Conheci a série Pax em 2019 com o Pax Pamir. Primeira partida foi logo depois de Big Shoulders e partimos para um 2º jogo. Depois de uns 30 minutos de explicação e alguma dificuldade de entender completamente o jogo, começamos. Cerca de 20 minutos depois, na segunda carta de pontuação, eu olho para o resultado e pergunto? Eu ganhei? Sim, ganhei! Sem nem saber bem como ou por que. Foi o ápice da frustraçao. Super brochante. Uns 2 meses depois, eu decidi dar uma segunda chance ao jogo e ali, minha vida de boardgamer mudou para melhor.
A série Pax, para quem não conhece, é uma série de 7 jogos da Sierra Madre Games/Ion Games: Pax Porfiriana, Pax Pamir, Pax Renaissance, Pax Emancipation, Pax Transhumanity e Pax Vikings. Todos eles com características bem marcantes de serem jogos baseados em cartas, com alta interaçao e o mais importante: com condições de final de jogo variável e influenciável dentro da própria partida. E é essa característica que faz do jogo o mais marcante para mim.
Nao joguei todos ainda, mas sempre vejo neles uma mecânica de compra de cartas muito parecidas. Uma (ou mais) filas de cartas com custos crescentes de acordo com a posição na fila e cada jogador tem um número entre 2 e 3 de ações que pode fazer no turno. Essas ações consistem em geral em comprar uma carta, baixar uma carta pagando custo, fazer uma ação da carta etc. Até aí nada de inovador né?
O que o jogo entrega de interessantíssimo para mim é a condição de final de jogo. Em todos os jogos da série Pax, o que dá ponto de vitória não é definido pelo setup ou pelas regras do jogo apenas, mas sim pelas escolhas dos próprios jogadores. Mas como assim?
Bem, durante a partida existem, digamos, 5 coisas que PODEM dar pontos quando as cartas de pontuação saem nas fileiras de cartas abertas. Mas o que de fato vai dar ponto ou a vitória quando elas pontuarem vai depender de algo que muda(várias vezes) durante o jogo. Vou dar exemplo para você entender melhor.
Em Pax Porfiriana existem 4 Regimes políticos que podem estar em jogo. Se os jogadores estiverem jogando de forma mais agressiva, utilizando-se de Bandidos para atacar os estabelecimentos dos jogadores, é provável que isso mude o regime de Paz para Anarquia. E se o jogo acabar no momento que tiver esse regime, ganha o jogo o jogador que tiver mais pontos de Revolução (token rosa). Mas se alguém, que tem zero ponto de prestígio rosa, mas tem ponto de prestígio de Comando e vê a carta de pontuação, ele pode começar a jogar cartas de invasão de tropas militares para tentar mudar o regime para Lei Marcial onde o que pontua são os pontos de Comando. E se as 4 cartas de pontuação entrarem em jogo e ninguém tiver a maioria de pontos de prestigio de um tipo o suficiente para vencer Porfírio Diaz, então o ditador mexicano não é derrotado e ganha o jogo quem tem mais ouro.
Deu para entender a complexidade? Ainda que o jogo não inclua conflito direto (nem todos incluem) você tem que sempre ficar prestando atenção no teu jogo e no jogo do adversário por que provavelmente cada jogador só tem 1 das condições onde ele é capaz de vencer. E o tempo todo a pessoa está tentando casar o momento em que cumpre as condições de vitória com a capacidade de acabar o jogo. Por isso, as vezes, apenas mudar o regime e comprar a carta de pontuação te dá o controle do que pontua naquele momento e pode garantir ou a sua vitória ou que ninguém ganhe, até sair a próxima carta de pontuação. Pax Pamir por exemplo tem pontos e vence quem abre 4 de vantagem para os demais. Já Pax Porfiriana não tem ponto, você apenas checa se tem a condição de vitória. Transhumanity é um meio termo, você termina o jogo, define a condição de pontuação e conta quem tem mais pontos de vitória. De uma forma geral, você tem que jogar garantindo que o jogo acaba quando você pode vencê-lo.
E essa eterna tensão de saber o que fazer, tentar montar o plot do jogo para que você consiga comprar a carta de pontuação no momento certo que você consegue ganhar o jogo ou postergar até o final para vencer através da condição final é o que faz o jogo tão brilhante. Ele pode demorar 20 minutos ou 2 horas. Depende totalmente dos jogadores.
Alguns Pax como o Pamir e principamlente o Porfiriana tem conflito direto e não vai agradar todo mundo. O Porfiriana então, você provavelmente vai jogar alguma carta para destruir ou confiscar um estabelecimento do adversário. Mas isso não é verdade para todos.
