Esse é meu primeiro textão® aqui na Ludo e vou dividí-lo em três partes para que, assim, você possa pular para a parte que mais te interessa pelo título ou ler tudo, se estiver com tempo. O tema é sensível, porém importante a ser discutido. Vamos lá?
A pirataria é positiva ou negativa?
Polêmico, hein? Muitos vão ler esse título e já ter a sua própria resposta na ponta da língua, mas vamos deixar o certo e errado um pouco de lado.
Conhece o Jason Thor Hall? Não? Ele é o diretor da Pirate Software, uma desenvolvedora indie do jogo Heartbound de PC. " - Ahhh tá, aquele" ou você reconheceu ou piorou tudo.
Enfim, recentemente ele tava em uma live aí e comentou sobre a pirataria no Brasil. Isso ganhou um grande alcance de visualizações, não só da gente, mas os gringos também acharam o máximo. Basicamente ele disse que a pirataria é um problema econômico, os brasileiros testaram a demo do jogo dele, Heartbound, mas não conseguiam comprar, então, para resolver isso, ele abaixou o preço especialmente pro Brasil e deixou em R$20,00, o equivalente a um desconto permanente de 60% do preço original do jogo. Os brasileiros passaram a pagar menos que o resto do mundo porque, pra ele, é um preço que fazia sentido aqui, senão seria muito caro. Resultado? Ele vendeu tanto que mesmo com o valor mais baixo no país ainda corresponde à 25% da receita total do estúdio de nome irônico.
Ele não só localizou o preço pra cá, como o idioma também - fonte: Twitch
Não posso deixar de comentar, mas o "Notch", ou Markus Persson, nada mais, nada menos, que o criador de Minecraft, disse lá atrás algo ainda mais radical de seu jogo. Um usuário do Twitter o marcou, em Janeiro de 2012, pouco depois do lançamento oficial do Minecraft que foi em Novembro de 2011, e perguntou se poderia receber uma conta grátis do game, pois não tinha dinheiro e a outra única opção seria piratear.
"Apenas pirateie. Lá na frente, se você ainda gostar e tiver dinheiro, compre então. Também não se esqueça de se sentir mal por isso
" respondeu o Notch.
Nessa época o Mine já vendia bem, mas mal sabia ele que seria o top 1 jogo mais vendido da história (wikipedia), acima até de GTA V, mesmo com a pirataria autorizada por seu dono. Seria um case de sucesso da pirataria? É possível isso? É tipo falhar pra frente. Mas é certo que ele não se importou em manter a acessibilidade do jogo a qualquer custo.
Muito mudou e, de lá pra cá, a personalidade de Notch também. Mas isso não vem ao caso 
E eu? E você? Bom, por morar no Brasil, posso dizer que, no meu caso, se não houvesse a pirataria talvez eu nem estaria aqui escrevendo isso. Meus pais nunca tiveram muitas condições e a grana pra receber presentes era escassa. "- 3 jogos por 10 reais", as vezes até menos, era o lema dos camelôs para PlayStation 1 e 2, que viviam lotados. Winning Eleven, GTA, The Sims de PC com todas as expansões, Sim City. O mundo dos games de forma acessível e que, se não fosse por isso, eu dificilmente conheceria tantos pra entrar de cabeça nesse mundo.
Hoje estou aqui, crescido, comprando meus próprios jogos, tanto boardgames quanto virtuais, então será que a pirataria teve um aspecto positivo? Hoje a indústria ganha de mim porque me """deixou""" (muitas aspas) usá-los de graça lá atrás? Eu poderia continuar falando de pirataria de forma geral, falar muito sobre o boom do streaming e sobre sua atual decadência, de como a pirataria acaba sendo mais interessante quando os meios legais são de difícil acesso, daria um texto só disso. Mas não é isso que quero falar. Então vamos para a segunda parte.
Lembra dessa propaganda antes dos filmes no cinema? Ela foi feita com uma música pirateada do autor Melchior Reitveldt, é mole? Procura aí.
Como é a pirataria dos boardgames?
Existem 3 meios. Os dois primeiros são debatíveis e, em grande parte das vezes legais, ou o autor nem se importa, já o terceiro é definitivamente ilegal.
Vou passar rapidamente pelos dois primeiros já que não são o foco de hoje.
