(Análise) Papertown
Título: Papertown (2021)
Designer: Rodrigo Rego
Arte: Rafa Miqueleto
Editora nacional: Buró
Nº de jogadores: 1 a 4
Construa uma cidade em parceria com outros jogadores em busca de descobrir quem é o melhor urbanista neste jogo nacional rápido, bonito e interativo.
Uma breve introdução
Papertown não é um jogo recente, inclusive, tem tempo de vida o suficiente para ter passado por algumas promoções malucas. Promoções essas, malucas, mas também maravilhosas, pois podemos acabar pegando um jogo no escuro, ao acaso, na sorte e, se for ruim, passar também barato (ou no pior das situações ter um prejuízo pequeno), mas se for bom, ficar duplamente feliz (pelo jogo em si e pelo bolso menos comprometido). Papertown me surpreendeu duplamente! Primeiro, por ser um jogo relativamente pouco falado por aí (pelo menos, eu não vi muita coisa até então); segundo, por ser um jogo totalmente excelente!
Papertown é um abstratinho simples, rápido, mas bem tático e com alta dose de competição e interação. Para mim, este jogo é uma verdadeira gema nacional, que deveria ter mais valor, mas que saiu sem muito barulho pouquinhos anos atrás. Talvez (e quero acreditar nisso, assim como Mulder em etês), o período que foi lançado não ajudou a catapultar as vendas (fora que a editora a qual pertence não tem lá muita projeção no mercado). Nos últimos tempos, porém, temos visto uma força nacional emergindo cada dia mais forte. Espero que com esse movimento, não apenas lançamentos ganhem renome, mas também sejam resgatados jogos nacionais excelentes – mesmo que obscuros. Tentando fazer minha parte, vamos a análise de Papertown:
Resumo de Como o Jogo Funciona
A partida transcorre ao longo de uma quantidade indefinida de rodadas. Em cada rodada o jogador irá alocar peças em uma cidade no centro da mesa, compartilhada com os demais jogadores, em busca de formar sequências de peças de acordo com seus objetivos pessoais. Sempre que um jogador completa um objetivo, ele adiciona a peça de objetivo em questão no mapa da cidade, juntamente com alguns marcadores de sua cor. Durante essa colocação, pode ocorrer do jogador expulsar marcadores rivais previamente colocados no mapa. A partida se encerra quando um jogador colocar seu último marcador ou não existirem mais peças de cidade disponíveis na pilha de compra. Vence o jogador que se livrou de mais marcadores primeiro.
Mecânicas Principais: Colocação de peças.
Critérios
Ø Qualidade dos Componentes
PRÓS: Peças cartonadas, caixa e manual com boa gramatura e acabamento; marcadores de madeira de boa qualidade (que lembram o formato de um busto de um meeple); manual bem escrito e repleto de exemplos.
CONTRAS: O jogo vem acompanhado de um organizador plástico de boa qualidade, mas não é tão útil para separar adequadamente as peças, de tal forma que os marcadores dos jogadores precisam ficar em ziplocks (saquinhos plásticos) para não ficarem misturados e as peças ocupam um enorme espaço (em formato de estrela) que acabam se misturando com a movimentação da caixa. A parte triste mesmo é que o organizador existe, logo, poderiam ter feito o molde dele de um monte de outros formatos que ficariam mais convenientes para o jogador, mas desperdiçaram isso (e isso me deixa meio pistolinha: ter algo que não é útil, só aumentando o custo do produto, desperdiçando oportunidades).

(Todos os componentes)
Ø Tempo de Preparação de Partida
Baixo. Salvo as peças de Quarteirão (as que o jogador coloca no mapa), as peças de Construção (os objetivos com 3 peças de Quarteirão) e as peças de Grande Obra (outros objetivos, mais difíceis, que necessitam de 4 peças de Quarteirão) se misturem tudo dentro do organizador, basta tirar essas três pilhas da caixa, separa-las (já que o organizador ficou devendo), dar uma embaralhada em cada uma, entregar as peças iniciais e Habitantes (meeples) para cada jogador, abrir algumas peças na mesa formando o mercado e cidade inicial e pronto. Pode não parecer lendo, mas na prática é bem rapidinho, coisa de nem dois minutos.

(Os marcadores dos jogadores)
Ø Arte
PRÓS: No geral: maravilhosa. A arte dos quarteirões é fantástica. Segundo informações que achei pela internet, na verdade cada ‘arte de peça’ é uma miniatura feita em papel que foi fotografada e tratada depois (vide imagem no fim deste tópico). A ilustração e diagramação da caixa e do manual gostei bastante também: são limpas, sem excessos, e com uma paleta de cores sóbrias muito interessante, não sendo muito vivas, mas sem perder a leveza.
CONTRAS: O verso das peças de objetivo (tanto Construção quanto Grande Obra) contém uma imagem laranja que achei que não combinou com o restante do mapa e também não fez sentido temático, ao contrário, parece que o que deveria representar ‘algo acabado’ é justamente ‘algo em construção’.

