dharrebola::
Fala meu amigo iuribuscacio
Faço um complemento ao que você comentou.
Acho que as editoras "se perderam no personagem" no pós pandemia.
Certamente a pandemia aqueceu o mercado e trouxe muita gente para o hobby.
Isso obrigou a uma diversidade maior de títulos e uma frequência maior de lançamentos.
Porém, muitos que embarcaram nessa época, desembarcaram no fim da pandemia.
Outros, já viraram players "cascudos".
Esse ritmo predatório de lançamentos, ao estilo "Magic the Gathering" mais afasta do que fideliza.
orlandocn::
Concordo que o ritmo de lançamento é frenético.
Não concordo que as editoras se perderam (se estão fazendo é porque está dando certo para elas).
Acredito que a curadoria e zeladoria seja responsabilidade de cada um, é irreal terceirizamos para as editoras a responsabilidade de frear o nosso consumo. A maturidade, seja vindo pelo bem, através de reflexões, ou pelo mal, através de consequências, acaba moldando o padrão de consumo mais ou menos consciente, a depender da realidade de cada um.
Não acredito que criticar a velocidade, qualidade e enorme variedade de jogos publicados vai ajudar quem está num ciclo infinito de consumo para tentar acompanhar o mercado. Enquanto for lícito, mesmo que não seja moral, o mercado vai explorar.
Acredito que a comunidade deve se ajudar através de relatos de boas práticas e experiências (como já vem acontecendo com muitos criadores de conteúdo).
Caros Davi (
dharrebola) e Orlando (
orlandocn)
Meus camaradas, nesse caso eu tendo a concordar mais com o Davi, e eu acho que a questão aqui não é criticar a velocidade, qualidade e variedade na expansão do mercado de jogos por si só. O problema, no meu ponto de vista é que o crescimento na quantidade de jogos lançados atualmente não está acompanhando o crescimento do público consumidor.
O fato é que o mercado dos jogos de tabuleiro funciona com uma lógica invertida em relação a outros setores econômicos. Isso porque não é o público consumidor que informa às editoras quais os jogos, ou tipos de jogos, que se quer que as empresas lancem. Não se pergunta ao comprador no que ele está interessado. O que ocorre é o contrário, ou seja, são as editoras é que ditam quais jogos os consumidores devem comprar, através de maciços investimentos em HYPE, que acabam gerando o FOMO.
O problema é que essa prática acaba baseando o consumo, não naquilo que o consumidor realmente quer, mas sim naquilo que a editora diz ao consumidor que é o que ele deve querer. Evidentemente, essa não é uma maneira sólida de crescer, porque não atende naturalmente os desejos do público consumidor. Isso acaba gerando uma adesão falsa ao produto, que não fideliza o cliente. Por isso, aquelas pessoas que se voltaram para os jogos de tabuleiro durante a pandemia, não se transformaram em reais consumidores de jogos que compram board games regularmente. Como não há mais a necessidade de permanecer em casa, as pessoas puderam voltar a levar uma vida normal, e usufruírem das opções de lazer que tinham antes, e que não incluíam os board games.
Eu não sei quanto a vocês, mas eu não vejo ao meu redor, esse crescimento na quantidade de pessoas que passaram a comprar board games, capazes de sustentar esse aumento estratosféricos na quantidade de jogos lançados atualmente. Também não vejo novas lojas de board games surgirem a cada esquina, aliás muito pelo contrário, lojas que fecharam porque não conseguiram se manter abertas durante a pandemia, não reabriram, diminuindo a quantidade de lojas do setor. Da mesma forma, quase não se vê falar em novas editoras que tenham adquirido um porte médio, mas apenas em pequenas iniciativas que às vezes lançam um jogo ou outro, mas que muitas vezes somem na bruma. Quando se fala em editoras de board games, normalmente a pessoa está citando as mesmas "velhas conhecidas" de sempre, ou seja, Galápagos, Devir, Conclave, MeepleBR, Mosaico (que surgiu de uma dissidência da MeepleBR), Papergames, Grok, Buró (que era a antiga RedBox), Ludens Spirit, e mais uma ou outra. Mas boa parte dessas editoras já estava por aqui quando se lançava 70 jogos por ano. Hoje não é exagero falar que talvez mais de 150 jogos chegam ao mercado anualmente ou algum número perto disso. Só a Galápagos sozinha deve lançar quase a metade disso.
