(Análise) Fort
Título: Fort (2020)
Designer: Grant Rodiek
Arte: Kyle Ferrin
Editora nacional: Meeple BR Jogos
Nº de jogadores: 2 a 4
Abra a antiga caixa de brinquedos, pegue seu preferido, esqueça os boletos e volte a ser criança e correr pelo bairro em Fort, um jogo de construção de baralho muito temático e com uma arte bem característica e estilosa!
Resumo de Como o Jogo Funciona
Durante uma partida de Fort, os jogadores irão alternar turnos jogando cartas de sua mão, coletando recursos (pizzas e brinquedos), aumentando seu forte e adquirindo novas cartas. De modo geral, os turnos seguem a seguinte sequência: jogadores removem cartas que deixaram de jogar na rodada anterior e ficaram em seu quintal; de sua mão de cinco cartas, selecionam uma e a jogam, utilizando outras de naipe similar, caso desejem, para potencializar a ação; compram uma nova carta para seu baralho, seja do mercado central ou de quintais de outros jogadores; descartam cartas que não usaram para o seu quintal (para que adversários possam comprar, caso queiram); por fim, compram cinco novas cartas. A partida prossegue por uma quantidade não definida de rodadas, sendo encerrada quando algum jogador constrói seu quinto nível de forte ou alguém chega nos 25 pontos na trilha de pontuação. Ao final da partida, são somados pontos coletados através do forte e algumas cartinhas de objetivo, além do acumulado na trilha de pontuação. Vence o jogador com mais pontos.
Mecânicas Principais: Construção de baralho.
Critérios
Ø Qualidade dos Componentes
PRÓS: Cartas de excelente qualidade; Caixa bem resistente e com um berço que comporta todas as cartas, inclusive com sleeves; Tabuleiros com dupla camada de boa qualidade e muito funcionais; Marcadores de recurso em madeira e com uma pequena impressão, o que é bem legal, apesar de não ser tão necessário de fato; Manual bem diagramado e cheio de ilustrações; Folhas de ‘ajudinha’ das iconografias bem grande e com quantidade para todos os jogadores.
CONTRAS: Os marcadores de pontuação serem pequenos e o tabuleiro de pontuação não ser dupla camada como os demais; O organizador interno é legal e funcional, porém poderia ser um pouquinho melhor planejado, tanto tendo divisórias na parte dos marcadores de madeira ou deixando a profundidade da caixa destinada ao lado com as cartinhas mini maior, para que elas coubessem com sleeves sem ficarem ‘soltas e dançando’, já que espaço para isso existe.
Nota: Uma coisa que aconteceu comigo, mas foi remediado facilmente, é que os tabuleiros de jogadores (os com dupla camada) vieram levemente envergados, porém com um pouco de força, jeito e umas horinhas sob uma pilha pesada de livros os fizeram voltar ao estado que deveriam: retinhos!
(Todos componentes)
Ø Tempo de Preparação de Partida
Baixo. Preparar uma partida de Fort é rapidinho! Apesar de serem três baralhos a serem embaralhados, cada jogador consegue fazer uma coisa, além de preparar seu tabuleiro individual e, em coisa de 2 minutos, está tudo pronto! Uma coisa que ocorre opcionalmente na preparação, é uma fase de seleção de cartas (draft) inicial, para mitigar a sorte da distribuição inicial de cartas (chamada no manual de Preparação Avançada), contudo eu não contabilizo essa etapa toda como ‘tempo utilizado na preparação’, uma vez que isso já faz parte da estratégia do jogador e não se resume apenas em ‘colocar coisa X no seu lugar’ (eu mesmo acho divertido me deparar com esses dilemas e escolhas da mecânica de seleção de cartas, então considero já parte da partida).
Ø Arte
PRÓS: Pode ser que tenham colegas pro ai que não curtam a linha artística do jogo, eu respeito e compreendo, mas eu particularmente adorei! Acho o traço bem característico e cheio de personalidade, me lembrando bastante desenhos de décadas passadas (de quando eu, um dia, fui ainda mais criança e adolescente), onde tudo transmite uma ideia de um mundo igual o nosso, mas diferente de certa forma, onde a paleta de cores e os traços firmes fazem parecer que o universo do jogo é visto sob uma ótica levemente distorcida, porém no bom sentido, dando uma identidade visual para o jogo peculiar, divertida e memorável; Outro ponto interessante é ver como o jogo conseguiu se fazer funcional apenas utilizando de iconografias nas cartas principais (não que o jogo seja isento de necessidade de leitura, uma vez que as cartas pequenas (Regras Inventadas e Vantagens) são compostas por textos), de tal forma que lá pela terceira partida o jogador já sabe de tudo e, provavelmente, nem precise mais da carta de ajuda para entender os símbolos.
