entre eles sejam mais sutis), algumas missões principais (e difíceis, logo precisam de diversas partidas até serem dominadas e vencidas) com diversas mini-missões, diversos inimigos e até mesmo algo que achei bem interessantes: as cartas de crise. No início da partida cada jogador pega 2 cartas dessas de um monte fechado e não as revela, nem para si mesmo, até um momento onde o personagem fique triste (as cartas estão ligadas com a felicidade do personagem pois são problemas sérios como depressão ou uso de drogas ilícitas). Essas cartas, além da curiosidade e emoção que geram, trazem penalidades únicas para os personagens, diferenciando-os mais ainda uns dos outros e mesmo um mesmo personagem entre uma partida e outra. Essas cartas sozinhas não aumentam muito o Fator Rejogabilidade, porém achei interessante o fato delas surgirem no meio da partida e somente então gerar uma penalidade que cria certa assimetria entre os personagens. É uma mescla de entrega de tema com rejogabilidade muito bem-vinda.

(Tabuleiro de jogador em detalhe)
(Tabuleiro central em detalhe)
Ø Interação
Alta. Kick Ass é um jogo cooperativo, logo demanda um entrosamento e diálogo constante entre os jogadores para que se saiam bem (ao menos tentem!). Muitos jogos cooperativos acabam sofrendo com um fenômeno chamado Jogador Alfa, que seria aquela pessoa inoportuna que acha que sabe de tudo e quer mandar no grupo (o que é bem diferente de um líder), Kick Ass: Board Game não está totalmente isento disso, afinal se um cara (leia: Chato) desses estiver na mesa ele vai dar um jeito de dar uma de mandão, porém o jogo tem alguns elementos que ajudam inibir esse tipo de atitude: Os jogadores tem sua própria mão de cartas oculta e cabem a eles escolherem qual das cartas irá ativar (este elemento se assemelha muito com Spirit Island (REUSS, 2017)); As missões requerem que os heróis se espalhem pelo mapa, logo é preciso que os jogadores tenham total controle da missão que lhe foi atribuída; Temos um elemento de sorte com alta relevância, portanto o sabichão alfa não adianta alegar que sabe tudo, pois não sabe o que vai cair no dado, fazendo com que a equipe reorganize seus planos a cada novo passo que deu ruim.

(Cartas de missão)

(Algumas cartas do jogo)
Ø Fator Sorte
Relevância na partida: Média, mas pode considerar Alta se você tem pouca paciência com dados. Em Kick Ass: Board Game a rolagem de dados é implacável. Sejamos realistas, se você entrar numa briga de rua, a probabilidade de levar um soco no meio da cara é grande. E isso vai doer. Rolar os dados em Kick-Ass: Boardgame é exatamente isso. Não adianta se achar o f#d@, você provavelmente vai sair com olhos roxos ou alguns hematomas, mesmo no melhor das hipóteses. Durante uma partida existem poucas formas de se ganhar rerrolagens e não existem também muitas formas de acumular loucamente dados para serem rolados. Acrescente a isso o fato de o combate ser um elemento central do jogo (logo existirão muitas rolagens de dado ao longo da partida) e teremos um tipo de jogabilidade que poderá divertir alguns, porém frustrar outros.
Ok, até o momento tudo parece convergir para que a relevância seja Alta, porém o jogo faz um balanceamento disso (ou ao menos tenta), ao colocar mecânicas que dão certo controle e deixam os jogadores planejarem com certa antecedência algumas coisas. Posso destacar a gestão das cartas, a forma que os lacaios entram em jogo (o que lembra vagamente os zumbis de Zombicide (GUITON, LULLIEN, RAOULT. 2012)) e a forma que os objetivos aparecem, o tempo que duram e as penalidades e bonificações que geram para os heróis.
Sendo assim, apesar do alto impacto da sorte na partida, ainda é perfeitamente possível perder ou ganhar sentindo que boa parte do mérito (ou culpa) foram dos jogadores, mas os dados e as poucas oportunidades oferecidas de mitigar suas rolagens, por (muitas) vezes, pode ser frustrante.
Ø Fator Estratégia
Relevância na partida: Alta, mas uma sequência de rolagens ruins pode fazer você achar que é Média. Primeiramente, relembre tudo que foi dito em relação ao Fator Sorte e faça um paralelo com o Fator Estratégia. Fez? Ótimo. O que é possível agregar a este tópico exclusivo sobre Fator Estratégia é reforçar o quão importante são as escolhas dos jogadores. Por mais que uma rolagem ruim possa arruinar todo planejamento, cada movimento feito pelo mapa combatendo inimigos (essa parte lembra um pouco Pandemic (LEACOCK. 2008)) , cada carta jogada, cada nova carta adquirida (que substitui uma anteriormente em posse do jogador), cada equipamento comprado, cada missão que os jogadores decidem tentar cumprir ou mesmo abrir mão e se preparar para punição, o fato dos personagens nunca morrerem de fato, apenas sofrerem penalidades (que até pode ser usada como uma forma estratégica) e a gestão dos atributos dos personagens são imprescindíveis para se vencer uma partida de Kick Ass: Board Game (além da sorte nos dados).

