Na minha infância, eu curtia demais jogar Scotland Yard, principalmente o deck de casos laranja. A cada caso, eu queria deduzir quem era o assassino e qual era o motivo, andando pelas ruas de Londres para descobrir pistas. Depois de um tempo, eu e meus amigos, até abandonamos o tabuleiro. Apenas líamos 1 a 1 as pistas até que alguém se sentisse na capacidade de responder sobre o caso.
Muito tempo passou desde o Scotland Yard mas os jogos de dedução parecem ter voltado com tudo. Exit, Unlock e T.I.M.E. Stories abriram o caminho, e até que demorou para que alguns integrassem com a tecnologia como o
Detective: a Moder Crime Boardgame e o Chronicles of Crime. Esse último, embora talvez não seja o melhor jogo do gênero (ou talvez seja, não sei ainda) definitivamente abriu um caminho muito interessante que eu aposto que será explorado por outros jogos: a interatividade com App e todas as portas que se abrem a partir disso.
Para quem não conhece, Chronicles of Crime é um jogo de dedução daqueles que você precisa descobrir um assassinato ou algo do tipo. A caixa básica, se passa no cenário de Londres moderna, e apresenta vários casos que podem ser baixado em um aplicativo.
A ideia, é bem simples: utilizando-se de QR Codes que existe em cartas, lugares e pessoas, você é capaz de investigar tudo que aconteceu. Em geral, em cada caso, você recebe um briefing da Scotland Yard, indicando a vítima e local, e a partir disso, você pode começar a scanear cada coisa que você queira fazer. Se você quer ir até a localidade do crime, basta scanear o código daquele local no celular. Se você chegar lá, acha o corpo da vítima e quer análise forense, basta scanear o legista e a vítima, que ele lhe dirá, em texto, sua análise da necropsia. E por aí vai.
O jogo permite que você utilize qualquer combinação. Por exemplo, se você achou uma foto no chão que não queria saber melhor do que ela se trata, o jogo lhe permite pegar na pilha de cartas de pistas uma chamada FOTOGRAFIA. Você pode mostrá-la para todas as pessoas que encontrar durante o caso, simplesmente scaneando a pessoa e depois scaneando a foto. Se alguém reconhecer alguém ou tiver alguma informação ela lhe dirá. Se não souber do que se trata ou quiser esconder algo, vai lhe dizer isso também.
Você então pode tudo no jogo, mas tudo gasta tempo. Ele não é em tempo real, mas você tem a pressão das unidades de tempo no dia para resolver da forma mais rápida possível. Ah, e tem outra coisa que deveria ser MINDBLOWING (mas já digo, não é) que são as cenas e locais em Realidade Virtual. Em algum momentos, quando você encontra uma cena importante, você tem a opção de ver a cena no celular, utilizando-se de um óculos de Realidade Virtual vendido separadamente (veio junto no KS) ou sem ele mesmo, utilizando o dedo para girar a cena. Isso é o ponto forte e o ponto fraco do jogo, mas já digo o por quê daqui a pouco.
O jogo não me passou nenhum sentimento de CARALHO, QUE COISA FODA É ESSA???? mas ainda assim foi um dos destaques do final do ano para mim e vou tentar explicar por que.
Primeiramente, há o storytelling do jogo que é muito, muito bom! A história é muito bacana. Não há, neste cenário, nada que lhe tira da realidade e tudo faz um certo sentido. Você de fato entra na ambientação. Nessas horas, a utilização do celular ajuda muito pois eu sou muito visual e pouco imaginativo. Eu de fato vejo a cena e isso, para mim, faz toda diferença para me ambientar, se comparado a outros jogos.
Outra coisa positiva do jogo, é sua duração. Em geral, as histórias demoram cerca de 90 minutos e não são cansativas. Se comparado ao Detective, onde jogo casos de 3/4 horas ou ao T.I.M.E. Stories que duram de 3 a 6, isso foi fantástico. E apesar de curto, você pode ter vários casos interligados em um grande subplote, mas que você vai resolvendo pedaço a pedaço. Então não fica a impressão que terminou antes da hora. Além disso, o esquema do QR code agiliza, em muito, a manutenção do tabuleiro(procurar cartas num deck, guardar depois, ler dicas num livro, etc), que quase não existe.
