(Análise) Corrosion
Título: Corrosion (2021)
Designer: Stefan Bauer
Arte: Dennis Lohausen
Editora nacional: Galápagos
Nº de jogadores: 1 a 4
Comande uma fábrica em um mundo utópico para vencer neste jogo onde maior medo do jogador, diferentemente da vida real, não é o mofo, mas a ferrugem.
Resumo de Como o Jogo Funciona
Durante o turno do jogador, ele irá realizar algumas ações secundárias livres e optar por jogar uma carta da mão OU girar sua roda de corrosão. Caso opte por jogar uma carta, o jogador aloca a carta no espaço adequado de acordo com seu valor e realiza a ação correspondente da mesma (que pode ser receber recursos, adquirir novas cartas, adquirir peças de máquinas variadas, entre outras coisas); em seguida, outros jogadores podem realizar a mesma ação, caso joguem uma carta de mesma cor (naipe) de valor maior. A outra opção do jogador é girar a sua roda de corrosão, que faz com que ele receba algumas vantagens, caso tenha máquinas já construídas, e recupere as cartas da sessão onde a roda parou, contudo, todos os recursos e máquinas presentes naquele local foram corroídas pela ferrugem e o jogador as descarta permanentemente do jogo. A partida se encerra quando um acervo de fichas de pontuação acabar ou restarem uma quantidade específica de prêmios (que são fichas que concedem pontos de vitória no final da partida ao jogador que as possuir, seguindo alguns objetivos).
Mecânicas Principais: Gerenciamento de cartas; Gerenciamento de recursos... comento mais sobre na parte ‘Curva de Aprendizagem’.
Critérios
Ø Qualidade dos Componentes
PRÓS: É tudo de boa qualidade: cartas, marcadores, manual e caixa. Existem algumas engrenagens metálicas vendidas à parte, para substituir as engrenagens prateadas cartonadas, mas na minha opinião, as cartonadas que vem no jogo já são um charme e de excelente qualidade.
CONTRAS: Se eu for ser muuuito exigente, acho que o jogo poderia ter vindo com um tabuleiro central para deixar os componentes no centro da mesa mais organizados, talvez entregar mais tema também, porém isso é um ‘plus’, pois o jogo como veio funciona sem problemas. Ouvi relatos que algumas cópias vieram com mofo. Eu não tive esse azar, então não posso atestar sobre o caso.
(Todos os componentes)
Ø Tempo de Preparação de Partida
Baixo. Apenas olhando a imagem (aí acima), pode parecer que o jogo tem muuuito componente, mas na prática, não demora para ser ajeitado na mesa. Basicamente, os jogadores precisam pegar as pilhas de máquinas (4 diferentes) e cartas (1 pilha só), dar aquela embaralhada individualmente e colocar nos locais recomendados. Além disso, tem os tabuleiros individuais, as fichas de prêmio e alguns pontos de vitória brancos para colocar na mesa. Só isso basicamente. Se o jogador usa um daqueles organizadores plásticos de lojas de utilidade, fica bem rapidinho (eu mesmo faço isso sempre). Considerando o tempo de partida, 60 a 120min, os 5 minutinhos despendidos na preparação compensam o trabalho.
Ø Arte
PRÓS: Os tons acinzentados e amarronzados que remetem ferrugem e o ambiente de uma fábrica são bem feitos e simulam bem o cenário. As personagens nas cartas são bem desenhadas, apesar do traço sem muitos detalhes.
CONTRAS: O título na lateral da caixa é quase ilegível, deixando a caixa meio ‘apagada’ na prateleira ao lado de outras obras. O manual contém blocos de texto muito juntos, por vezes corridos de lado a lado da página em uma única coluna, deixando a leitura cansativa e até um pouco confusa. A iconografia da engrenagem pequena e engrenagem média são um pouco parecidas, então pode ser que o jogador as confunda no começo. A parte textual temática é rasa, pequena e pouco informativa. Todas as máquinas, salvo o formato diferente (útil para o viés mecânico) são todas iguais, então não parecem ter personalidades e características próprias.
(Exemplos das cartas)
Ø Curva de Aprendizagem
Média. ...continuando o que mencionei na descrição ‘Mecânicas Principais’, Corrosion não é um jogo com um conjunto de mecânicas claras. O que quero dizer com isso é que diferentemente de outros jogos onde conseguimos falar “Haaa, esse tem alocação de trabalhadores”, “Aqui tem construção de baralho”, “X é controle de área” e assim por diante, Corrosion não tem uma mecânica central consolidada no qual os jogadores consigam reconhecer alguma característica que irá explicar, a grosso modo, como que o negócio funciona mais ou menos. Corrosion é um jogo de ‘baixar carta, fazer o que ela diz, com isso pegar coisa e recurso, recurso esse que gastamos para construir aquelas coisas que pegamos, que quando construídas geram algum bônus. E, além disso, quando queremos recuperar as cartas podemos perder parte das coisas que acumulamos”. É isso. Justamente pelo fato de não ser algo tão convencional, o jogo se torna um pouquinho mais complicado do que o esperado, mesmo para quem já joga faz algum tempo. Contudo, passada essa barreira de estranheza inicial, o jogo flui muito bem – mas não ache que é fácil ‘jogar bem’. O jogo depende bastante de combinhos e situações que os jogadores precisam analisar com calma, além da necessidade de sacar a dinâmica sobre o tempo (timing para os íntimos), onde abrir mão de cartas de valor mais alto para fazer ações no turno de adversários pode ser crucial. Corrosion é aquele tipo de jogo onde saber ler as oportunidades são 80% do resultado e os outros 20% são conseguir colocar em prática o que temos em mente.