Do mesmo modo, não vejo que tenha havido um aumento nas tiragens dos jogos, porque hoje nós produzimos talvez apenas um pouco mais do que se produzia alguns anos atrás. Em outras palavras, os jogos tinham tiragem entre 1.000 e 2.000 unidades e talvez hoje esse número chegue a 2.500/3.000 unidades. A exceção são os party games, que ao menos aparentemente, passaram a trabalhar em tiragens maiores, mas não muito maiores do que isso. Nesse quesito conta muito a facilidade de produção e a pouca complexidade dos componentes (basicamente cartas). Com os outros jogos mais complexos a impressão que fica é que como o preço dos jogos aumentou, a tiragem diminuiu porque tem menos gente com "bala na agulha" suficiente para bancar esses altos preços. Assim a tática de promoção do HYPE parece ter mudado, ou seja, primeiro a editora lança apenas uma parte da tiragem, de modo que o jogo se esgota rapidamente. Só que isso não ocorre porque inúmeras pessoas se interessaram e compraram, mas sim porque a quantidade de cópias disponibilizadas foi propositalmente insuficiente, para suprir a demanda inicial. Isso permite que o jogo surja nas lojas posteriormente custando mais caro. Obviamente eu reconheço que isso é pura especulação, e uma opinião, mas é essa a impressão que pelo menos eu tenho. O Heat por exemplo saiu custando R$ 499,00 no lançamento, e hoje, pelo menos metade das ofertas no mercado de usados são de lojas (e não pessoas) vendendo o jogo bem mais caro que isso.
Assim sendo, eu acho que a discussão aqui não é uma questão de dizer que o crescimento da comunidade boardgamer parou, e que a quantidade de lançamentos continuou crescendo, mas sim que o ritmo de crescimento do mercado consumidor, não está acompanhando, mas nem de longe, o aumento absurdo na quantidade de títulos lançamentos anualmente.
Essa aumento exponencial na quantidade de jogos lançados também interfere no tamanho e profundidade da marca que os novos jogos deixam no cenário dos jogos. Como é de sabença geral, não se pinta uma Monalisa, não se escreve um Romeu e Julieta, nem se compõe uma 5ª Sinfonia todos os dias. Desse modo, um jogo como o Heat: Pedal to the Metal, que foi tão falado alguns meses atrás já não parece estar tão em evidência, porque já foi meio que substituído, não enquanto jogo em si, mas como foco de discussão pelo Sky Team, que por sua vez vai ser substituído por alguns jogos lançados no decorrer desse ano. Em contrapartida, jogos com Puerto Rico, Carcassonne, Castles of Burgundy, Terraforming Mars, Brass, Twilight Imperium 4, Pandemic, Azul, Lords of Waterdeep, Mansions of Madness, Stone Age, Gloomhaven, Wingspan, continuam sendo muito comentados e muito jogados até hoje, e não há indicativos de que isso mude em um futuro próximo.
Quanto à questão da mudança no comportamento de cada um, e no eventual aumento do consumo consciente, eu também não vejo muito isso não. Certamente existem algumas pessoas que escrevem a respeito aqui no Ludopedia, mas são muito poucos. Um texto tratando sobre o assunto que tenha um resultado estupendo tem talvez 5.000 visualizações, e 100 curtidas. Só que um único vídeo promovendo o HYPE atinge uma quantidade absurdamente maior de pessoas, e não é apenas um único vídeo que tem essa mensagem. Basta ver a quantidade de pessoas que comparecem em peso nos eventos de spoilers da editoras. E isso não para comprar, mas apena para ver, e com uma sorte absurda conseguir experimentar, o que a editora vai lançar ao longo do ano. E mesmo que diversos jogadores mais experientes escrevam avisando sobre os perigos dos financiamentos coletivos, e das compras em pré-venda (tradução ruim, falta de componentes, baixa qualidade e até jogos mofados apesar de lacrados), ainda assim os financiamentos coletivos e as compras em pré-venda continuam a todo o vapor.
Sinceramente eu queria muito que as coisas fossem diferentes, mas ninguém ganha absolutamente nada se iludindo. Assim, pelo menos do meu ponto de vista de mero comprador de jogos, a situação atual do mercado não é a que eu gostaria, mas sim aquela que eu descrevi acima, muito infelizmente. Claro que isso não me impede, nem impedirá (ao menos por enquanto) de continuar defendendo o que eu acredito em termos de consumo consciente, mesmo que a impressão seja de se estar "pregando no deserto". Só que essa sensação é apenas em termos de resultado. Graças a Deus, se eu não tenho um bom retorno quantitativamente, no quesito qualitativo não tenho do que reclamar, muito pelo contrário só agradecer, pelo feedback tão legal que eu recebo de quem lê o que eu escrevo, tanto nos textos, quanto nos comentários.
E assim caminha o cenário nacional de jogos... (opa isso dá um bom título para um artigo!!!)
Um forte abraço e boas jogatinas!
Iuri Buscácio