Começando...
Em meio a muitos jogos novos na SPIEL.digital 2020, curiosamente teve um que eu não vi ninguém comentando. Eu digo
curiosamente porque
Oltréé tem autoria de
Antoine Bauza (dos famosos 7 Wonders, Takenoko, Tokaido, Hanabi e o mais recente Draftossaurus) e é um ótimo exemplar de
diversão.
Oltréé é um jogo
cooperativo e narrativo baseado no RPG francês homônimo de John Grümph. A história se passa num
mundo de fantasia medieval que precisa se reerguer e os
jogadores são cavaleiros de uma Corporação — ou Ordem — cujo objetivo é
ajudar as Comunidades do Reino. No caso, os jogadores exploram lugares selvagens, (re)constroem edifícios e pontes, e protegem os habitantes de seres maléficos para manter a esperança de todos acesa rumo a um mundo melhor.
Particularmente, eu joguei uma partida de Oltréé e é esta impressão única que eu consigo trazer a vocês e, quem sabe, despertar seus interesses para este jogo que já cheira a sucesso.
O básico sobre Oltréé
Oltréé possui as seguintes características principais (os nomes mencionados a seguir não são oficiais, uma vez que o jogo ainda não foi lançado):
. Atende de
2 a 4 jogadores, cada qual sendo um cavaleiro com uma só habilidade especial.
. Uma partida consiste em
jogar um cenário específico. Existirão vários cenários, mas não há uma campanha propriamente dita.
. O
tabuleiro principal (figura abaixo) possui uma
Fortaleza para reconstrução (na área central), e oito
Comunidades (no entorno da Fortaleza).
. Na
Fortaleza, pode-se
construir torres (nos quatro cantos, para proteção) e
edifícios (na parte interna, para fornecer recursos e habilidades extras), bem como
abrigar os recursos. Nas laterais, ainda há o contador de
defesa e “
moral” — coloquei aspas porque é um termo que resume seus significados para o jogo.
. Nas
Comunidades, pode-se obter
recursos, ir em busca de
Aventuras ou resolver
Problemas que aparecem constantemente.
. No
tabuleiro auxiliar (acima do tabuleiro principal na figura anterior), existe:
objetivos (secundários) da partida, o
Livro de Crônicas (cartas azuis que representam as suas páginas e são a narrativa/desafios do cenário), cartas de
Aventura (verdes e amarelas), cartas de
Problemas (vermelhas) e cartas de
Efeitos Temporários (mais à direita).
.
Fichas de edifícios e alguns tipos de recursos e marcadores (de cada lado do tabuleiro principal na figura acima).
. Cinco
dados D6 (com símbolos) para combate e para determinar o
andamento da história, e um
dado D8 (com números de 1 a 8) para
indicar uma Comunidade que será influenciada.
Como o jogo se desenrola?
O jogo roda em
turnos. Um turno constitui-se de
duas fases para cada jogador: primeiro, rola-se um D6 para verificar o andamento da história; depois, o jogador faz
duas ações relacionadas ao lugar onde está: se na Fortaleza, se na Comunidade — e não pode repetir a mesma ação.
O D6 do andamento da história (com zero a duas setas) movimenta o marcador preto no tabuleiro auxiliar, portanto, a
narrativa pode ir
mais rápida ou devagar. Esse D6 determina se:
. Uma
nova página das Crônicas é virada: aqui, os jogadores conhecem um capítulo da narrativa, com novos desafios e como se pode os resolver — é o famoso “
quando o tabuleiro joga”. Os jogadores
não sabem ao certo como vencer o cenário, mas as Crônicas indicarão o momento certo disso.
. Uma
nova Aventura (cartas verdes e amarelas) aparece na Comunidade. Nesse caso, rola-se também um D8 para saber em qual Comunidade essa Aventura é adicionada.
. Um
Problema (cartas vermelhas) chega a uma Comunidade. Novamente, rola-se um D8 para saber em qual Comunidade essa carta é adicionada, sendo que cada Comunidade só pode ter um Problema atual.
. Um
novo Efeito Temporário (cartas roxas) é acionado, normalmente trazendo prejuízos aos jogadores, tais como: não se pode recuperar energia, ou reduzir dados de combate etc. Essas condições duram até que um novo efeito apareça (determinado pelo D6 das setas).
Na
segunda fase, as opções de ação do jogador são
bem simples e não se pode repetir no mesmo turno:
.
Movimentar 1 espaço: da Fortaleza para uma Comunidade e vice-versa, ou de uma Comunidade para uma vizinha.
. Na
Fortaleza, é possível realizar alguns tipos de ações dependendo do que as Crônicas e Efeitos Temporários permitam e, além disso, fazer uma construção pagando recursos, cujo edifício trará um benefício aos jogadores.
. Numa
Comunidade, é possível coletar 1 recurso — e cada Comunidade tem um tipo específico — realizar uma Aventura ou resolver um Problema; e tudo isso pode estar ou não regido pelas Crônicas ou Efeitos Temporários.