(Alguns dos componentes – tudo cartonado, com exceção dos marcadores de água)
Ø Presença de Tema
Muito Baixa. O designer tentou amarrar as mecânicas ao tema e, forçando um pouco a amizade, até que conseguiu de certa forma, contudo, deixou coisas essenciais de lado. Pensando na parte prática, que é o tema sentido enquanto se joga, as coisas fazem um pouquinho de sentido: A. o girar da roda de corrosão simula o passar do tempo; B. construímos motores (segundo o manual) e para tal usamos engrenagens, das quais as cromadas/inoxidáveis fazem máquinas que duram muito e sem elas as máquinas duram pouco. Até aí, beleza. Agora, todo o resto: nadinha faz sentido ou, no melhor dos casos, esqueceram de nos contar um pedaço da estória (afinal, só tem um mísero parágrafo no manual dedicado ao tema – e nem é tão bem escrito). Segundo o manual: A. vivemos em uma espécie de mundo alternativo utópico e somos empreendedoras alegres com o tilintar do maquinário ao nosso redor. Motivo? Não tenho ideia; B. Nessa realidade o ar está saturado de vapor, o que faz com que tudo enferruje rápido (ao menos, muito mais rápido que na nossa realidade, aparentemente). Motivo? Também quero saber; C. Nessa realidade, todas as trabalhadoras (presentes nas cartas) são mulheres. Motivo? Sei lá; D. As máquinas que construímos em nossa fábrica servem para quê? Onde são usados esses motores? Não tô sabendo; Os pontos de vitória simbolizam o que exatamente? Irineu, você não sabe e nem eu. No final das contas, o tema está lá só para dar uma corzinha para os componentes.

(...Mais alguns componentes cartonados)
Ø Rejogabilidade
Alta. O jogo conta com uma quantidade boa de máquinas cromadas (as que na foto acima estão na parte inferior), e elas possuem diversos efeitos variados e como nem todas aparecem durante a partida, e surgem de forma aleatória ao longo do tempo, o jogador precisa ir se adaptando ao que surge e aos custos (uma determinada máquina, se aparece muito tardiamente, nem dá tempo de ser feita algumas vezes). Existem também diversas cartas e ativações das máquinas menores (as quadradas e as com o formato com quinas arredondadas), contudo elas variam menos em possibilidades, porém ainda é preciso aprender quando é mais válido e útil pegar cada uma ou deixar para lá. Conclusão: a rejogabilidade, que é alta, reside na variação de peças e momentos que elas aparecem nas partidas possibilitando (ou não) certos efeitos.
(Exemplo de partida rolando)
Ø Interação
Média. A partida deixa os jogadores isolados, sem nenhum tipo de efeito que vá atrapalhar diretamente outro jogador e interagir com o jogo do terceiro, sendo o único momento de interação direta quando alguém pega uma peça antes, mas que outra pessoa queria. Isso é uma faca de dois cumes, afinal tem gente que gosta de jogo ‘solitário’, enquanto tem gente que odeia. PORÉM, existe um outro momentinho de interação: quando o jogador ativo desce uma carta, todos os outros jogadores na mesa podem jogar uma carta de mesma cor (naipe) que seja de número maior. Se alguém o fizer, quem fez também ativa o efeito da carta do jogador ativo. Na prática, isso fará o jogador ‘não-ativo’ jogar fora (momentaneamente) uma carta com efeito melhor para ativar um efeito mais fraco, contudo, é como se fosse um turno na vez do outro e ao longo da partida esses pequenos momentos são muito importantes, uma vez que a partida tem pontuação um tanto apertada. Essa aparentemente simples mecânica (jogar carta na vez do outro) adiciona uma camada a mais na estratégia, uma vez que faz com que o jogador se preocupe com o valor das cartas que compra pensando também no seu uso ‘fora da sua vez’, além de pensa apenas no tempo que ela irá voltar para sua mão e o seu efeito quando jogada. Dessa forma, Corrosion é um jogo relativamente solitário, mas que é preciso ficar sempre de olho na ação que os adversários fazem em seu turno, balanceando essa questão.