1- "PnP" ou "Print and Play". Basicamente você imprime e sai jogando com a galera. É uma cópia não-autorizada, o designer, editora, lojista não ganharam nada com isso certo? Sim e não, depende. As vezes o autor mesmo disponibilizou, por exemplo vários dos 18XX estão nesse formato, dá uma olhada lá no Shikoku 1889, recomendado como um dos melhores 18XX para iniciantes e você vai ver que o cara deixou lá para ser jogado a vontade. Alguns jogos estão Out of Print e sem previsão nenhuma de serem relançados e, se forem raros, as vezes a única saída é um PnP. Como eu disse, discutível, mas é 100% justo ser removido quando o designer não quer disponibilizá-lo.
2- Virtual, em sua maioria via Tabletop Simulator. Existem mods dos jogos nesse simulador que possuem todos os componentes e até scripts que simulam as manutenções dos turnos. Você pode entrar lá, selecionar o que quer e sair jogando com seus amigos, mas alguém tem que ler as regras antes, claro haha. A grande maioria dos autores não se importam ou até incentivam os jogos estarem disponíveis ali, várias campanhas do Kickstater já vem com uma cópia direto lá para teste. Muita gente, eu incluso, diz que os jogos físicos são insubstituíveis, então jogar por lá nunca vai matar a vontade de jogar presencialmente e todo mundo vai acabar comprando o boardgame de qualquer forma. Então qual o enrosco? Tem editora e designer que simplesmente não gosta. A Awaken Realms, por exemplo, pede pra derrubar qualquer mod lançado lá, a Stonemaier só lança se for DLC (conteúdo extra) paga, enfim, tem gente que não vai com a cara do negócio, mesmo trazendo resultados positivos para as vendas de vários financiamentos coletivos de sucesso.
O terceiro, e aí sim o bicho pega, são as lojas chinesas (você sabe quais são os sites, não faz carinha de desentendido não) que vendem o jogo sem licença.
Como alguém compete com esse preço?
Aqui que mora o problema. Recentemente vi um aumento expressivo das pessoas comentando desses sites nos grupos, avaliando, mandando foto dos recebidos e fiquei "hãn?
". Quando isso começou? Tá, que falsificam jogos faz tempo eu sei. O único meio de eu ter jogado meu primeiro carteado, Yu-Gi-Oh, foi por causa da febre de venderem cartas falsificadas nos camelôs do Brasil, e eu pirava jogando diga-se de passagem. Mas e essa agora? Eles estavam lá, mas quando começaram a comprar assim e eu não fiquei sabendo? Ainda mais agora que a maioria dos jogos até existe por aqui nas nossas terras. Ainda comentam da qualidade que parece bastante com a do original, muitas vezes imperceptível a menos que você tenhas as duas cópias lado a lado.
Mas é só jogo de carteadinho, que é falso não é? Não, não, você também encontra os maiores como o Catan, Ticket to Ride, Splendor e até Heat! (Que tá pra chegar aí com o hype daquele jeito).
Uma coisa é certa, a diferença pros outros dois meios de pirataria acima é gritante, não? Nesse modo definitivamente o designer não sai ganhando, nem a editora, nem o lojista, ninguém além da loja lá na China e você... Hmm, você? Será? Mas tá barato! Uai, tá mesmo, mas calma aí, vamos refletir sobre isso já, já. Peraí que vem a parte 3.
OK, e como a pirataria me afeta?
Espero que você tenha conseguido ler tudo até aqui. Se pulou direto, tudo bem, eu só quero dizer que aqui tá o motivo real de eu ter escrito tudo isso. Quando fiquei sabendo que comprar boardgames falsos está começando a ficar em alta pensei: "Por que ninguém está comentando sobre isso?" Me toquei que era um assunto sensível e essa devia ser a principal razão (inclusive, tomara que eu consiga enviar esse texto sem tomar block, haha). Daí pensei algo que não deveria ter pensado: "Eita, será que já comprei ou troquei algum boardgame falso de alguém e nem sei?". Oh, oh, cuidado porque essa pergunta é um vírus, e uma vez que você pensou já está infectado. Descobri que a resposta é não, eu não peguei nenhum desses jogos falsificado ainda. Mas agora fica sempre aquele "e se?", uma desconfiança que eu não tinha aqui.
Primeiramente, antes de continuarmos, eu não quero julgar e nem quero que julguem quem já comprou esses piratex aí. Lembra lá no começo do texto que falamos dos jogos serem acessíveis? Pois bem, você acha que os boards são acessíveis? Definitivamente são mais hoje do que quando comecei em 2016, existem muito mais lançamentos, traduções, possibilidades, mas e em questão de preço? É qualquer um do Brasil que consegue jogar ou estamos travados em apenas pessoas de uma classe social pra cima ter acesso? Dito isso, é compreensível que alguém não tem bufunfa sobrando pra comprar jogos novos, talvez até o seu primeiro de todos.