O Pax Transhumanity (meu favorito até então) e pelo que eu vi (ainda não joguei), o Pax Emancipation também, não tem conflito direto. A interação é na disputa pelas cartas e na troca constante dos regimes para marcar o adversário. Há efeitos negativos mas els acontecem meio que de um jeito geral como efeito de cartas construidas. Tipo, ao pesquisar uma tecnologia de mundo desenvolvido, todos jogadores que não tenham contribuido para combater a pobreza do mundo perde um cubo. É menos "eu to indo lá chutar o seu castelinho de areia" como o Pax Porfiriana faz.
E se ainda não te convenci, veja só o tamanho dessa caixinha. Alguns deles, incluem uma edição de colecionador que vem com um tabuleiro que nada mais é que um organizador de cartas(essa tabuleiro do Porfiriana acima, é só para organizar a fila das cartas). Nada necessário. Pax Transhumanity, Pax Emancipation e Pax Porfiriana vem numa caixinha do tamanho de um perfume. O Pax Pamir vem numa caixa um pouco maior, do tamanho da caixa do Root, mas tudo isso por que inclui uma produção impar, com peças que parecem talhadas a mão e um tabuleiro de pano maravilhoso.

Agora, alguns avisos precisam ser feitos. Por sair do senso comum, a série Pax vem com regras e estilo de jogo que as vezes são contra-intuitivas e mais dificil de entender num primeiro momento. Isso explica por que o meu primeiro jogo demorou apenas 20 minutos e por que todos sairam frustrados achando que o jogo era quebrado. Ninguém entendeu direito como é que se pontuava e quando saiu a 1ª pontuação eu já tinha a condição de vitória sem que ninguém percebesse direito. Afinal, a gente sequer tinha decorado todas as condições de vitória de todas as situações do jogo. Aliás, isso é um problema constante. O tempo todo muda-se o regime e você tem que se lembrar: como que pontua mesmo? Por isso, a série Pax premia jogadores que insistem em jogá-las diversas vezes num período de tempo não tão longo. Ele funciona melhor para quem conhece o jogo, as estratégias e como se vence. E como o jogo se molda exclusivamente ao que os jogadores estão fazendo no tabuleiro (e em geral usam menos de metade das cartas que vem na caixa) ele tem rejogabilidade quase infinita.
As regras também não são as mais eleganhte. O jogo é do Phil Eklund (ou de algum dos seus filhos/irmãos) que é um engenheiro espacial/rocket scientist conhecido por estudar nos detalhes cada elemento que coloca tematicamente no seu jogo. Talvez seu jogo mais conhecido seja o High Frontiers que eu vou deixar apenas a
foto linkada aqui do tabuleiro para você entender o quão complexo é. Mas se vale de algo, os jogos da série Pax talvez sejam os mais tranquilos dele. E o Pax Pamir ou Porfiriana sejam os mais fáceis de se aprender.
De uma forma geral os Pax são jogos que até funcionam em 2 jogadores (principalmente o Transhumanity) e alguns com modo solo/coop (o Porfiriana eu sei que tem) mas que em geral por se basearem em interação, eles brilham ainda mais em contagem maior. Se nada disso te espantou ainda e você ficou intrigado, vou te dar um resumo dos 3 Pax que já joguei e o que me faz preferir cada um deles.
Pax Pamir 2ª Edição

Pax Pamir é provavelmente o jogo mais famosinho da série Pax. Isso por que a segunda edição foi revisada e lançada pelo Cole Werhle, nada mais nada menos que o autor de Root. Ele mistura um engine building/tableau building com controle de área para contar a história da disputa Britânica/Russa pelo controle do Afeganistão no século 19. O interessante dele é que você não joga como Russia, Grã-Bretanha ou Afeganistão, mas sim aliado a um deles. No jogo, pontua sempre a nação que está dominando o tabuleiro (dominar não é só ter maioria, há critérios) e vai ganhar pontos o jogador que tiver mais influência naquela nação. Então imagina que num jogo de 4 jogadores, você e outro jogador estão leais a Russia mas o outro tem mais influencia Russa que você. No momento de pontuar ele vai ganhar mais pontos. Você pode por exemplo mudar sua lealdade (não é só querer, tem que cumprir requisitos) para digamos, o Afeganistão e usar suas ações para por peças do Afeganistão no tabuleiro e tirar o dominio Russo dali para que a Russia não seja mais a nação que pontue nesse momento. É um jogo de controle de área que você pode mudar de time no meio do jogo e passar pro time que está ganhando se isso lhe convier.
