Essa separação é importante para remover uma estigmatização e estereótipo que existe (vejo existir nas redes sociais, pelo menos) em relação a pessoas que jogam sozinhas. Elas não são ermitões sem contato com a civilização, de poucos amigos e que não gostam de treta e interação. Quem joga sozinho tem seus motivos pessoais, mas acima disso, tem sua própria forma de interagir com outros jogadores. Existem comunidades em redes sociais, discussões em fóruns de internet e tudo mais, exclusivamente voltados para pessoas que curtem jogar sozinhas. Essa integração é evidência que elas não estão isoladas do resto do mundo. Elas comparam pontuações, debatem sobre estratégias e assim por diante, unidas pela característica de jogarem jogos em modo 'um jogador'. Essa comunidade é tão ativa que, inclusive, é comum jogadores mais experientes e designers amadores criarem modos de um jogador para jogos que nativamente não os possuem. Em resumo, a questão acaba abrangendo um significado filosófico e existencial no qual ‘sozinho’ consiste em alguém que está sem a companhia física de algum outro ser em algum momento específico, mas não se sente isolado do convívio geral, enquanto ‘solitário’ é alguém que permanece em distanciamento social, de forma proposital ou não, de maneira mais duradoura e relevante, denotando até mesmo um quadro de vulnerabilidade em âmbito biopsicossocial.
Sendo assim, uma pessoa pode ser solitária e jogar? Claro que pode (para mim, qualquer um pode e DEVE jogar), contudo, como a questão que permeia esse quadro é social e, em última instância, pode ser até psicopatológica, precisamos nos ater neste texto ao contexto de buscar uma desambiguação do termo dentro das mecânicas de jogos de tabuleiro, que é o uso de uma definição não estigmatizante que se enquadre no antônimo das expressões ‘para diversos jogadores’, ‘multijogador’ e similares.
Tendo pacificado o uso de 'sozinho' e 'solitário', chegamos ao termo mais comumente usado dentro do hobby: solo. Essa palavra, em português, não diz nada fora o chão que nos sustenta, sendo mais um daqueles casos de americanismo linguístico. Sua origem vem do latim
'solus', que significa (pasmem) 'sozinho', relacionado ao ato de fazer algo sem a companhia de alguém². Simples e direto, não à toa o termo 'solo' é o mais utilizado e assim definirei os jogos daqui por diante.
TÓPICO #2 - O Ato de Jogar Sozinho
Sozinhos e munidos de um manual e um monte de componente maneiro, colocamos o jogo na mesa. E agora? Agora, jogue. Não tem mistério. Só não pode ter preguiça (dificuldade, todos temos e a prática é que nos faz melhores). As pessoas geralmente fazem coisas sozinhas: leem, ouvem música, assistem televisão, jogam videogame e assim por diante, ainda assim não é comum vermos nas redes sociais alguém levantar critérios e motivos de 'não assistir uma série sem o cônjuge', 'ouvir determinada música sozinho' ou 'a dificuldade de ler um livro sozinho' (o que é algo nativamente solo, aliás), então não existe motivo real para se fazer estas indagações com jogos de tabuleiro como vemos acontecer por ai. Essas indagações não passam de bloqueios de contato, de resistências à atividade. A verdade, por mais dura que seja, é que vivemos em uma cultura onde não fomos educados para nos aprofundar em atividades que não possuam uma enxurrada de estímulos sonoros e visuais atrelados. Eu mesmo, no auge dos meus 37 aninhos, cresci na geração da televisão, quem dirá então as novas gerações onde essa telinha é portátil e cabe no bolso. Somos uma cultura que pouco lê, imagina então se dedicar a uma atividade que exige leitura, atenção e muito raciocínio lógico: é um esforço gigante. Quem joga sabe o quanto é difícil ultrapassar barreiras de complexidade nos jogos com jogadores ainda sem prática, casuais ou pouco interessados. Fazer isso tudo sozinho e tendo nós mesmo como centro das atenções, para alguns é uma corrida de obstáculos.
Claro que estou exagerando um pouco para ilustrar didaticamente, mas tenho total ciência que jogar um jogo de tabuleiro é bem mais trabalhoso do que ligar uma televisão e dar um play, denotando-se um esforço físico e mental que, muitas vezes, se não está relacionado com um compartilhamento interpessoal pode parecer não valer a pena. Isso me faz levantar a hipótese de que quem não joga sozinho algum título que tenha na estante não seja motivado pela atividade em sí (muitas vezes a pessoa quer, ensaia fazer, mas acaba não fazendo), mas pela ausência de um ambiente propício para que a atividade seja prazerosa.
Quando eu jogo qualquer jogo com amigos, namorada ou familiares, SEMPRE coloco uma musiquinha de fundo e prefiro quando o ambiente está agradável, sem gente tumultuando em volta, ruídos externos desconcertantes e uma temperatura incômoda (note que odeio jogar a sério em eventos). Para o jogo sozinho é a mesma coisa, logo, se você não costuma jogar sozinho, seguem duas dicas de hábitos simples que podem transformar a experiência em algo mais atrativo e positivo:
A. Limpe sua mente de outros afazeres
Não adianta tentar salvar o mundo contra zumbis se você está pensando no boleto que vence amanhã. Jogar deve ser uma atividade prazerosa e para curtir mesmo a experiência, você precisa estar focado nela. Isso também é válido para quando jogamos com mais gente, porém acompanhado é mais fácil manter o foco por ocorrer uma interação com outras pessoas, seja em conversas paralelas ou mesmo na curiosidade de uma jogada alheia, coisas que sozinho não existem, então, a depender da pessoa, manter o foco na jogatina pode ser bem complicado.