No caso de uma
Aventura, o jogador lê uma “
historinha”, verifica a habilidade exigida para se concluir a tarefa, rola tantos dados quanto o nível da habilidade (considerando a ficha de personagem, os edifícios da Fortaleza e alguns extras vindos das Crônicas e efeitos temporários) e se vê o resultado: se positivo, sempre se ganha algo; se negativo, ou há um prejuízo ou nada acontece
feijoada.
Se for um
Problema, ele somente é resolvido com alguma condição de jogo, por exemplo, pagando recursos, tendo tal nível de habilidade etc. Também há historinha aqui.
Ainda durante o jogo, os
objetivos secundários são satisfeitos com as próprias jogadas bem sucedidas, tais como resolver tantas tarefas, ou com tal nível de defesa, ou derrotando inimigos...
O
jogo termina quando se atende — ou não — a um requisito que aparecerá em algum momento no Livro das Crônicas,
ou se a “moral” do Reino cair a zero — sendo a derrota para os jogadores.
As impressões sobre a jogabilidade de Oltréé
Jogar Oltréé é bem
tranquilo,
gostoso e
prático: rola o dado para andar a história, analisa as novas circunstâncias, faz suas duas ações e passa a vez. A cooperação é essencial em cada jogada por causa da variabilidade de desafios: o capítulo das Crônicas, os problemas das Comunidades, os efeitos temporários. O capítulo que joguei, a propósito, apresentou uma
tensão crescente e, embora a vitória tenha vindo, ela foi fruto de uma boa estratégia ao longo do jogo — e um pouco de sorte, claro.
Assim como outros jogos cooperativos, foi preciso
apagar uns incêndios e respeitar o objetivo geral (proteger as Comunidades e reerguer a Fortaleza).
Não saber o objetivo final do cenário é interessante, primeiro porque os jogadores se preocupam em se estruturar para
mitigar a sorte dos dados e das cartas, segundo porque dá tempo de a
proveitar a narrativa, que é um medieval fantástico interessante.
Sobre o
fator sorte supracitado, ele ocorre no melhor estilo
Ameritrash. Os jogadores rolam tantos dados quantos forem o nível de determinada habilidade, ou seja, quanto mais, melhor. Cada personagem já começa com uma e as demais vêm, principalmente, dos edifícios da Fortaleza ou condições do cenário (situação do capítulo das Crônicas ou Efeitos Temporários). Os dados rolados só apresentam símbolo de sucesso ou falha. E, em geral,
basta 1 sucesso para passar pelo desafio. Mais para o fim do jogo que houve maior exigência.
Quais desafios os jogadores podem esperar deste jogo?
Nas
Comunidades, é preciso se preocupar com
dois aspectos. No início do jogo, cada Comunidade tem
três cartas de Aventuras. Sempre que há
quatro cartas em uma Comunidade, ela está “
em alerta” — foram anos de sofrimento e, se há muitas lendas sendo contadas, a população fica temerosa — e isso pode diminuir a “moral” do Reino. Se essa “moral” chegar a zero, os jogadores perdem. Além disso, o mal ainda está à espreita e aparece para atazanar as Comunidades. Nesse caso, a população se esconde e não se pode mais conseguir recursos de lá.
Os
Efeitos Temporários são
uma pedra no sapato. É aquela condição de atenção: se fizer isso, o prejuízo é aquilo. Nada espetacular, mas pesa nas decisões.
Os
capítulos das Crônicas são a parte mais
difícil. No começo, mais ajuda que atrapalha, que é para fortalecer os jogadores — e mitigar a sorte no futuro. Do meio para frente, é só problema sério. Prefiro não dar maiores detalhes porque estragaria as surpresas.
O
D6 de andamento da história é
algo bacana. Ele pode
acelerar para uma derrota ou
estender o sofrimento. Na minha partida, no capítulo final das Crônicas, quanto mais lenta a narrativa ocorresse, mais tempo se teria para resolver o último desafio; evidentemente, o D6 catapultou para o último turno e a sorte apareceu nos dados de combate. Além disso, ficar vários turnos podendo levar o dobro de dano em Aventuras é de doer.
Portanto, ao longo da partida, os jogadores se preocupam em
atender as Comunidades — seja para conseguir espólios de Aventuras, seja para afastar o mal e não perder a ação de coletar recursos —
construir edifícios na Fortaleza — para ganhar recursos e habilidades que atenuam a sorte — e
entrar em combate com vários seres do mal. Tudo isso em meio a uma
narrativa deveras interessante e que causa constantes
conversas entre os jogadores para definir a melhor estratégia, que muda tempo todo.
Concluindo...
Como puderam ler, Oltréé me impressionou positivamente. É um jogo muito
tranquilo, foi bastante
divertido e
interativo. Apesar dos turnos simples e rápidos, é preciso conversar com os demais jogadores e
coordenar as ações. A tristeza ou alegria por jogadas bem sucedidas é algo muito presente. A narrativa não é o principal, mas faz todo o sentido —
biológico — dentro da jogabilidade.
Considerando que tem autoria de
Antoine Bauza e é um
jogo para todos — tema que agrada a muitos, jogabilidade suave e voltado para a diversão — creio que
Oltréé deve ser, sim, considerado a ser lançado por aqui também. E espero que seja.