(Análise) The Red Cathedral
Título: The Red Cathedral (2020)
Designer: Israel Cendrero, Sheila Santos
Arte: Chema Román, Pedro Soto
Editora nacional: Devir Jogos
Nº de jogadores: 1 a 4
Um jogo que chegou modesto, em uma pequena caixa, porém recheada, assinado por uma dupla de designers pouco conhecidos, mas que vem a cada dia acumulando mais e mais fãs devido a sua mecânica sólida, gama de possibilidades táticas e regras de fácil assimilação.
Resumo de Como o Jogo Funciona
Em The Red Cathedral os jogadores irão revezar seus turnos em busca de conseguir construir setores da Catedral de São Basílio, na Rússia, entre 1555 e 1561. No seu turno, o jogador pode optar por realizar um tipo de ação entre três possíveis, sendo elas: A. Reivindicar uma carta que representa uma seção da catedral; B. Enviar recursos para cartas já reivindicadas, com a finalidade de construí-las; ou C. Adquirir recursos, utilizando dados que se movimentam por um rondel no tabuleiro principal, onde o valor do dado representa quantas casas ele se movimenta, a quantidade de dados na casa que finaliza o movimento simboliza quantos recursos daquele tipo o jogador recolhe e a cor do dado pode vir a gerar algum bônus que por ventura o jogador já tiver habilitado anteriormente. A partida se encerra após um dos jogadores terminar de construir sua sexta carta de seção da catedral. Ao final da partida ocorre uma contagem de pontos com base no controle de área das cartas de seção construídas da catedral e quem tiver mais pontos de vitória, logo, mais prestígio, será o vencedor.
Mecânicas Principais: Rolagem de Dados, Controle de Área.
Critérios
Ø Qualidade dos Componentes
PRÓS: Levando em conta o valor de tabela que o jogo foi vendido, os componentes são de excelente qualidade! Temos recursos coloridos em madeira; Tabuleiro, fichas e cartonados de boa gramatura; Cartas de boa gramatura; Dados plásticos de boa qualidade e com tamanho relativamente grandes; Manual com papel de excelente qualidade e boa impressão; Caixa de qualidade razoável, por ser pequena (apesar de cheia) fica bem firme mesmo não tendo a espessura de suas paredes das mais grossas do mercado.
CONTRAS: A caixa é pequena, de tal forma que organizadores plásticos genéricos não cabem... e na altura! Uma vez que o jogo tem bastante componente, a caixa fica bem recheada MESMO e a organização da partida demanda uns poucos minutinhos adicionais em comparação a jogos com organizadores.
NOTA: Não acharei estranho se alguém achar que essa crítica é meio superficial, realmente foi o único ponto negativo em relação a Qualidade dos Componentes que encontrei. Devir, manda mais jogos pro Brasil com esse preço e qualidade, nem me importo se for caixinha pequena assim de novo!
Obs. Pessoal: Minha cópia veio com um estandarte (a bandeirinha de jogador) quebrado. Entrei em contato com a Devir e em menos de duas semanas e sem nenhuma dificuldade a reposição chegou sem custo algum em casa.
(Todos componentes – Muita coisa e de excelente qualidade)
Ø Arte
PRÓS: Quem conhece outros jogos do ilustrador Pedro Soto consegue ver que em The Red Cathedral é entregue a mesma qualidade de outras obras de sua autoria como Papua (GARCIA, IBAÑEZ. 2018), Miguel Strogoff (CORRAL. 2017) e Gardens (LLISTOSELLA. 2014). Temos aqui cores sólidas com traços firmes, que passam bem a identidade da época e com aquela cara de eurogame, mas sem parecer coisa ultrapassada e tão apagada, apesar da presença de alguns tons pastéis, mas que cria um contraste bacana no final e acaba ressaltando as cores mais vibrantes quando presentes. Claro, vamos dar um belo crédito para Catedral de São Basílio em si, que é algo magnífico!
CONTRAS: Os ícones de recursos requeridos e recompensas nas cartas de seção da Catedral poderiam ser um pouco maiores, para facilitar a visualização de quem está mais longe; As casas das pontuações poderiam ser um pouquinho maiores, para acomodar melhor quando diferentes jogadores estivessem empatados; A régua no tabuleiro individual poderia ter umas marcas que separam os espaços mais bem definidos, facilitando a visualização.
(Cartas em detalhe. São alguns tipos diferentes, mas nenhum fica em pose do jogador)
Ø Curva de Aprendizagem
Média. Um dos charmes do jogo é que ele é relativamente fácil de se explicar, principalmente para quem já está acostumado com jogos. The Red Cathedral é bem direto ao ponto, sem enrolações e sem tenta reinventar a roda, de tal forma que jogadores mais experientes conseguem entender o jogo de primeira e mesmo novatos não tem muita dificuldade de compreensão (pelo menos das regras, pois como ir bem é outra história). É bom reforçar que uma Curva de Aprendizado Média não é sinônimo de jogo descompromissado, muito leve ou ruim, ao contrário, as escolhas do jogador são até mais conscientes não tendo dúvidas em relação as regras, focando sua atenção toda em suas possibilidades táticas durante a partida, e já adianto: São muitas!
