
Antes de qualquer coisa, como eu sei que talvez ocorram algumas reclamações a esse respeito, por isso eu quero pedir perdão, antecipadamente, pelo tamanho do texto, mas gostaria de lembrar que isso é um pequeno ensaio, o que, por definição, implica no uso de algum conteúdo e alguns argumentos, para defender adequadamente, os pontos aqui levantados. Vou inclusive abdicar do uso imagens (salvo a imagem de abertura), e ficar só com texto mesmo, para não aumentar, ainda mais, o que já está bem grande. Além disso, só para não deixar nenhuma dúvida nesse sentido, eu quero esclarecer que não tenho nenhum canal de board game, e com certeza nem pretendo ter, porque o que eu gosto mesmo é de jogar. Tampouco não possuo nenhum vínculo, de qualquer natureza (fora a relação de consumo, obviamente), com nenhuma editora de jogos ou canal de board game, principalmente aqueles que foram citados. Aliás, eu nem conheço pessoalmente os diversos produtores de conteúdo, mencionados adiante, mas somente o seu trabalho. Eu sou apenas um cara comum, igualzinho a cada um de vocês, que está lendo esse texto, que gosta de board games, que joga board games, que assiste canais de board games, que de vez em quando, pára e pensa um pouco sobre board games, e através dos seus escritos, convida as pessoas a fazerem o mesmo.
Dito isso, quando uma pessoa inicia uma atividade qualquer, é natural que ela busque a orientação e algumas dicas de outras pessoas, que tenham mais tempo de estrada, que sejam mais experientes, e conheçam melhor aquela atividade. Isso também acontece no mundo dos jogos de tabuleiro modernos. Existem algumas pessoas, dentro dessa restrita comunidade de jogadores, que já jogam esse tipo de jogo, desde 1995, quando o “Colonizadores de Catan” foi lançado, e deu início a tudo isso por aí, alguns começaram até mesmo antes disso. Muitas dessas pessoas têm coleções de jogos gigantescas, construídas ao longo de décadas, que estão sempre viajando para as feiras internacionais, e como não poderia deixar de ser, algumas delas criaram canais de board games, para poder passar um pouco da sua experiência.
Por mais que muita gente discorde, ou se recuse a reconhecer, o fato é que board games são artigos de luxo, direcionados para um grupo muito restrito de pessoas e completamente supérfluos, em relação às necessidades básicas cotidianas (se você não concorda, experimente perguntar a um amigo ou parente de fora desse meio, o que ele acha da idéia de pagar R$ 700,00 reais no Twilight Imperium e mais R$ 700,00 na sua expansão, principalmente nesses tempos de pandemia e economia em frangalhos, para você ver a resposta). Por isso, como as editoras de board games atuam em um mercado muito restrito, é natural que essas empresas não tivessem acesso à grande mídia, e por isso voltassem os seus olhos, aos canais de board games, como a principal ferramenta de divulgação dos seus produtos. Entretanto, certamente, ninguém que hoje tem um canal de board game de sucesso, começou achando que isso seria uma forma de ficar rico, de uma maneira muito agradável (jogando e falando sobre board games), e que logo após os primeiros vídeos, as editoras viriam correndo, despejar rios de dinheiro, em cima dos produtores de conteúdo. Muito pelo contrário, todos eles começaram de forma despretensiosa, produzindo vídeos sobre um assunto do qual eles gostavam bastante, e conheciam um bocado, que são os jogos de tabuleiro modernos.