Mas será que vale o investimento?
A primeira coisa que vem a mente de muitas pessoas é: quantas vezes vou jogar isso? Cinco e acabou? Bem, se você nunca comprou um jogo de dedução pela questão de ser "descartável", talvez esse seja o jogo para você. Em Chronicles, a caixa base vem com material básico para jogar qualquer caso ou missão. São 40 cartas de pessoas, 35 de evidencias genéricas, 10 ítens especiais, 15 localidades e 4 ajudantes (legista, criminologista, laboratório e hacker) e estas cartas são utilizadas e reutilizadas em vários casos. O Senhor da carta 34 pode ser o jardineiro no caso 1 e a vítima no caso 7. Portanto o jogo vem apenas com o material para que você consiga jogar os casos que, na verdade, estão no App.
E no App já tem disponível vários casos. Devem ser 4 ou 5 cenários com uns 3 casos cada. Novos cenários podem ser vendidos no App, mas não precisariam de expansão ou nada do tipo. Além disso, há a promessa de liberar a plataforma para haver casos feitos pelos próprios fãs da comunidade do jogo. O jogo aliás, até já tem 2 expansões. Mas elas são apenas ambientações. São cartas e locais para te colocar, por exemplo, na ambientação Noir dos anos 30.
É melhor que T.I.M.E Stories? E que Detective?
Bem, a comparação é óbvia, mas os jogos são bem diferentes. TIME Stories tem uma influência forte em RPG, que inclui coletar itens, se equipar e passar por testes com rolagem de dados. Isso, nem o Detective, nem o Chronicles tem. Ambos são focados na história de dedução mesmo.
A comparação mais óbvia, é mesmo com o Detective e aí, eu mesmo não sei dizer qual prefiro. O Chronicles parece ser um jogo que vai agradar mais gente. A ambientação funciona melhor e a solução me parece ter sido melhor pensada. Além disso, são vários casos curtos de 90 minutos ao invés de poucos casos longos de 4 horas. Outra vantagem para o Chronicles, é que ele não é prolixo e não lhe dá textos desnecessários apenas para tentar te dar um flavor do local. Ele é direto e ambienta o que precisa, deixando que o App faça o resto caso necessário. Isso, no primeiro caso, me irritou um pouco no Detective. Acho que li umas 8x a descrição da sala do laboratório por motivo nenhum. Isso com certeza espantará algumas pessoas, mas eventualmente vai melhorando nos casos seguintes
Ao mesmo tempo, o Detective tem alguns elementos que te deixam de queixo caído, principalmente na integração com a base de dados Antares e a quebra da 4a parede com a interação com o mundo real. Quando você está meio perdido no jogo e começa a fuçar na internet e acha algo que faz sentido para você no caso, e você simplesmente consegue avançar depois disso, você se sente muito foda. É como se estivesse numa investigação mesmo.
No entanto, um ponto muito forte a favor do Chronicles é a multiplicidade de opções que o App lhe proporciona. Há inúmeras maneiras de se descobrir o caso e chegar na informação. Em um deles por exemplo, eu e um casal tentamos caminhos COMPLETAMENTE OPOSTOS e chegamos a conclusões parecidas no final. Enquanto eu fui em uma linha mais investigativa, eles, não sei nem como, foram para uma tentativa de emboscada.
E a Realidade Virtual, é boa?
É ótima se você está jogando sozinho e péssima se estiver jogando em grupo maior. Chronicles foi feito para se jogar em 2 pessoas, sendo uma delas, não muito curiosa. Isso acontece por que apenas 1 pessoa vai conseguir utilizar o VR para visualizar bem a cena. E em 40 segundos ela some, gastando mais tempo de jogo para você ou outra pessoa ver de novo. A ideia então é que, um veja a cena enquanto transmite para o colega tudo que vê. Este então, vai abrindo as cartas de PISTAS e ITEMS e vendo o que ele encontra ali de possível pista que você está vendo.