CONTRAS: A trilha do Nível de Forte pode gerar uma ligeira confusão no início, uma vez que o marcador usado esconde o valor do nível, o que acarreta com que jogadores (principalmente iniciantes) confundam o valor de pontuação com o valor de nível do forte, que é um valor relevante para saber o limite de cartas no esconderijo e coisas na mochila, logo, o número do nível do forte bem que poderia estar impresso na parte inferior do espaço do marcador, para que não ficasse escondido e a marcação relacionada ao lembrete de ganhar carta dentro do círculo, uma vez que quando tampado e escondido pelo marcador, já não faria mais diferença.
(Alguns componentes em detalhe)
(Outros componentes em detalhe: as cartas)
Ø Curva de Aprendizagem
Baixa. No geral, o jogo é bem simples, com fases bem estruturadas e rápidas. Como o tabuleiro individual conta com uma lista de cada fase, basta o jogador na sua vez jogar acompanhando o texto e estará tudo certo! Antes da metade da partida ele já deve ter pego o fluxo. O que vai demorar um pouco mais é decorar a iconografia e, ainda um pouco mais depois, sacar a sinergia das cartas, uma vez que leva um tempo para pegar o jeito e entender quando é melhor fazer o que (voltarei nisso quando falar do tópico Estratégia).
(Folha de ajuda das ações. Assusta no começo, mas é bem simples!)
Ø Presença de Tema
Alta. O tema está presente o tempo todo, principalmente se os jogadores se entregarem ao conceito. O curioso em Fort, é que o manual em si não se esforça muito, tendo apenas um parágrafo pequeno na introdução e algumas frases soltas ao longo do texto que realmente buscam inserir o leitor/jogador no tema. O que temos, então, é o jogador sentindo o tema ao longo da partida, que é o que todo jogo deveria alcançar. Vemos isso através da arte cativante e colorida, os recursos que simbolizam o que crianças querem mais que tudo (pizza e brinquedos), os naipes (que vou chamar no texto de facções) que transmitem as predileções e características das crianças e estão relacionadas com o apelido e arte de cada carta e até mesmo a mecânica de construção de baralho e forma de ativação de carta faz sentido temático! Durante a partida, cada fase consegue simbolizar tematicamente a dinâmica das crianças brincando: a fase de limpeza é basicamente o momento em que crianças que não participaram da ‘brincadeira da rodada’ ficam ainda com você ou vão em busca de aventuras em quintais vizinhos, a fase de jogar cartas simboliza a criança que está a frente da brincadeira e as demais que as seguiram brincando juntos, a fase de recrutar é aquele momento em que novas crianças aparecem e se juntam ao grupo de amigos, o descarte é semelhante a fase de limpeza, mas o momento que pensam e não que decidem ficar ou ir embora e a fase de compras é o momento que a galera se reúne. Algo similar acontece com as ações, seja colocar coisa na mochila, esconder brinquedos ou pizza para depois, melhorar o forte e assim por diante. Apesar de todos elogios, uma coisa boba me incomodou um pouco: entendo perfeitamente a questão mecânica de existirem mais de uma carta igual (duas de cada, para ser mais exato) para que trabalhe mais as probabilidades, contudo existirem (duas) cartas iguais, da mesma criança, inclusive com o mesmo apelido (nome da carta) me pareceu anticlimático, por existir o cenário onde uma criança estará em dois locais (quintais) ao mesmo tempo. Solução para isso? Não sei, afinal não faria sentido cartas com efeitos iguais terem nomenclaturas diferentes, porém a falta de solução não pôde passar batida nesta minha análise.
(Verso de um dos tabuleiros de jogador com historinha sobre os melhores amigos!)