Mesmo hoje, os canais de board game não são as minas de ouro que as pessoas imaginam, e, ao contrário do que se pensa, é até fácil de averiguar isso. Alguns meses atrás, eu assisti a uma entrevista do Jack Explicador, em que ele fala claramente que, para ele, o hobby apenas se paga, mas que não gera nenhuma receita extra “nababesca”, capaz de fazê-lo largar sua profissão e viver só disso. Logo em seguida, ele dá um dado muito interessante, que inclusive qualquer um pode conferir, e ver que é verdade. O Jack Explicador é o titular do canal Meeple TV, o canal de board game mais bem sucedido do país, e que já atingiu a incrível marca de 3.000.000 de visualizações. O problema é que para atingir essa marca, o Jack Explicador teve que produzir mais de 1.000 vídeos sobre board games. Agora, só para comparar, basta você abrir outra aba no seu navegador, pode fazer isso até agora mesmo, entrar no Youtube, procurar por algum vídeo do tipo “detonado” de algum dos jogos de maior sucesso do Playstation. Fazendo isso, dá para ver que, em apenas um único vídeo, praticamente sem produção nem nada, um adolescente comum consegue a mesma quantidade de visualizações, que o Jack Explicador teve que fazer 1.000 vídeos para atingir, e todos eles com produção, custo e etc. Não dá para ter dúvida, em qual dos dois canais, uma empresa querendo divulgar a sua marca, vai investir o seu orçamento de marketing e divulgação. Do mesmo modo, no caso dos canais de board games “Covil dos Jogos”, do Paulo, Jean, Pikachu e Karine, e “After Match” do Fabrício, as empresas que apóiam esses canais são, respectivamente, as lojas “Play Easy” e “Rebel Games”, de Belo Horizonte e “Loja Red” e “Estante 42”, do Rio de Janeiro. Notem que não estamos falando de nenhuma instituição bancária, nenhuma megacorporação de refrigerantes, nenhuma cadeia de lojas de varejo, nem de nenhum gigante do ramo alimentício ou do setor de cosméticos (haja criatividade para não citar as marcas). Essas empresas, que apóiam os canais, são lojas pequenas, conhecidas apenas dentro do nosso diminuto mundo dos jogos de tabuleiro modernos. Consequentemente, elas até gostariam de ter “dinheiro a rodo” para gastar em divulgação, mas não é esse o caso. Até as próprias editoras não geram receitas milionárias como se pode pensar, porque, para se ter uma idéia, até pouco tempo atrás, somente Galápagos e Devir conseguiam ter um lucro suficiente, para que seus sócios vivessem exclusivamente de board games, e nada indica que esse quadro tenha mudado. Sem falar que isso só acontece, porque a Galápagos faz parte de um conglomerado internacional de board games, que é o Grupo Asmodee, e a Devir é uma empresa com mais de 30 anos de experiência, no ramo de HQ/RPG, atualmente trabalhando com jogos de tabuleiro. Na grande maioria dos casos, as pessoas por trás das demais editoras, precisam exercer outras atividades profissionais, para garantir o seu sustento, e os board games representam apenas uma complementação de renda.
Quem realmente ganha um dinheiro forte, com jogos de tabuleiro no Brasil, são Grow e Estrela, que trabalham com tiragens de 50.000 cópias anuais, de um único jogo. No outro extremo estão as editoras de board games modernos, que produzem em média, tiragens totais de seus jogos, na faixa de 1.000 a 2.500 unidades (um ou outro jogo tem tiragens maiores, mas isso é raro, segundo algumas editoras), e essa ainda é a tiragem total do jogo, e não o quanto ele é produzido por ano. Portanto, comparadas com Grow e Estrela, as editoras de board games trabalham quase que num esquema artesanal de produção, e qualquer produto, comercializado em uma escala tão pequena, dificilmente será capaz de gerar as somas astronômicas, que se pode pensar a priori. Esse atual esquema de produção, do mercado nacional de board games, é o extremo oposto, do princípio que transformou a China, nessa atual superpotência econômica. Em menos de trinta anos, o país do “ching-ling”, como a China era ofensiva e pejorativamente tratada, passou de uma nação basicamente agrária, anacrônica, cuja única importância era seu poderio militar nuclear, e que era sinônimo de “cópia pirata vagabunda”, para uma sociedade moderna, industrializada e respeitada, capaz de disputar o papel de principal economia mundial, em igualdade de condições com os EUA. Esse verdadeiro “milagre econômico” foi conseguido com base na receita de produzir em escala gigantesca, vender o mais barato possível, inviabilizando a concorrência, e ganhar na quantidade, e imenso volume, de produtos vendidos. Essa deveria ser a estratégia das editoras nacionais, ou seja, procurar baratear os custos de produção, transferir essa eventual economia para os preços, para assim, aumentar as tiragens, vendendo cada vez mais jogos, e por um preço cada vez menor, atraindo assim mais consumidores, o que aumenta a produção e as tiragens, o que leva à redução do preço dos jogos, e assim por diante. Vejam vocês, que essa idéia não é minha não, quem pensa assim e, principalmente faz assim, são os chineses, e olhem até onde eles chegaram, com esse raciocínio. Retornando para o nosso mercado doméstico, se as editoras já não lucram tanto, as lojas lucram menos ainda, e os canais de board games então, certamente não são motivados pelo dinheiro, que essa atividade rende. Por isso, a verdade é que boa parte das pessoas que trabalham no setor nacional de board games, ainda é composta muito mais por entusiastas, do que por profissionais, e isso talvez até explique a quantidade de erros, alguns mais graves, outros nem tanto, que têm acontecido nos últimos lançamentos. Se esse retorno econômico, “não tão grande assim”, ocorre em relação às editoras, obviamente que essa situação é ainda mais intensa, entre os canais de jogos de tabuleiro, e seus respectivos produtores de conteúdo.
