ARCS - O Pau Que Bate No Chico, Mas Não Bate No Francisco...
Caros Boardgamers
Recentemente, passei algum tempo afastado, sem poder escrever aqui no Ludopedia. Acabei pegando um gancho de 30 dias, por motivos de força maior, que não cabe aqui comentar. Mas essas férias forçadas foram boas porque eu pude visitar alguns parentes distantes lá em Quixeramobim, e acabei descobrindo que a Tia Marieta e o Tio Chico se divorciaram anos atrás depois de 30 anos de casamento. Para vocês verem a quanto tempo eu não vou lá...
Fora isso, eu também pude repensar bastante a forma como eu vivencio o hobby dos jogos de tabuleiro. Durante anos eu fui um ardoroso defensor de que os compradores fossem mais respeitados, que as editoras investissem mais em controle de qualidade, e que eventuais erros fossem corrigidos e componentes defeituosos fossem repostos. A grande questão é que por mais que eu, e mais alguns “Brancaleones do Board Game”, defendêssemos isso fervorosamente, a cada ano que passava, os mesmo problemas se repetiam com a regularidade de um relógio suíço. As empresas continuaram a lançar jogos com tradução ruim e erros grosseiros de produção. Essas grandes editoras também continuaram enrolando até tudo cair no esquecimento, e até em alguns casos admitir de uma vez que não iriam consertar nada porque, na opinião delas, aqueles eram erros menores. Algumas simplesmente silenciavam a respeito do jogo, e nunca mais tocavam no assunto. A postura de boa parte da comunidade boardgamer também continuou a mesma, ou seja, uns poucos reclamavam e devolviam o jogo, mas a maioria, salvo raríssimas exceções, ficava com o jogo do jeito que estava mesmo, e ou consertava por conta própria quando isso fosse possível, ou se convencia de que as editoras estavam corretas e que realmente os problemas “não afetavam a jogabilidade”.
O fato de tanta gente se sujeitar a esse tipo de expediente começou a me deixar com uma pulga atrás da orelha. Quando todo mundo pensa de um jeito e praticamente só você pensa diferente, sempre há aquela possibilidade de que o errado seja você e não os outros, muito embora isso não seja uma certeza absoluta em 100% dos casos. Assim sendo, depois de muito matutar, eu resolvi dar uma guinada de 180º no meu entendimento e adotar a Teologia do Não Altera a Jogabilidade. Com isso eu comecei a encarar aqueles erros de produção, como “pequenos detalhes”, por mais grosseiros que eles fossem. E se eu tivesse de pagar caríssimo por um jogo e receber um produto com defeito, o que é que tem? O que importa é que eu passaria a ter um “novo melhor jogo de todos os tempos da semana”, para chamar de meu, e que inclusive é obrigatório em qualquer coleção, igualzinho me disse o rapaz naquele vídeo daquele canal de board games, que eu não consigo lembrar o nome, afinal eles são centenas, não é mesmo!?!?
Imagem: Para alguns um pequeno erro é apenas um pequeno erro, mas para outros um mesmo pequeno erro é inaceitável.
Munido dessa nova maneira de pensar, eu entrei no site de uma loja e tentei comprar um jogo que estava anunciado, mas não conseguia finalizar a compra de jeito nenhum. Depois de muito penar eu consegui falar com o atendente da loja e expliquei o meu problema. O jogo custava 500 reais, mas quando eu tentava fazer o PIX, escrevendo exatamente o preço a conta não fechava.
Eu repeti uma dezena de vezes 5,00, que até onde todo mundo sabe é quinhentos, ou seja, um 5 acompanhado de dois 00. Quando eu falei com o atendente ele me disse que estava errado, porque, com a vírgula, era 5 e não 500 reais. Só que aí eu usei o mesmo argumento que as editoras usam, e com o qual muita gente concorda e acata (e ainda reclama de quem reclama). O jogo que eu queria comprar também tinha um defeito, porque no tabuleiro onde deveria estar escrito o nome XYZ estava escrito ZYX, e a editora me dizia que isso não tinha problema. Logo por uma questão de igualdade e tratamento isonômico, quando eu escrevia 5,00, o site da loja deveria entender e aceitar que na verdade aquilo era 500, que é praticamente a mesma coisa, salvo pelo pequeno detalhe da vírgula.
Imagem: Exemplo da "Solução do Adesivo" que funciona, mas só quando é a editora que está impondo isso ao comprador
Infelizmente, no meu caso esse pequeno detalhe, por menor que fosse fez uma enorme diferença e eu não consegui comprar o jogo na loja on-line. Mas eu não me deixei abalar e adotei uma nova estratégia, resolvendo o comprar o jogo direto na loja física. Quando eu cheguei lá, vi que o jogo custava os mesmo 500 reais da outra loja on-line. Peguei uma cópia na prateleira, e me dirigi ao caixa com toda a confiança, de quem tinha a certeza de que seria compreendido daquela vez. Abri a carteira, saquei uma nota de 50 pratas e coloquei bem em frente ao atendente. Ele me olhou com cara de paisagem, sem entender nada, e por fim me disse que o jogo custava 500 e não 50. Eu que sou um rapaz educado pedi desculpas e fiz exatamente o que as editoras fazem com seus compradores. Peguei uma etiqueta, escrevi “500” e colei em cima do “50” da nota, imaginando que isso resolveria a questão. Novamente, porque para as grandes editoras essa solução é mais do que suficiente, para resolver os erros dos jogos de tabuleiro. Para a minha surpresa, o atendente agiu de forma diametralmente oposta, ao que faz grande parte dos compradores de jogos. Ele não aceitou a “solução da etiqueta” e se recusou a me vender o jogo.
Imagem: Exemplo da "Solução do Adesivo" que NÃO funciona, mas só quando é do comprador para a editora/loja
Isso me deixou com uma dúvida muito grande. Eu sinceramente não entendi porque é que as soluções mais utilizadas, e aceitas, pelas grandes editoras nacionais de jogos, não funcionaram, quando aplicadas no sentido inverso, ou seja, do comprador para empresas ao invés das empresas para os compradores.
Pode ser que devido à minha pouca experiência com esse esquema “pague caro, aceite os erros grosseiros e seja feliz com o seu jogo em português”, eu não tenha utilizado as estratégias corretamente. Por isso eu peço a gentileza dos companheiros aqui do site, que estejam mais acostumados a agir dessa forma, e a aceitar essas soluções, que, por favor, me expliquem porque a estratégia do “um pequeno erro que não afeta a pagabilidade” e nem mesmo a “solução do adesivo”, que transforma erro em acerto, não funcionaram no meu caso.
Colabora comigo aí galera!
Um forte abraço e boas jogatinas!
Iuri Buscácio