Ø Rejogabilidade
Alta. Fort tem muitas cartas diferentes e como no turno o jogador acaba ativando apenas uma, existe uma boa variabilidade de possibilidades, além de um grande elemento de decisão nas mãos do jogador. Por mais que existam cartas com ações aparentemente mais fortes que outras, todas são bem situacionais, dependendo muito de como o jogador monta seu baralho, com quais outras cartas ela aparece na mão e quais outras opções aparecem no mesmo momento, então o jogador irá sentir que suas escolhas são importantes para a manutenção de seu baralho, devido a mecânica simples de ‘o que não usou, o adversário pode pegar”. Uma coisa que senti nas primeiras partidas, e continuo sentindo até hoje, é que o jogo tem o nome ‘Fort’ não levianamente, pois fazer o forte é realmente algo que concede muita pontuação, logo será bem comum ver o final do jogo se dar pela finalização do forte ao invés do limite de pontos, tornando as partidas sempre como corridas para ver quem termina antes o forte, mas não que isso seja algo ruim, contudo, é algo a se alertar, pois o timing do jogo irá girar todo em torno disso. Quando eu peguei o jogo, imaginei que o forte era uma das opções, mas acabei percebendo que é “A” opção, devido ao montão de pontos que ele dá no final das contas, de tal forma que se um jogador opta por pontuar de outra forma, mas ignora o forte, muito provavelmente essa pessoa vai perder a partida. Apesar dessa constante sensação de corrida, saber lidar com os naipes (símbolos das cartas) e fazê-los trabalhar em sinergia é bem importante, dando diferentes caminhos estratégicos diferentes, já que cada naipe tem um foco maior em alguma coisa.
(Tabuleiro de marcação de pontos (acima) e tabuleiro individual (abaixo))
Ø Interação
Alta. Para proposta de um jogo de construção de baralho sem nenhum tabuleiro central (exceto de pontuação), a interação é alta devido a adição da mecânica que faz a “carta que não usou, fica à disposição de adversários”. Essa mecânica, para mim, é o diferencial do jogo e o que deixa ele tão divertido e engajante, pois eu fico realmente com receio de perder uma carta que pode ser boa, se vier na mão certa, então me vejo em encruzilhadas e algumas vezes até usando cartas em momentos que não são os melhores, apenas para segurá-las comigo mais tempo. Essa mecânica só funciona bem por um motivo: as cartas não tem valores, custos para serem compradas, então todas, em teoria, tem o mesmo valor, a depender de qual uso os jogadores irão dar para elas. Este fato ajuda em aumentar a interação por aqui, pois mesmo jogando de forma competitiva, é normal ficar prestando atenção nas jogadas dos adversários para ver quais escolhas eles fazem e como construíram o pensamento para justificar tal escolha. Eu gosto muito de jogos onde as escolhas dos adversários interferem diretamente no que vamos fazer e Fort faz isso de forma incrível, não apenas através da interação direta (o comprar de cartas do quintal do amiguinho), mas também na interação indireta, pois o se trata de timing (o tempo de fazer as coisas), onde o jogador que está mais à frente na construção do forte irá ditar o ritmo da partida e sempre que alguém toma a dianteira nessa corrida, essa pessoa que comanda o ritmo e assim por diante.

(Partida enquanto está acontecendo)
Ø Fator Sorte
Relevância na partida: Baixa. É um jogo de construção de baralho, contudo a mitigação na compra de cartas é grande por três motivos principais: 1. O jogador, efetivamente, acaba usando a ação de apenas uma das cartas que tem possui, entre as cinco que compõe sua mão; 2. Como a cada rodada, na maioria das vezes, o jogador compra apenas 1 (uma) carta nova, o baralho acaba correndo bem rápido, sendo reembaralhado muitas vezes ao longo da partida; 3. O jogador pode realizar ações em turno de adversários, então se uma determinada ação tem pouca probabilidade de aparecer em seu baralho pessoal, ainda existe a chance de conseguir fazê-la na vez de um adversário (ao custo de uma carta de mesmo naipe de sua mão). Outra coisa que contribui para o baixo impacto da sorte é que, apesar de assustar no início, não existem muitas opções tão diferentes assim (o que existem são formas diferentes que as cartas interagem com essas opções), logo se o jogador precisa de um determinado recurso, ele várias formas de fazer aquilo.