Desse modo, os canais de board games são tocados por pessoas que realmente gostam do hobby, que se dedicam a ele, e que trabalham para que ele cresça. Porém, é claro que essas pessoas não estão nessa, por mero amor à causa, ou apenas por esporte, e que é evidente que existe algum ganho, pelo menos em algum nível. O mais comum é que as editoras mandem alguns jogos de graça para os produtores de conteúdo, até para que eles tenham material para produzirem seus vídeos, e colocar nos canais. No caso das propagandas de lojas, e dos grupos de apoiadores, aí já entra algum dinheiro, mas que boa parte é gasta em custos de produção, como material de filmagem, iluminação, edição de áudio, edição de vídeo, entre outras despesas. Isso porque essas funções são exercidas por profissionais, que também não trabalham de graça. Possivelmente o único grande canal de board game, que não tem praticamente custo algum, é o “Direto ao Ponto”, do Alan Farias. Os vídeos desse canal são gravados em um quarto da casa do produtor, com iluminação natural, sem roteiro, sem edição de áudio nem de vídeo, usando a câmera de um celular, da forma mais minimalista possível. Mas isso não quer dizer que os vídeos do canal não tenham qualidade, muito pelo contrário, porque o conteúdo é excelente, muito instrutivo e bastante objetivo, como o próprio nome já diz. Só que esse formato tem algumas graves limitações, porque nessa situação, não é possível fazer um vídeo de unboxing, não dá para fazer um gameplay, não dá para mostrar o jogo montado em uma mesa, muito menos se aprofundar nas regras, e nem é essa a proposta do canal. Para produzir esse tipo de conteúdo a mais, é necessária uma estrutura muito maior e muito mais cara, e não é esse o caso aqui. Assim, o mercado de board games está estruturado da seguinte forma, as editoras mandam cópias gratuitas para os canais de board games, para que estes façam a divulgação e incentivem as pessoas a comprarem esses jogos. Tanto assim é, que boa parte das vezes, os canais de board games recebem os jogos, antes mesmo do seu lançamento oficial e da sua disponibilidade nas lojas, como foi o caso do recente Splendor Marvel. Os produtores de conteúdo, por sua vez, utilizam esse material para fazerem os vídeos que alimentam seus respectivos canais, consequentemente atraindo mais visualizações, o que acaba atraindo mais apoiadores, e fortalecendo o patrocínio das lojas anunciantes, e é dessa forma que o canal sobrevive.
Portanto, existe, inegavelmente, um forte vínculo entre as editoras e os canais de board games, o que compromete muito a sua objetividade e imparcialidade. Por tal razão, um canal de board game, por mais bem intencionado que seja, jamais vai falar mal ou apontar os erros nos jogos de uma editora, por mais berrantes que eles sejam. O Jack Explicador já foi contratado da Conclave, e o Alan Farias atualmente trabalha na Galápagos, então não dá para esperar uma opinião pública, neutra e imparcial dessas pessoas, em relação a essas empresas. E mesmo dos canais de board games, cujos produtores de conteúdo não trabalhem em alguma editora, também não dá para esperar uma postura mais crítica. Porque se eles criticarem as editoras de forma justa e imparcial, simplesmente elas não vão mais mandar jogos antes do lançamento, de forma que para continuar produzindo conteúdo, os canais terão de comprar esses jogos. Isso os colocaria em clara desvantagem, perante os demais canais, que continuariam recebendo jogos antes do lançamento e poderiam continuar a produzir e publicar primeiro, os vídeos de unboxing, resenhas e partidas. Todos sabem que não se deve morder a mão que te alimenta, nem a editora que te manda jogos para que você possa produzir conteúdo. Um exemplo que ilustra muito bem esse tema é o caso da expansão “Twilight Imperium – Profecia dos Reis”, que, a essa altura, todo mundo já sabe que veio com um erro grotesco de português, na lateral da caixa do jogo, na qual está escrito “ENPANSÃO”. E olhe que essa expansão foi lançada custando mais de R$ 700,00, ou seja, o preço é de padrão internacional, mas a qualidade da revisão... Pois bem, o Jack Explicador fez não apenas um, mas dois vídeos sobre essa expansão, um unboxing e uma resenha, e “estrategicamente” não tocou no assunto desse erro, totalmente estapafúrdio, obviamente seguindo a orientação da Galápagos. Esse erro não foi mencionado, nem para dizer que, ele foi uma escorregadela que acontece, ou para justificar que apesar dele ficar “feio na fita”, não afeta em nada a jogabilidade, nem qualquer outra desculpa esfarrapada de praxe. E olhe que além desse erro grosseiro, existem ainda outros erros de tradução, em algumas cartas, que efetivamente afetam a jogabilidade, e para os quais até o presente momento, pelo menos, ainda não foi apresentada, nenhuma justificativa, nenhuma mea culpa por parte da editora, nem tampouco qualquer palavra a respeito de reposição das cartas com defeitos. A julgar pelo modus operandi da Galápagos, ou, eu muito me engano, mas vai ser isso mesmo, ou seja, quem comprou essa expansão caríssima, que jogue com as cartas errdas desse jeito mesmo, e fiquem felizes pela editora ter feito o favor, de lançar a expansão.