(Como fica organizado na caixa, usando um organizador plástico genérico)
Ø Preço e Valor Percebido
Excelente. Alguns jogos que entram em promoções malucas, principalmente de Black Friday, se tornam mais difíceis de avaliar a relação de custo-benefício do que outros, pois tem coisa que entra em promoção e simplesmente não faz sentido. Kick-Ass: Boardgame é um destes casos. Ele tem muitos componentes (só de miniatura são 45), todos de ótima qualidade, e o jogo em si é divertido e consistente. Qual o motivo de ter entrado em promoção por menos de R$150? Não sei e talvez nunca saberei ao certo. Quem pegou ele nesse preço, sinta-se sorteado! O jogo se paga e muito fácil. Para quem não teve essa sorte e está procurando por algum, acredito que pagar em Kick-Ass: Boardgame até a casa dos R$350 ainda seja algo bem justo. O jogo é bom, tem uma rejogabilidade bacana, componentes de qualidade e ainda entrega muito tema para quem curte a franquia (ou apenas heróis em geral mesmo).
Ø BÔNUS: Algumas dúvidas corriqueiras:
- Dá para jogar com crianças? Não. Pela mecânica e complexidade, com alguém que entende bem o jogo e sirva meio como “guia-humano-para-dúvidas-e-casos-especiais” (coisa que o manual falha duplamente, tanto por não ser humano, como por não tirar várias dúvidas em casos especiais) é possível. POSSÍVEL, não RECOMENDADO. Devido ao tema violento, algumas missões e as cartas de crise, não acho de bom tom apresentar o jogo para crianças, a não ser que elas já tenham idade e amadurecimento suficiente para entenderem o que está rolando. Se for o caso, o jogo pode servir como um bom aprendizado se jogado com devida orientação, inclusive.
- Funciona bem em qualquer número de jogadores? Funciona de forma bem similar. As missões principais e as mini-missões são divididas pela quantidade de heróis/jogadores em partida, de tal forma que fica relativamente sempre bem equilibrado. Relativamente, pois senti que jogar em um ou dois jogadores o jogo fica mais difícil, pois dessa forma existem apenas um ou dois heróis para se cobrir o mapa e apagar incêndios, enquanto em mais jogadores o mapa consegue ser melhor coberto, sempre tendo alguém cuidando de cada vizinhança.
Opinião Pessoal
“Eu talvez não seria a pessoa mais indicada para falar bem de Kick Ass: Board Game, pois quem me conhece sabe que torço o nariz para jogos onde a resolução requer dados e o impacto da sorte é elevado (salvo isso seja a maior característica do jogo), porém Kick Ass: Board Game me surpreendeu (caso contrário, nem teria texto, pois não teria ainda jogado o suficiente para avaliar, pois convenhamos: Quem joga muito jogo que não gostou?)! O jogo consegue trazer uma experiência de jogo inteligente, mesclando algumas mecânicas que gosto e se deram muito bem juntas, com uma produção incrível. Única crítica mesmo são as rolagens de dados, não por serem excessivas (apesar de serem muitas), mas pela taxa de acerto ser bem baixa, principalmente quando nos vemos diante de um jogo onde a toda rodada você precisa eliminar um ou dois capangas do mal pelo menos. Se curte um ameritrash, com tema vindo na voadora e rolagens de dado até perder a conta: Kick Ass: Board Game é uma excelente pedida." (Raphael Gurian, Um minichefe do jogo (a miniatura é amarela, né?)
“Kick-Ass: Boardgame é um jogo imersivo do estilo ameritrash, que fará os jogadores se unirem para derrotar os vilões que assolam a cidade de Nova Iorque, do universo desta franquia. Para quem conhece e gosta deste tipo de jogo e também da história do filme de mesmo nome, ele fará jus à dificuldade de combater o mal com métodos um tanto convencionais, já que os personagens não são munidos de superpoderes. Com o grupo certo de jogadores bem entrosados, este jogo poderá render ótimas partidas e estratégias entre os personagens escolhidos e os objetivos em comum. Esta é uma ótima opção de jogo cooperativo para se ter na coleção.” (Heloisa Fernandes, Vilã Chefe do jogo. Além da miniatura vermelha, ela que manda na parada!)
Um texto de
Raphael Gurian
A ideia deste formato de análise não é explicar um jogo, para isso existem muitos outros textos, vídeos e etc. A finalidade do texto é fazer uma análise crítica acerca de critérios que acho importante e que muitas vezes acabam não sendo explorados em análises de uma forma mais detalhada. Os jogos analisados não seguem qualquer critério comercial, incentivo ou pagamento, sendo escolhidos com base em fontes de vozes da minha cabeça, aliado ao fato de ter já jogado o jogo em questão muitas vezes, a ponto de me sentir confortável em opinar sobre o mesmo.
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