(Recursos em detalhe)
Ø Presença de Tema
Média. O tema é entregue um pouco na capa do manual, com um texto de um parágrafo, e um pouco através das opções de ações dos jogadores e do simbolismo presente na iconografia do jogo. Apesar disso ser uma crítica, não podemos deixar de considerar que a abstração mecânica exige que o tema não seja tão profundo em função do tempo de jogo e da quantidade de escolhas dos jogadores nesse pouco tempo. Logo, mesmo não entregando uma aula sobre o cenário social e histórico da época, é possível ainda ver a beleza da catedral e sentir em pequenas ações a abstração de conseguir material, enviar para obra e ver a catedral surgindo. Um pouco mais de parágrafos para contextualizar os jogadores não faria mal a ninguém, mas do jeito que está, se comparado com outros jogos do estilo, ainda está bem entregue.
(Catedral de São Basílio, na Praça Vermelha. Rússia. Fonte: Internet...não fui lá☹)
Ø Rejogabilidade
Alta. Para não perder o costume, vou começar com uma crítica: Poderiam ter mais cartas de Guilda e as cartas de Seção da Catedral poderiam ter uma variação maior nas recompensas. Passado o momento ‘tio xarope’, The Red Cathedral tem muitos elementos que trazem uma Alta Rejogabilidade: Os locais e ordem dos recursos a serem coletados, que ainda variam em relação ao local das cartas de Guildas são variáveis; Os formatos da Catedral e as cartas que a compõe são variáveis; e As oficinas (bônus que são gerados pelas cores dos dados) são variáveis. Para um jogo estratégico do estilo, temos muitos elementos que variam de posição de uma partida para outra, o que pode não alterar o sentimento entre as jogatinas, mas certamente fomenta a mente dos jogadores a sempre se adaptarem e resolverem a corrida pela construção das seções de formas diferentes.
(Tabuleiro de jogador durante a partida. Tudo organizadinho e ainda serve como Player-Aid (Ajudinha)!)
Ø Interação
Média. Não existe nenhum tipo de interação de conflito direto entre jogadores, como gerar penalidades ou ataques (o famoso “Toma Essa”), salvo uma pequena penalidade para quem não completou uma Seção e um adversário finalizou uma andares acima, mas o impacto dela não é tão relevante a ponto de mudar o desenrolar da partida. Apesar disso o jogo não trata os jogadores como cada um o dono de seu mundinho isolado, pois os jogadores precisam escolher com inteligência e calma quais cartas de Seção irão reivindicar e quais dados irão mover, pois suas jogadas poderão possibilitar novas (e algumas vezes melhores) situações para o adversário, de tal forma que saber ler a mesa e entender o tempo de fazer cada coisa é essencial para superar a pontuação dos adversários.
(Tabuleiro central durante a partida. Bastante variação de preparação!)
Ø Fator Sorte
Relevância na partida: Baixa. Durante a partida, mesmo tendo rolagem de dados, e até que bem constantes, essa rolagem ocorre após os jogadores fazerem sua ação, de modo que estes dados apenas trazem uma nova possibilidade e desafio para o próximo jogador no que se trata de montar a tática mais eficiente para aquele momento. Ainda assim, existem formas de mitigar ainda mais essa sorte, seja gastando moedas para mover um dado para mais longe ou mesmo pontos de prestígio para tentar a sorte em uma rerrolagem em momento de emergência onde não parece haver outra saída melhor (mas pelo que senti até agora, depois de muitas partidas, fazer isso é um tanto raro).
Ø Fator Estratégia
Relevância na partida: Alta. Os jogadores são presenteados neste design mecânico com muitas possibilidades. Além da primeira escolha de qual ação realizar, quando escolhe uma – seja qual for – ela traz diversos desdobramentos em relação a como a ação será feita (qual ordem primeiro, o que vale mais a penas agora, se vale arriscar fazer algo pensando a longo prazo e assim por diante). Talvez de todos elogios feitos nos diferentes tópicos dessa análise, o Fator Estratégia talvez receba o maior elogio: The Red Cathedral consegue entregar uma experiência de jogo mais complexo de forma leve (regras simples), rápido (não muito mais que 60 a 90minutos) e com um sentimento de pressão bem elevado (tanto pela corrida, que dá o gatilho do final do jogo, como pelo tempo de escolha das ações, onde demorar pode ser a chance de um adversário fazer algo na sua frente que te atrapalha). Temos em The Red Cathedral uma lição de design sobre como fazer um jogo com tudo muito parecido com o que já existe, porém de uma forma tão bem feita e balanceada que fique com uma identidade própria e um sentimento de estratégia que deixa a partida gostosa e bem fluída.