Do mesmo modo, e pelo mesmo motivo, não espere que algum canal de board game vá colocar algum representante de editora “contra a parede”, durante uma live, fazendo alguma pergunta mais contundente ou polêmica, para a qual, o referido representante não esteja preparado. Para quem não sabe, não apenas em uma live de board game, mas geralmente em qualquer programa de entrevistas, as perguntas do entrevistador são submetidas previamente à assessoria do entrevistado. Portanto, a menos que as coisas mudem bastante, você nunca vai ouvir em uma live, alguém perguntar a um representante da Conclave, da Galápagos, ou qualquer outra assemelhada: “Olha, considerando o histórico das grandes editoras de jogos, que tipo de erro os jogadores podem esperar para os próximos lançamentos nacionais?” ou algo como “Sabe aquele jogo que, alguns anos atrás, vocês lançaram com erros no tabuleiro, nas cartas, nos componentes e até no manual, e do qual vocês já nem falam mais, pois é, algum dia vocês vão repor esse material defeituoso, ou vão continuar fingindo que isso não aconteceu, até o jogo cair no esquecimento?”. E mesmo que alguém pergunte isso no chat da live, obviamente que o entrevistador vai ignorar por completo uma pergunta, ou comentário desses. Evidentemente, que essa atitude da, digamos assim, mídia especializada, em inibir os questionamentos mais polêmicos, não deve excluir a crítica bem fundamentada, e principalmente respeitosa, que deve continuar sendo feita. Até porque, evidentemente que qualquer atividade humana está sujeita a erros, e certamente, as editoras não lançam produtos com defeitos, de propósito, mas ignorar que esses erros ocorreram, e não resolver essas “lambanças” que elas próprias fizeram, isso sim é feito de propósito pelas editoras, e, infelizmente, está se tornado cada vez mais comum, o que precisa ser denunciado e criticado pela comunidade boardgamer, sempre que isso ocorrer. Todavia, se é muito importante criticar responsavelmente os erros, também é fundamental evitar ao máximo as manifestações rasas e infundadas, bem como os xingamentos pueris e desrespeitosos, porque isso facilita bastante desviar o assunto e tratar tudo, mesmo as críticas sérias e bem feitas, como coisa de “hatter”. Um exemplo disso é o que ocorreu na Live Nórdica 169, do Covil dos Jogos, com a presença do Alan Farias e do Lucas, ambos da Galápagos, e do designer Fel Barros, no qual esse último, em um momento muito infeliz, resolveu fazer uma média com a editora, ao final do vídeo, e reduzir as críticas válidas, envolvendo preços e erros grosseiros, como se tudo fosse “coisa de hatter” e de “destiladores de ódio”. Como não existe nada ruim, que não se possa piorar, o Fel Barros, ainda acrescentou que o mundo precisa “dividir mais amor”, e que se a pessoa não gostou de alguma postura, ou algum erro da editora, que comentasse com os amigos, e deixasse as redes sociais, Youtube e Ludopedia, apenas para bater palmas e louvar os méritos e acertos das empresas. E o Alan Farias ainda endossou esse entendimento tão equivocado, pelo menos no meu modo de pensar. Em outras palavras, quando a editora acerta então todo mundo tem que ir para Internet dar os parabéns, mas quando ela erra, e erra feio, aí é melhor todo mundo ficar calado, ou só comentar com um ou outro amigo e fingir que o erro não aconteceu. Se isso não é uma opinião totalmente comprometida, suspeita e parcial, então eu não sei o que é.