Ø Fator Estratégia
Relevância na partida: Alta. Quando o jogador entende a sinergia entre as cartas, digamos até as ‘características das ‘facções’’, e a importância da corrida pelo forte (o jogo se chama Fort e não Brincadeiras no Quintal, afinal!), o resultado tende a ser bem apertado, sendo a pontuação do forte que faz a diferença (não costumo e nem gosto de dar muito pitaco no sentido de soluções de design, afinal, quem sou eu... MAS acho que a pontuação do último nível do forte é muito alta, principalmente aliada à carta de Colagem de Macarrão), logo é preciso entender que o jogo se trata de timing (tempo para fazer as coisas), como foi dito no tópico Interação, e este elemento irá guiar a estratégia da galera. Outra coisa é que no início não vai ficar muito claro qual carta é melhor que outra, justamente por demorar um pouco para o jogador absorver a sinergia entre elas, porém uma vez que pegou as manhas, dá para montar baralhos de forma muito mais consciente, focando em um ou outro caminho, a depender sempre das cartas que possui.
(Caixa por dentro. Cabe tudo, mesmo com sleeves)
Ø Preço e Valor Percebido
Razoável, mas pendendo mais para ‘caro’. Como os componentes são de muito boa qualidade (tabuleiros de jogador com dupla camada, cartas firmes que parecem plástico, cubinhos de madeira e uma caixa bem resistente), acho que mediante o cenário atual, faz sentido o jogo custar perto dos R$200, porém não mais que isso. Para (quase) justificar o valor cheio, ao menos o jogo deveria vir com a expansão que existe lá fora, que são poucas cartinhas, o que não aconteceu.
Ø BÔNUS: Algumas dúvidas corriqueiras:
- Dá para jogar com crianças? Pequeninas creio que não, mas as perto da pré-adolescência acredito que sim, principalmente por não ter texto, apenas iconografias, contudo elas podem se confundir no começo (eu já 35+ me atrapalhei, imagina o Eu de 10 anos). Obviamente, parte da malícia do jogo irá se perder, mas isso vejo acontecer com qualquer jogar mais casual e iniciante também.
- Funciona bem em qualquer número de jogadores? Sim, mas muda um pouco a forma de pensar a estratégia, já que existem bem menos cartas a serem ofertadas nas rodadas, porém fica igualmente divertido e um pouco menos caótico (que é um pouco, pelo menos até entender bem a dinâmica das cartas).
- Nota curiosa: O designer, Grant Rodiek, também é autor de outros jogos, entre eles Cry Havoc (2016) e trabalha na empresa de jogos digital Maxis, uma divisão da Eletronic Arts (EA), sendo um dos atuais responsáveis da série de jogos digitais The Sims.
Opinião Pessoal
“Adoro jogos de construção de baralho e Fort certamente está em meu Top5 (não me pergunte exatamente a posição)! Temos em Fort um jogo com tema leve e divertido, ilustrações com personalidade própria e excelentes componentes. A única crítica é o jogo acaba (e relativamente rápido), pois achei muito gostosa a emoção de a cada rodada precisar decidir qual carta uso, diferente de outros jogos de construção de baralho que existe apenas a emoção do revelar de cartas, em Fort tempos um elemento que trouxe mais profundidade e faz toda diferença, que é a escolha de apenas uma carta que veio para nossa mão. Recomendo o jogo pela tríade: tema, arte e mecânica (coisa rara de acontecer). " (Raphael Gurian, o Pirueta)
“Fort é um ótimo jogo de construção de baralho, competitivo e de partidas rápidas. Seu nível de dificuldade é moderado, dependendo de estratégia e planejamento por parte dos jogadores. Possui uma arte cativante, com personagens divertidos que serão escolhidos pelos jogadores para auxiliarem em suas ações, a fim de construir o melhor forte da vizinhança. O primeiro jogador que conseguir subir o nível do forte ao máximo ou chegar a 25 na trilha de pontos, irá ativar o final da partida, e quem possuir a maior pontuação ao final, será o vencedor e dono do forte mais poderoso. É uma ótima opção para se ter na coleção.” (Heloisa Fernandes, a Jujuba)
Um texto de
Raphael Gurian
A ideia deste formato de análise não é explicar um jogo, para isso existem muitos outros textos, vídeos e etc. A finalidade do texto é fazer uma análise crítica acerca de critérios que acho importante e que muitas vezes acabam não sendo explorados em análises de uma forma mais detalhada. Os jogos analisados não seguem qualquer critério comercial, incentivo ou pagamento, sendo escolhidos com base em fontes de vozes da minha cabeça, aliado ao fato de ter já jogado o jogo em questão muitas vezes, a ponto de me sentir confortável em opinar sobre o mesmo.
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