(Área do jogador – não existe tabuleiro central, então é ai que praticamente acontece tudo)
Ø Fator Sorte
Relevância na partida: Muito Baixa. Nem tem muito o que falar: salvo a ordem de aparição das peças e cartas, que ainda ficam sempre três disponíveis por vez e a próxima que for entrar no mercado ainda fica à mostra, não existe nada que gere aleatoriedade, como dados ou afins. Mesmo as cartas do jogador, ficam todas na sua mão à disposição e não em um baralho. Porém, existe uma pequena escolha de gamedesign que eu não curti: a colocação de ‘fichas de ponto de vitória brancas’ na máquina cromada mais à direita sempre que uma máquina cromada qualquer é pega por um jogador. Eu entendo que isso serve para acelerar o final da partida, mas achei que isso é arbitrário. Às máquinas mais à direita não são mais caras, mais valiosas, nada disso. Elas estão ali por mero acaso, então elas acabarem tendo um atrativo maior (no caso, em pontos) foi uma escolha meio aleatória para mim. Acho que poderiam ter resolvido essa questão desses pontinhos (que são as fichas brancas) de outra forma e/ou com outros critérios. O modo solo também é impactado de forma mais relevante com o Fator Sorte do que o modo multijogador, mas falarei disso mais para frente.
Ø Fator Estratégia
Relevância na partida: Alta. Aqui temos a balança em relação ao Fator Sorte (como de costume). O jogador PRECISA saber o que está fazendo, como e – principalmente – quando. Como as cartas já usadas pelos adversários ficam abertas na mesa (junto de suas áreas de jogo pessoais), dá para o jogador ler e tentar prever se o adversário irá fazer alguma ação que acabe pegando um componente da área central na sua frente, diminuindo até mesmo a responsabilidade da sorte nesse tipo de ‘furada de olho’. Logo, Corrosion é um jogo onde escolher um caminho e segui-lo é essencial, pois jogar ‘vendo o que acontece’ vai acabar fazendo o jogador ficar perdidinho.
(Área central, onde os jogadores compram as coisas. Tá mal focado, eu sei... desculpa!)
Ø Preço e Valor Percebido
Depende. O jogo foi lançado caro para a premissa (mais de R$350,00) e ainda achamos algumas cópias (a maioria lacrada) nesse preço. Para mim, R$350 é muito caro para o jogo. Não apenas pelo que ele representa no hobby e pelo que vem de componente, mas até mesmo pelo fato diversão que ele proporciona. Não me entenda mal. É um bom jogo (se não fosse, eu nem faria esta análise completa), maaahh não vale trezentão e bordoada nem aqui, nem em nenhuma das 58 ilhas localizadas a 1000 quilômetros do litoral do Equador¹. Por outro lado, eu comprei minha cópia numa blackfriday por uns R$100. Por cenzinho, para mim, ele vale e vale muito (foi-se o tempo que R$100 era ‘cenzão’).
Ø BÔNUS: Algumas dúvidas corriqueiras:
- Funciona com qualquer quantidade de jogadores? Sim! O jogo é idêntico. Não muda nada, sequer na preparação. Se você não se incomoda com jogos mais solitários, vai de boa.
- É possível jogar com crianças? Eu diria que não. A necessidade de ler a oportunidades, entender o timing de ativar o giro de corrosão e descer as cartas dependem de uma noção estratégica importante. Então recomendo jogar apenas com crianças maiorzinhas e que tenham bastante prática, caso gostariam de tentar se funciona.
- Dá para jogar sozinho? Sim, e o jogo é basicamente o mesmo. O maior problema é que ele roda na base do “Bate seu Recorde” e como a ordem de surgimento das peças é variável e as peças cromadas possuem efeitos bem diversos, o placar final pode ficar dependente do que surge e não apenas do quanto o jogador manja, o que pode ser meio broxante para alguns jogadores.
RESUMO RAPIDÃO
O que gostei:
- Componentes de excelente qualidade (destaque pra o visual da engrenagem prateada cartonada);
- Muitas possibilidades de combinhos diferentes, apesar de curtinhos;
- Tempo de partida boa para o modo solo (60min).
O que não gostei:
- Tempo de partida longo para 3 ou 4 jogadores (120min);
- O manual poderia ter sido um pouquinho melhor diagramado.
Considerações finais:
Corrosion foi uma grata surpresa. É mais um daqueles jogos flopados que acabam me conquistando. Eu consigo entender, porém, o motivo de ter gente que não tenha curtido: ele tem uma complexidade estranha a princípio; a arte é sem graça; o tema é inexistente (e /ou incompleto) e, ainda, o preço de lançamento espantou muita gente. Depois de algumas poucas partidas, o jogo começa a fazer sentido e flui com facilidade, evidenciando um ótimo trabalho de gamedesign que entrega um bom desafio e diversas escolhas para o jogador.
Um texto de
Raphael Gurian
A ideia deste formato de análise não é explicar um jogo, para isso existem muitos outros textos, vídeos e etc. A finalidade do texto é fazer uma análise crítica acerca de critérios que acho importante e que muitas vezes acabam não sendo explorados em análises de uma forma mais detalhada. Os jogos analisados não seguem qualquer critério comercial, incentivo ou pagamento, sendo escolhidos com base em fontes de vozes da minha cabeça, aliado ao fato de ter já jogado o jogo em questão muitas vezes, a ponto de me sentir confortável em opinar sobre o mesmo.
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