Voltando a questão do apoio das editoras, antes que alguém resolva sair correndo para criar, hoje mesmo, um novo canal de board game, achando que no mês que vem já vai receber jogos de graça, é bom saber que as coisas não são tão fáceis assim. Os jogos gratuitos, principalmente lançamentos, são enviados apenas para os canais mais famosos, com mais inscritos, com mais visualizações. Só que, as vezes, os pretensos produtores de conteúdo iniciantes, esquecem que as equipes dos grandes canais de board games, antes de receberem jogos de graça, tiveram de ralar um bocado, durante anos, até construírem e conquistarem a audiência, reputação e relevância que eles possuem hoje, a ponto de poderem receber gratuitamente, alguns jogos das editoras. Além disso, possivelmente, não são todos os jogos que a editora lança no mercado, que ela envia uma cópia para o canal de board game. Isso normalmente acontece com os grandes lançamentos, justamente aqueles que as editoras querem que tenham ampla divulgação. Em outros casos, a editora não dá o jogo gratuito, mas vende com expressivos descontos, ou pelo menos é isso que dizem os próprios produtores de conteúdo, e é bastante razoável acreditar que as coisas funcionem desse jeito.
“Bom, então já que os canais de board games têm esse vínculo fortíssimo com as editoras, desse momento em diante, devemos considerar todos os canais uns “vendidos”, que comem na mão das empresas, também devemos nos “desinscrever” dos mesmos, cancelar nossos apoios e nunca mais assistir seus vídeos, nem curtir suas postagens nas redes sociais e fóruns de board game, porque é isso que esses “mercenários” merecem?”.
É ÓBVIO QUE NÃO!!!!!!
Como foi dito anteriormente, os canais de board games e a produção de conteúdo são feitos por pessoas sérias, compromissadas e fundamentais para o crescimento do hobby, e que também são muito importantes para o mercado de board games, e continuarão sendo, por muito tempo. Que atire a primeira pedra, aquele que nunca assistiu a um vídeo de gameplay, ou resenha, antes de gastar uma grana alta, em um jogo de tabuleiro desconhecido. Assim sendo, não resta nenhuma dúvida, de que sem os canais de board games, certamente, o cenário nacional, de jogos de tabuleiro modernos, não teria chegado ao lugar em que chegou. O equívoco talvez esteja no papel que as pessoas atribuem a esses canais. Só para ilustrar, basta pensar na jornalista e apresentadora Fátima Bernardes. Quando ela era âncora do mais importante telejornal da TV brasileira, ela não podia ser garota-propaganda de nenhuma marca, porque as pessoas precisavam enxergar, através dela, a postura objetiva e imparcial, do telejornal que ela apresentava. No momento em que ela saiu do telejornal, para apresentar um programa de variedades, na mesma hora ela se tornou a garota-propaganda de uma conhecida marca, de produtos alimentícios. Nem os mais ingênuos, podem ter qualquer ilusão, de que, nos comerciais da empresa, a apresentadora esteja realmente dando sua opinião, pessoal, sob o produto anunciado. Isso, porque ela está sendo paga, não para dizer a verdade, daquilo que pensa, mas sim para emprestar ao produto toda a sua credibilidade, construída ao longo de anos, como jornalista, e para falar o texto da propaganda, independete dela acreditar nele, ou não. Isso é mais ou menos o que ocorreu com aquela outra famosa apresentadora loira, de programas infantis, que aconselhava os filhos, dos outros, a beberem refresco de pozinho, mas dava apenas suco natural para sua filha. Esse também é o mesmo caso daquele famoso cantor romântico, dos especiais de fim de ano e dos cruzeiros com emoções em alto mar, que durante décadas foi vegetariano, mas mediante uma oferta milionária, resolveu declarar publicamente que voltou a comer carne, e fez até um comercial de uma empresa do setor, elogiando um belo prato de filé, mas sem nem tocar e muito menos experimentar o bife. Por outro lado, quando a Fátima Bernardes anuncia, que determinada empresa, acabou de lançar uma linha de produtos com menos sódio, essa informação pode ser muito importante, principalmente para pessoas com problemas de hipertensão. Mas cabe, somente a essas pessoas, averiguarem se a informação veiculada no comercial procede, se esse novo produto é realmente bom para elas, e por fim, se elas devem comprá-lo ou não. Com um canal de board game acontece mais ou menos a mesma coisa (embora certamente o “cachê” não seja o mesmo). Desse modo, ao invés de considerar que o papel daquele vídeo é dizer, se o jogo é bom ou não, faz mais sentido considerar, que o referido vídeo está, na verdade, apresentando um novo jogo ou expansão. Até porque, a editora manda o jogo para o canal, para que o produtor de conteúdo fale bem do jogo, e não para que suas eventuais falhas sejam apontadas (por mais graves que sejam). É assim que o mercado de board games funciona, gostem disso, ou não. O mais próximo de uma opinião imparcial, que os canais de board game podem chegar, é não fazer vídeos dos jogos que eles não gostem e achem ruins, ou, ainda quando eles fazem os famosos vídeos de Top 5, Top 10, Top 100, no qual eles selecionam dentro de um conjunto, em que todos os jogos são bons, quais aqueles que eles julgam ser melhores. Outro exemplo é o tipo de vídeo comparativo, como o “Vou de Qual Jogo?”, do Paladino Monge da BGG II, no qual ele compara dois jogos bons, e similares, e ao final dá o seu veredicto sobre qual deles é melhor, e porque ele é melhor.