Para mim, isso não funcionou perfeitamente né. Primeiro por que jogamos em três e 1 sobraria não fazendo nada. Segundo por que os 3 queriam ver a cena e ninguém queria ser a pessoa que fica procurando a pista.
Resolvemos isso no 2o caso do primeiro plot com a utilização de um segundo celular. Assim, fazíamos tudo igual em 2 deles e enquanto uma pessoa pegava as pistas. Depois, dávamos para essa pessoa ver enquanto nós revisávamos. Funcionou muito melhor assim e até desistimos do nosso plano B que seria espelhar a tela do celular na TV.
Mas se você não quer gastar com o óculos, não gaste. A maioria das vezes eu não conseguia ajustar o foco e simplesmente tirava ele do celular, olhando direto na tela. Você pode usar o celular simplesmente andando e girando pela sala, como se estivesse vendo uma foto 360 graus que a imagem responde para você como pode ver no Gif abaixo, tirado do tutorial do jogo.
Nesta cena abaixo, por exemplo, a ideia é que você observe os gatos, bolo e um papel no chão, ao lado da vítima e tire as pistas ANIMAIS, COMIDA e PAPEL da pilha e scaneie elas para ver se são relevantes. Se forem, o App vai lhe dizer o que contém.
Para quem é o jogo então?
Bem, o Shut up and Sit Down diz no seu review de Sherlock Holmes Consulting Detective, que este é o melhor jogo solo e para casais que existe. É um jogo que você pode se debruçar nele e ficar imaginando o que está acontecendo. Deitar no chão de pernas pro ar pensando no que está deixando passar. E fazer mapas mentais para te ajudar a interligar tudo. Mas isso foi há anos atrás, antes de existir esses jogos de deduções mais modernos. Já Tom Vassel diz que Chronicles of Crime vem para substituir o Sherlock Holmes e isso é uma grande declaração.
Chronicles of Crime é, primeiramente, um jogo para quem fala, ou pelo menos entende inglês. Isso por que tudo está nesta língua. Além disso, é um jogo para quem curte integração com App e jogo de dedução.
O jogo funciona maravilhosamente bem em 1/2 jogadores, com a vantagem de ser mais uma história de dedução gameficada do que um jogo propriamente dito. Dá para jogar com a(o) companheiro(a) que nem é gamer tranquilamente. E, com algumas adaptações que falei ali em cima (utilizar mais de um celular), ele funciona bem para mais pessoas também.
Não achei que ele exige tanto da sua mente quanto Detective. Não que seja fácil(há casos fáceis, médios e difíceis) mas é que o Detective tem aquela coisa de você empacar mesmo. De ficar deitado no chão olhando para o teto elucubrando sobre o caso até ter um momento de EUREKA!!!! Grande parte da dedução e da capacidade de investigação está na sua cabeça. Na capacidade de interligar tudo e construir uma investigação coesa. As resoluções do s casos são mais abertas e muitas vezes serão baseadas em uma teoria sua, ao invés de uma certeza. Já o Chronicles é mais direto. Mais procurar dica, achar dica, dar resposta. E nesse sentido, eu acho que a história do Detective me envolve mais, a ponto de eu ficar mais ansioso por jogar um caso dele. Por outro lado, o Detective também frusta mais, pois você as vezes faz tudo certinho e continua sem ter certeza absoluta de muita coisa.
Já o Chronicles é um jogo que eu acho que vou jogar e aproveitar bem mais, pois pelo formato, entrega muito pelo tempo de jogo. Basta dizer que, depois de um final de semana em um sítio onde eu e depois, separadamente, um casal de amigos jogou o mesmo caso, ficamos um tempão discutindo sobre ele, o que fizemos, o que desconfiamos e nossa linha de investigação. E quando o jogo lhe proporciona histórias e lembranças que você se diverte comentando sobre, é por que ele é realmente bom! Então sei lá. Compre os dois se você curtir o gênero hehehe. Ou faça como eu: ache um amigo para comprar um e enquanto você compra o outro e você joga ambos juntos.
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