(Algumas das maquetes que deram origem a arte das peças.)
Ø Curva de Aprendizagem
Baixa. As regras são simples. O jogador pode pegar peça já disponível no mercado e alocar na cidade ou pegar duas peças da pilha fechada, colocar uma na cidade e a outra no mercado ou, ainda, trocar suas peças de objetivo por novas caso ache necessário. A complexidade da partida está na interação entre os jogadores e na leitura das possibilidades tanto na mesa, quanto em relação à quantidade de peças já colocadas ou ainda presas na pilha de compras. Se você conhece o clássico Dominó, eu diria que a complexidade entre Papertown e ele estão lado a lado. Usando um exemplo mais ‘boardgamer’, Papertown é ainda mais direto e simples do que Carcassonne (Wrede, 2000), tendo uma interação maior e a ausência de pontuação.

(As peças cartonadas)
Ø Presença de Tema
Baixa. Papertown é um daqueles jogos de colocação de peças que tanto faz o tema que daria na mesma já que a mecânica em si não dialoga diretamente com o que está representando tematicamente. O jogo poderia ser Paperfarm, Paperspace, Papertrain, Papermedieval, Paperpapers...etc que daria na mesma. Apesar de considerar uma presença de tema baixa, dentro do que fez, a equipe de criação do jogo chegou a nomear as peças de construção, o que achei um belo cuidado (principalmente pelo fato disso ajudar a identificar as peças – não sendo só um “Olha, galera, fechei issaqui”, mas um “Olha, galera, fechei um Resort”). Sobre o nome ser em inglês, eu não vejo problemas, principalmente pelo fato de o jogo tentar alcançar mercados internacionais. Além disso, as miniaturas em que a arte se baseia são feitas em uma técnica de ‘papercraft’ (que é um de dobradura, ou origami, com a diferença que cada obra é feita incluindo corte e cola), então faz sentido o título levar também ‘paper’.

(Peças cartonadas de quarteirão em detalhe, para ver melhor o lindo trabalho!)
Ø Rejogabilidade
Depende do perfil dos jogadores. Dessa vez, fico em cima do muro. O que acontece é que Papertown é um jogo simples, direto e sem firulas – o que pode agradar um perfil específico de jogadores, como aqueles que curtem um joguinho abstrato. Então, por não ter muitas camadas, caminhos estratégicos diferentes e habilidades/efeitos para os jogadores, cada partida é a mesma sempre. Contuuudo, isso não é um ponto negativo propriamente, já que Papertown é muito interativo e a disputa e rivalidade na mesa serão elementos chave para que o jogo seja jogado várias vezes. Voltando ao ‘perfil’, se você curte coisa mais pesada e/ou um eurinhos de baixa interação ao invés de jogos com vibe de carteado, talvez Papertown não seja para você. Por outro lado, se curte jogos muito interativos, com pique de coisa clássica como trilha, dominó ou jogos de cartas: Papertown acerta em cheio.

(Minha mão segurando uma peça, para mostrar a relação de tamanho – que acho muito boa).
Ø Interação
Alta. O coração de Papertown está na interação. Durante a partida, os jogadores colocam peças de quarteirão em uma cidade ao centro da mesa, com a finalidade de fazer determinado padrão. O lance é que, ao fazer o padrão, o jogador coloca três marcadores seus no mapa, porém apenas UM está realmente seguro, enquanto os outros podem ser expulsos quando alguém faz algum novo padrão utilizando alguma dessas peças anteriormente utilizadas (e os adversários irão tentar fazer isso o tempo todo). Esse tipo de ‘empurra-empurra’ entrega uma boa dose de tensão e rivalidade na mesa. Outro ponto onde a interação aparece é na compra das peças de quarteirão, pois funciona da seguinte forma: o jogador pode pegar uma peça já aberta no mercado e ela não é reposta ou comprar duas peças de uma pilha fechada, escolher uma e a outra é colocada, aberta, no mercado. Esse tipo simples de resolução, além do Force-sua-Sorte, faz com que o jogador reflita se a ação vale mesmo a pena, afinal pode abrir uma peça preciosa para o adversário.
(Uma foto de uma partida rolando em 3 jogadores)
Ø Fator Sorte
Relevância na partida: Média. Tal qual um jogo que utilize de um baralho, o impacto da abertura de peças, compra de peças e compra de objetivos é razoavelmente grande. Não acredito que seja grande o suficiente para predizer o vencedor, contudo, pode deixar algum azarado um pouco incomodado ao ver que na vez dele não vem nada útil, enquanto um adversário parece que tá a sorte ao seu lado. Papertown é um jogo onde é preciso arriscar um pouco, se não, vai dar uma estagnada, daí entra a mecânica do “compra duas peças, fica com uma e deixa a outra disponível no mercado” ao invés de apenas um “compra uma peça e repõe” ser bem escolhida, afinal se todos tentarem jogar de forma conservadora, algum momento o jogo te obrigará a arriscar. Existe, também, a ação do jogador trocar seus objetivos, ajudando a mitigar, mesmo que ao custo de um turno, suas possibilidades.