Além desse papel de divulgação de jogos, os canais de board games também exercem outra função, tão importante quanto, ou talvez até mais importante ainda, que é ensinar como se joga corretamente o jogo. Nesse caso, a influência do vínculo entre canal e editora é muito mitigada, porque não adianta o produtor de conteúdo repetir exaustivamente, ao longo do vídeo da partida, o quanto o jogo é legal e divertido, o quanto o jogo é bem conceituado, quantos prêmios ele recebeu, e nem o quanto ele é obrigatório em qualquer coleção de jogos (o que é uma enorme bobagem, porque jogo obrigatório para qualquer um não existe). Nada disso vai valer coisa alguma, se a pessoa que estiver assistindo não gostar do jogo, ou achar que ele é bom, mas não se adéqua ao seu perfil. Tudo que o produtor de conteúdo pode fazer é explicar o board game, da melhor forma possível e esperar que o próprio jogo “faça a sua mágica”, e conquiste o expectador, através das suas próprias qualidades. Recentemente, eu me interessei por dois jogos “A Tripulação (The Crew)” e “Marrakech“, e, por isso, assisti aos vídeos de gameplay, respectivamente, do Mister Emerson (The Gamefather), e do Jack Explicador (Meeple TV). Depois disso, fui ao BGA, experimentar os dois jogos, e, apesar deles serem ótimos, e muito bem indicados pelos produtores de conteúdo, percebi que, mesmo sendo dois jogos bons, o “The Crew” inclusive venceu o Kennerspiel de Jahres de 2020 (Jogo do Ano para Especialistas), mesmo assim, nenhum dos dois jogos combinava com o meu gosto pessoal. Se eu fosse considerar a opinião dos dois canais como definitivas, em termos de jogo bom ou jogo ruim, eu teria comprado dois jogos, que no final não me agradariam. No entanto, pesquisando sobre esses dois jogos, acabei descobrindo os vídeos de gameplay, de dois outros board games, o “Blacksmith Brothers” e o “Kingsburg”, em vídeos do Covil dos Jogos, da Meeple TV, e do After Match do Fabrício, que me chamaram muito a atenção. Em seguida, consegui cópias emprestadas, experimentei os jogos e acabei comprando todos os dois. Fiz isso, não porque os canais de board games me indicaram, mas sim porque, com base naquilo que me foi apresentado e que despertou meu interesse, fui me informar melhor a respeito, pensei e decidi, por mim mesmo, comprar todos os dois, e estou muito satisfeito com as duas compras.
Para concluir, antes de começar a “tacar pedra” nos canais de board games, porque no vídeo do review, “eles não avisaram dos graves defeitos daquele jogo, e ainda indicaram a compra”, ou porque “naquela live, eles não pressionaram devidamente, o representante da editora, pelos erros grosseiros, cometidos nos últimos lançamentos da empresa”, talvez seja mais sábio e apropriado começar a ver os canais de board games, como aquilo que eles realmente são e o papel que efetivamente representam, ou seja, muito mais como instrumentos de divulgação dos jogos e das notícias sobre o hobby, do que “formadores de opinião”, sobre os jogos de tabuleiro e o mercado de board games.
Um abraço e boas jogatinas.
Iuri Buscácio