Por: Linauro. Apaixonado por literatura, música e jogos, desde sempre. Descobriu nos jogos de tabuleiro uma desculpa perfeita para passar mais tempo com amigos e pessoas amadas.
Orléans é um
euro game de Reiner Stockhausen, com arte de Klemens Franz (que já assinou os traços de outros euros clássicos, como
Agricola e
Caverna: The Cave Farmers), lançado no ano de 2014. Aliás, Orléans é ele mesmo um euro clássico, em todos os seus aspectos, positivos e negativos. O jogo foi indicado a diversos prêmios, como o Golden Geek 2014 e o Kennerspiel des Jahres 2015, embora não os tenha vencido.
Nos arredores da cidade de Orleães
, localizada no Vale do Loire,
o mesmo de Castles of Burgundy,
buscamos a hegemonia de senhores feudais, numa França medieval.
Entratanto, com temática medievalista (
1), tão presente no
mainstream, Orléans não traz servidão, guerras, monarcas absolutistas ou mesmo as crises políticas e sociais que varreram a Europa no período, somente fazendeiros, comerciantes, artesãos, monges e bons cavaleiros, numa idílica Idade Média. No jogo, até os monges são como trabalhadores ideais que, nas suas vidas monásticas, de tudo fazem em prol dos seus senhores. Embora seja o caso de Orléans, não são, obviamente, todos os
euros que romantizam o medievo, assim como não são todos que abordam de forma
idealista e eurocêntrica o colonialismo.

O citado Agrícola, de Uwe Rosenberg, para ficar num só exemplo, sem perder em ludicidade,
opta por um caminho bem diverso, muito mais concreto: retrata a superação da fome causada pela grande peste, através da representação do trabalho de famílias camponesas. Nele, a
alocação faz muito mais sentido: são alocados camponeses nos espaços de ação/produção. Em Orléans, entretanto, os servos, trabalhadores não livres, que não podem ser confundidos com fazendeiros, compunham a principal força de trabalho do período, mas sequer são representados, dando lugar, ideologicamente, a outras classes sociais.
Estruturalmente, Orléans, traz todos os elementos de um euro de alocação do gênero. O seu twist, entretanto, é a bag building: uma variação da mecânica de deck building. Nela, os jogadores iniciam a partida com um conjunto simples de trabalhadores, representados em peças. As peças são colocadas em um saco de pano. A cada rodada, um determinado número de trabalhadores é retirado de lá, de forma aleatória, para serem alocados nos espaços de ação dos tabuleiros individuais. Assim como no deck building, o conjunto inicial poderá ser melhorado, através da aquisição de opções mais interessantes durante a partida, mitigando um pouco o fator sorte envolvido no processo.
Orléans desenvolve-se em exatas 18 rodadas, cada uma dividida em 7 fases. A cada rodada, sucedem-se, obrigatoriamente, as fases de ampulheta, censo, seguidores, planejamento, ações, evento e jogador inicial. Dentre elas, a seleção simultânea de ações, na fase de planejamento, traz algum dinamismo. No desenrolar das fases, os jogadores buscam, essencialmente, avançar nas trilhas, em especial na trilha de desenvolvimento, reunir novos trabalhadores especializados, como guerreiros e artesãos, e movimentar-se nas estradas e vias fluviais, construindo postos de comércio e acumulando mercadorias.

Como em todo bom jogo de alocação, temos a possibilidade de bloqueio, o que se dá de duas formas: ao se esgotarem os trabalhadores especializados de uma ação respectiva, tornando aquela ação inacessível; e no mapa, quando cada cidade, com exceção de Orleães, só aceita um posto de comércio. A fórmula de pontuação final é interessante, mas não chega a transformar o jogo numa point salad: para determinar o vencedor, são considerados dinheiro e mercadorias acumuladas, cidadãos reunidos, entrepostos construídos e pontos de desenvolvimento acumulados — denotando, talvez mais do que deveria, a importância de avançar na trilha de desenvolvimento, em comparação às demais.
Tematicamente, Orléans não se destaca, pois não pretende retratar a história real da França medieval, mas somente compor uma visão contemporânea, romântica e um tanto quanto conservadora do período. O fenômeno mediavalista, ainda assim, não é exclusivo do jogo, sendo recorrente em outras mídias, como na literatura, cinema e televisão contemporâneas. Por outro lado, embora não se destaque estruturalmente dos melhores do gênero, entrega tudo que se espera de um bom euro, com diferentes possibilidades estratégicas, exigindo, entretanto, algumas partidas até o seu domínio. O jogo conta também com um ótimo tempo de partida, em razão do número fixo de rodadas, muito embora a preparação possa ser demorada.
Agradecimentos ao amigo Gilson (Boar Games) pelas contribuições para com o presente texto.
Referência
(1) GOMES, Arthur Maia Baby; PEREIRA, Gabriela Pirotti.
Em castelos vazios: medievalismo e romantismo em “As Canções Solitárias de Laren Dorr” e “Nas Terras Perdidas”, de George R. R. Martin. Revista Entrelaces, Fortaleza, v. 8, n. 20, p. 279-297, abr./jun. 2020.
Imagens
Acervo pessoal.