(O mapa que vai sendo montado em conjunto ao longo da partida, em detalhe)
Ø Fator Estratégia
Relevância na partida: Média. Como a sorte dá uma impactada, não tem como pensar que só com uma excelente estratégia a vitória está garantida, porém o jogo requer que o jogador pense com cautela quais suas escolhas de colocação. Algo interessante é que os objetivos menores (com três peças), ficam todos abertos, logo o jogador consegue ver se uma colocação vai ajudar ou atrapalhar um adversário, ao mesmo tempo que precisa pensar como colocar peças sem entregar de forma descarada seus objetivos, tanto os abertos como o que fica fechado. Isto é interessante para o Fator Estratégia, contudo, pode abrir espaço para um grande A.P. (aquele tempo pensando e analisando o que fazer). Outro ponto importante na estratégia é tentar utilizar ao máximo as peças de quarteirão que os adversários já colocaram seus habitantes, para que eles sejam devolvidos para eles, como num cabo-de-guerra.

(A caixa com os componentes. Esse organizador poderia ter mais separações, se tornando muito mais funcional)
Ø Preço e Valor Percebido
Excelente – se até R$150,00. O jogo atualmente está sendo comercializado lacrado por uma média de R$150,00 e acho esse preço muito justo. Os componentes são de boa qualidade e o jogo é realmente bom! Bom daquele nível que se o designer fosse um gringo famoso, geral ia falar bem e conhecer o jogo. Em algumas promoções, inclusive, é possível achar o jogo por menos de R$100,00 e isso é realmente uma pechincha!
Ø BÔNUS: Algumas dúvidas corriqueiras:
- Funciona com qualquer quantidade de jogadores? Sim. Joguei em todas as quantidades e fluiu bem, adicionando só aquele tempinho de espera entre nossos turnos. Contudo, acho que o jogo fluiu melhor em 2 e 3 do que em 4 jogadores devido a quantidade de peças. Acho que para 4 pessoas, poderiam ter peças de quarteirão adicionais.
- É possível jogar com crianças? Sim. As regras são bem fáceis e acessíveis. Para jogar bem, precisa de um pensamento tático e estratégico um pouco mais refinado, mas não vejo problemas em jogar com crianças de 10 anos ou até um pouquinho menos se elas estão acostumadas a jogar outras coisas. Pensem assim: você joga Damas, Trilha, Dominó e afins com essa criança? Então ela consegue sem muita dificuldade jogar Papertown.
- Dá para jogar sozinho? Sim, mas o jogo funciona diferente em relação às regras e a sensação também é diferente. No modo solo não utilizamos os habitantes (marcadores/meeples) de forma convencional, ao invés disso, pegamos apenas três deles e eles são descartados para pegarmos alguma peça de quarteirão que ficou fora da partida. Na partida em si, tentamos fazer todos os objetivos dentro de uma quantidade delimitada e no final cada objetivo não feito gera 1 ponto – e nosso objetivo é conseguir 0 pontos (ou seja, colocar todos os objetivos). É um modo ruim? Não. É legal, é divertido, é um bom desafio e é rapidinho (de 10 a 15min você joga uma partida inteira). Só não parece ser o mesmo jogo, pois o sentimento do ‘empurra-empurra’ com os adversários não existe, o que acaba deixando o jogo solo muito simples.

RESUMO RAPIDÃO
O que gostei:
- Arte belíssima;
- Componentes de boa qualidade;
- Caixa de bom tamanho;
- Bastante interativo;
- Regras fáceis;
- Modo solo presente.
O que não gostei:
- O organizador plástico poderia ser muito melhor, separando as peças pelo seu tipo;
- O modo solo é um pouco simples demais.
O que fica no meio do muro, mas é bom destacar:
- O jogo é bastante simples e curto, logo, é preciso ter isso em mente antes de coloca-lo na mesa, para não culpar o design do jogo ao invés de nossa própria expectativa.
Considerações finais:
Papertown foi uma grata surpresa e veio reforçar o quanto o Brasil tem excelentes gamedesigners. O fato de os jogadores compartilharem um mapa central, ao invés de cada um ficar na sua, acho que é a alma do jogo. Papertown, inclusive – e me perdoem os fãs dos designers gringos – achei mais divertido que Akropolis (Messaud, 2022) e Kingdomino (Cathala, 2016) justamente pelo fato dos jogadores compartilharem o mesmo mapa central e ocorrer o cabo-de-guerra na colocação dos habitantes.
Um texto de
Raphael Gurian
A ideia deste formato de análise não é explicar um jogo, para isso existem muitos outros textos, vídeos e etc. A finalidade do texto é fazer uma análise crítica acerca de critérios que acho importante e que muitas vezes acabam não sendo explorados em análises de uma forma mais detalhada. Os jogos analisados não seguem qualquer critério comercial, incentivo ou pagamento, sendo escolhidos com base em fontes de vozes da minha cabeça, aliado ao fato de ter já jogado o jogo em questão muitas vezes, a ponto de me sentir confortável em opinar sobre o mesmo.
Confira também redes:
Instagram: https://www.instagram.com/sociedade_dos_boards/
Blog: https://sociedadedosboardsbr.home.blog/