Em Pax Pamir o jogo acaba assim que algum jogador abrir 4 pontos de vantagem para os demais. Simples assim. E se pontua como? A nação que domina o tabuleiro (mais peças que as outras duas juntas) pontua. Ganha acho que 4 pontos quem tem mais influencia da nação e 2 quem tem menos. E se nenhuma nação tiver dominancia? Aí pontua quem já tirou mais cilindros do tabuleiro de jogador.
Pax Transhumanity
Esse é o meu favorito, talvez por ser o mais euro deles e com menos conflito deles. Além disso eu curto muito o tema também. Todos nós representamos corporações ou investidores que querem construir um mundo utópico através de investimento em patentes e pesquisa que vão resolvendo problemas do mundo ou desenvolvendo o mesmo. O jogo tem 4 áreas: mundo desenvolvido, mundo em desenvolvimento, a nuvem e o espaço. De acordo com as ultimas 3 patentes pesquisadas o mundo estará em um regime específico. E ao resolver um problema como por exemplo, Fome no mundo desenvolvido, você coleta tokens que podem valer pontos no final do jogo caso o regime politico seja aquele que pontua o que você investiu.
O jogo é mais complexo de regras e de compreensão, mas ele tem um sistema de economia que acho brilhante e a dificuldade de gerar e gerir seus recursos que fazem dele meu favorito. É simplesmente impressionante que um jogo que consiste em basicamente 2 decks de carta, seja tão complexo, tão brilhante e de provenha uma experiência tão única. Dizem que o Pax Emancipation tem a mesma pegada mais euro de gestão de recursos e pouco ou nenhum conflito direto, mas esse eu ainda não joguei.
Pax Porfiriana
Esse é pra quem curte um dedo no toba e gritaria. É o mais porradaria da série. Mas assim, porradaria para um card game né. O jogo conta a história de homens de negócio no México que tentam derrubar o ditador Porfírio Dias no início do século XX. Ele tem um esquema de criação de tableau de cartas que melhoram seus poderes/receita parecido com o Pax Pamir. Mas aqui, você é incentivado o tempo todo de enviar Bandidos para destruir os estabelecimentos de outros jogadores ou tropas para “protegê-los” em troca de uma módica quantia. Isso é inclusive uma maneira de ganhar pontos de prestígio no jogo. Então, se você não curte alguém jogando em você uma carta que destrói seus planos, esse não é um jogo para você.
A condição de vitória são várias. Você pode ser o sucessor de Porfírio se mantiver a Paz Porfiriana e conseguir o domínio de Pontos de Lealdades; você pode causar a revolução tocar o terror em todo México e manter o regime de Anarquia; você pode se militarizar com muitas cartas de tropas e fazer o golpe de estado se o regime for de Lei Marcial ou ter vários pontos de Atentados para se aproveitar da Intervenção Americana.
De todos que eu joguei, é o que eu acho que tem mais efeito nas cartas jogadas. Tem mais uma coisa de tableau building, combar as cartas com as que você tem e com as que podem destruir seu adversário.
Os temas de Phil Eklund e a série Pax no Brasil
Se uma coisa que você pode esperar dos jogos do Phil Eklund é que tudo que está no jogo está extremamente bem pesquisado dentro do tema. Pode ficar tranquilo que todas as patentes do Pax Transhumanity existem de fato em pesquisa de algum lugar do mundo e cada personagem do Pax Pamir ou Porfiriana viveu um dia.
O manual é cheio de notas históricas para explicar o por que de cada coisa, que lembra um pouco os Card-driven games da GMT como Twilight Struggle nesse sentido. Quem já jogou o TS e viu o manual sabe que tem mais texto explicando a história do que explicando o jogo.
Esses jogos virem para o Brasil é ao mesmo tempo fácil e dificilimo. Fácil por que em termos de produção são jogos simples. Tirando o Pax Pamir que tem componentes premium, os demais são 2 decks de carta e uns 10 cubos de cada cor dentro de uma caixa pouco maior que uma latinha de Double. Nada mais! Tabuleiro é extra vendido separadamente e não é necessário para o jogo.
Por outro lado, por serem jogos mais complexos, com barreiras maiores de aprendizagem, acabam sendo nichos dentro do nicho e com isso tem um público bem limitado. E como contém muitas cartas com textos, precisariam de um trabalho de tradução.
A boa notícia é que a Mosaico tem investido nesses jogos de nicho, mais especificamente nos jogos da Sierra Madre Games. Se o lançamento nacionalizado de High Frontiers parecia completamente impossível e improvável no Brasil, mas vai acontecer, quem sabe em seguida eles não trazem os Pax? Resta pra gente torcer, ou se aproveitar do tamanho reduzido para pedir para aquele parente que está voltando de viagem ao exterior!