INOVAÇÃO

Aos que possuem tempo, um benefício pertinente a poucos, para acompanhar os últimos acontecimentos deste nosso mundo dos jogos de tabuleiro, certamente, foi inundado de posts e reels de algum influenciador digital sobre a Spiel Essen que aconteceu na última semana, entre os dias 23 a 26 de outubro.
Para tantas análises que poderiam ser feitas, afinal, é considerada a maior e mais importante feira de jogos de tabuleiro do mundo, reunindo mais de mil jogos lançados, além de reprints e expansões, um bom tópico para textos futuros; chama a atenção uma estranha sensação, compartilhada entre muitos jogadores, de que a cada nova edição que passa estamos vivendo um déjà vu das edições anteriores.
Quer dizer, sabemos que vazas, ou suas variantes, inundarão prateleiras de editoras; jogos de renome, sucessos de venda, terão alguma variante para lançar, seja ele um duel, alguma coisa ‘n’ write ou kids; aparecerá alguma Big Box de um jogo idolatrado e que não via novas impressões há um tempo, teremos grandes hypes que decepcionarão ao chegar em terras brasileiras, e principalmente, muitos jogos semelhantes aos que você já conhece.
Se em 1988 Cazuza já identificava Museus de Grandes Novidades, nossa lógica de sociedade permanece inalterada ainda hoje, e dentre tantos motivos, o escolhido para este texto é a necessidade da indústria, sob o viés do lucro e do acúmulo de capital, de sempre buscar pela inovação, ou ainda, sabendo que inovar, criar algo novo, inédito, nunca antes de visto, seria algo para raras ocasiões, uma ação de passar a nós, consumidores, a sensação da inovação, sua ilusão.
Pensando pela lógica industrial, uma editora para lucrar e se manter dentro do mercado não quer te vender um jogo, inclusive, raramente alguém compraria mais do que uma cópia de um mesmo boardgame/cardgame. Ela quer que você compre outros e variados títulos, expansões, acessórios e faça a máquina do dinheiro girar dentro do sistema. Entretanto, você não iria gastar seu suado e valorizado capital em qualquer item, naquele jogo de 2010 que foi reimpresso após pedidos acalorados da comunidade, mas que sabemos que vai amargar, e literalmente mofar, nas lojas pelo Brasil.
Bom, sejamos honestos, uma vez que possuímos um capital limitado, e bem limitado, a gastar, fomos acostumados de que é preciso comprar, e, se for comprar, que seja algo diferente, algo novo, desconhecido, e alimentamos nosso ciclo schopenhaueriano que absorvemos socialmente da “ânsia de ter e o tédio de possuir”.
E nessa sede consumista do ineditismo, conhecida por todos, editoras se reinventam para sobreviver. Como foi dito, uma vez que as inovações são limitadas, é necessário passar uma ilusão de novidade. Muda-se a arte, alguns componentes, edições são revisadas e regras alteradas para dar esse sentimento de modernidade e investimento bem feitos. Caímos nos mesmos jogos, mesmas mecânicas, numa arte padronizada com cantos suavizados para não incomodar olhares pouco críticos. Alocamos trabalhadores e trocamos recursos para rendimentos, rolamos dados e derrotamos inimigos, mas dessa vez numa área futurista destruída por zumbis alienígenas, jogamos cartas numeradas e esperamos ver quem leva aquela vaza a depender de um critério reciclado, temos a clara impressão de que o jogo na mesa é igual ao que nos observa parado na estante.

E isso tem gerado problemas que necessitam de reflexão. Com promoções de final de ano à vista, verificamos jogos de primaveras passadas se repetindo em descontos que chegam a um quinto, ou mais, do valor original. Jogos usados são anunciados a preços de novos e ficam anos aguardando compras. Nossas casas se enchem de jogos idênticos, que tentamos distinguir por um consumismo sentimentalista e cego. Obviamente, bons jogos surgem e novas possibilidades aparecem diante dos inúmeros lançamentos, mas a saúde do mercado e dos consumidores precisa ser pensada e debatida, pelo bem geral e continuidade da indústria, haja vista que uma bolha pode estar sendo criada na nossa frente, e estamos apenas a assistindo crescer.
Chegamos ao fim do texto desta semana na esperança de que o pensamento apresentado possa elevar o diálogo e trazer mais clareza a um debate bastante complexo. Também precisamos agradecer aos seguidores desta página no Instagram e aqui na Ludopedia, além dos comentários feitos nos textos anteriores, o engajamento de vocês é fundamental. Foram apenas três postagens antes desta, mas fica o sentimento de estarmos alcançando uma comunidade pequena, mas sólida, de companheiros e companheiras que precisam deste espaço de acolhimento e reflexão mútuos.
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