(Caixa com tudo dentro. Realmente fica beeeem apertado)
Ø BÔNUS: Algumas dúvidas corriqueiras:
- Dá para jogar com crianças? Olhando apenas pelas regras na ótica de ‘Escolhe carta, vê recurso, pega recurso, envia recurso’, impossível não é, porém, toda graça da malícia de entender o tempo correto de se fazer as coisas (no inglês ‘timing’) se perde. Dessa forma, não recomendo, salvo seja alguma criança já maiorzinha com experiências em jogos de tabuleiro do estilo.
- Funciona bem em qualquer número de jogadores? Funciona. Com menos jogadores o jogo se torna mais apertado, com menos opções de Seções da Catedral para se reivindicar, logo temos partidas mais acirradas, com menos espaço para erros. Com mais jogadores temos uma liberdade um pouco maior, por outro lado, o impacto do controle de área se torna maior, já que existem mais colunas para se pontuar e mais jogadores para pulverizar essa pontuação. No geral, funciona muito bem em qualquer quantidade de jogadores e o tempo de espera entre rodadas (do inglês ‘downtime’) não chegou a se mostrar um ponto negativo para mim, uma vez que me via sempre prestando atenção nas escolhas dos adversários para assim melhor focar minha estratégia.
- Como é o modo solo (1 jogador)? É bom... mas infelizmente é muito fácil. Joguei algumas partidas e não perdi nenhuma (e sou um jogador bem mediano em geral). O modo solo consiste no jogo como se fossem em dois jogadores, porém o adversário é controlado por cinco cartas que em seu turno respectivo movem um dado de lugar e depois realizam uma ação pré-determinada. É um modelo de automa que funciona bem, tem baixa manutenção entre turnos e é possível o jogador humano, se tiver paciência, antever muita coisa que irá acontecer, e é nesse ponto que o jogo se torna fácil, pois fica previsível. Vale a pena para passar um tempo, para aprender as regras e se familiarizar com o jogo, mas acredito que não será o tipo de jogo desafiante que jogadores solo costumam ter como seus preferidos.
Nota: Quando tenho jogado solo, tenho revelado a ficha de dado do Ivan, o automa, apenas no momento de seu turno correspondente. Dessa forma o jogo fica menos previsível, aumentando um pouquinho a dificuldade e adicionando um elemento surpresa a mais na partida.
...e por fim: Que venha logo a expansão! Dá seus pulos ai, Devir!
Opinião Pessoal
“Um dos jogos que mais rápido escalou no meu ranking pessoal, The Red Cathedral mostrou como a junção de várias ideias bacanas, mesmo que nada geniais sozinhas, consegue construir um jogo sólido, direto e sem firulas. Temos uma experiência elegante e rápida, que cria com frequências novas possibilidades para os jogadores os forçando a sempre desvendar seu próximo movimento da melhor forma possível e que raramente tem uma saída óbvia. Só tenho a reclamar um pouquinho do tamanho da caixa, pois é muito pequena para a quantidade de recheio, de tal forma que ou fica tudo um tanto apertado e em ziplocks ou trate de arranjar talento (e tempo) extra para bolar (ou pagar) por organizadores customizados.” (Raphael Gurian, sempre de amarelo.)
“Red Cathedral é um jogo competitivo, no qual o tema e a mecânica funcionam muito bem juntos. Com um nível de dificuldade médio a difícil, os jogadores precisam correr contra o tempo para juntar recursos, construir os andares das torres e seus componentes, e pontuar o máximo possível antes que um deles apite o final da partida. O interessante é que é sempre possível alternar o layout das torres a cada partida, tornando sua jogabilidade mais variável e fazendo com que os jogadores desenvolvam sempre novas estratégias. O jogo possui um belo design, porém sua paleta de cores em tons de nude não impressiona. Apesar disto, é um ótimo jogo para se ter na coleção, com uma temática interessante e que funciona muito bem também em dois jogadores.” (Heloisa Fernandes, @lola_Fernandes, a jogadora que ficou muito feliz com o nome do jogo!)
Um texto de
Raphael Gurian
A ideia deste formato de análise não é explicar um jogo, para isso existem muitos outros textos, vídeos e etc. A finalidade do texto é fazer uma análise crítica acerca de critérios que acho importante e que muitas vezes acabam não sendo explorados em análises de uma forma mais detalhada. Os jogos analisados não seguem qualquer critério comercial, incentivo ou pagamento, sendo escolhidos com base em fontes de vozes da minha cabeça, aliado ao fato de ter já jogado o jogo em questão muitas vezes, a ponto de me sentir confortável em opinar sobre o mesmo.
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