Agora vamos lá, voltando... Os tabuleiros ainda são de uma área muito nichada. Quantas lojas somente disso você tem na sua cidade? Se você falou várias, tem sorte, provavelmente é de SP ou outra capital, a maioria aqui vai pensar somente em uma ou, mais provavelmente, 0 (zero). Esse nicho também traz algo muito positivo que é o mercado extremamente ativo de revenda de usados. É isso, estamos falando daqui. Tudo aqui funciona porque, mesmo desconfiados, temos uma confiança maior que em outros mercados por aí. Como é bom poder vender seu jogo recém-comprado que você não gostou por praticamente o mesmo valor pra outra pessoa, não é? E que legal poder comprar tranquilo aquele BG mais barato usado que está perfeitinho, sem amassados, sem xixi de cachorro (quem entendeu, entendeu)... sem mofo... hmm... original... Original?? Ah não, mais uma preocupação agora?
Anúncios como esse serão mais comuns? Tomara que não.
Você que comprou da China aí, todo certinho, pensou: "É só dessa vez, prometo. E tem mais, nem vou por pra vender mesmo, tá tranquilo". Nem vai por pra vender? Talvez você acredite mesmo nisso, mas provavelmente tá se enganando. Eu tenho jogos que jurei de pé junto que nunca venderia, mas com o tempo ficou encostado lá na estante e bate aquela vontade. Você nem tá mais jogando e precisa girar a coleção, vender pra comprar outros e então toma a decisão final. Ao tentar vender de formas oficiais não pode anunciar que é pirata, senão vem o BAN do anúncio (e provavelmente do seu usuário). O que você faz? Tenta vender no seu grupo explicando que é falso? Essa talvez seja a saída mais honesta. Mas será que todo mundo vai fazer isso? Hmmmmm, não vai né? Ninguém acredita que vai.
Aí que tem aquele carinha, aquele que comprou o Scout falso por R$30, viu lançando no Brasil por R$100+ e pensou "o loco, vo faze dindin hihi". Esse é aquele famoso "HIHI levei vantagem" tipo de pessoa que eu não quero falar muito dela. Não quero porque penso que ninguém que tá lendo até aqui é esse tipo de pessoa.
Volta aqui comigo. Deu pra ter uma ideia que o mercado de BG's precisa de confiança? Já não basta o mofo surpresa, que não existia antigamente, e hoje acontece MUITO, será que o futuro é ficar conferindo se é original ou falso? "Mas eu não vou vender, tenho certeza que não vou fazer isso." Bom, parou pra pensar que enquanto você compra e espalha a palavra dos jogos piratas, definitivamente tá ajudando a notícia a chegar nos ouvidos de quem VAI fazer isso? Consequentemente, tá se colocando numa posição em que pode ser vítima do golpe.
Por aqui certeza que rolarão bans quando casos acontecerem e forem descobertos. Mas e as trocas então? E a Math-Trade que dá um trabalho gigante pros organizadores e agora podem ter jogos piratas na surdina lá no meio? E o cara que trocou, nem percebeu que era pirata, agora vai trocar de novo e é dito como culpado?
Para isso aqui não parecer uma publicidade disfarçada das editoras, perceberam que nem mencionei elas ainda? Mas é, fica mais difícil trazer jogos para o Brasil se a galera preferir comprar da China. Não concorda com as políticas de algumas editoras? Tá tranquilo, pensa no seu lojista favorito gente boa, já quase não existem muitos, o cara também ganha dinheiro dos jogos que vende pra você.
Todos os problemas citados caminham ao contrário da acessibilidade que comentamos lá em cima. Ao comprar jogos piratas em busca da acessibilidade, de certa forma você está caminhando ao contrário, mesmo que sem querer, sem perceber. Tá dificultando várias cadeias que fazem com que os boards tenham chegado ao patamar que estão hoje.
Louco né? O papo vai longe, eu poderia escrever mais, só que o texto já está enorme, vai ficar improdutivo ler, chega por enquanto. No fim eu nem respondi efusivamente a pergunta: é positivo ou não a pirataria? Bom, deixo com vocês aí nos comentários, só cuidado para não quebrarem nenhuma regra hein?
Valeu!