Um papo aleatório:
Post (autobiográfico) sobre o ato de escrever sobre jogos
(se prepara, pois o texto é longo)
Saudações, guerreiros e guerreiras do plástico e papelão!
Eu sabia que em algum momento esse dia chegaria. Resolvi escrever um pouco sobre o processo que tenho com a escrita, logo, preciso falar um pouco sobre mim (não que seja fã de qualquer tipo de autopromoção, mas se faz um pouquinho necessário, já que o crivo pessoal sempre impacta na forma que vemos o universo que nos rodeia, por mais técnicos e imparciais que procuramos ser).
Primeiro acho importante declarar que não tenho nenhuma pretensão de que este texto seja lido por mais que meia dúzia de pessoas, até mesmo pelo título escolhido e pelo tema abordado. Existem alguns bons companheiros de hobby que vira-e-mexe enviam mensagens no privado falando dos textos, debatendo de forma saudável o assunto abordado, seja defendendo ou não meus argumentos, mas sabemos que o hobby é movido pelo hype e pela informação rápida (não que isso seja, necessariamente, uma crítica. É apenas a forma que o mercado precisa operar e não é exclusivo de jogos de tabuleiro).
Segundo, e como falei anteriormente, não gosto de autopromoção. Não tenho nada contra, mas não sou daqueles que colocam no rodapé de cada coluna escrita um pouquinho sobre si, quem é, o que fez e assim por diante. Acho, inclusive, muito bacana a pessoa que gosta e consegue se ostentar de forma eficiente (quem me conhece e acompanha sabe que tenho o problema constante de ser prolixo – vide estes parágrafos iniciais), logo farei uma rara exceção neste texto, me apresentando um pouco (quase setenta postagens depois...).
Quem sou eu
Prazer, Raphael. De sobrenome vindo lá da Europa, mas não me perguntem exatamente como ou de onde, pois perdeu-se no tempo. Estou no meio dos trintões, fiz comunicação, gestão de pessoas e hoje me aprofundo em psicologia. Pela maior parte da minha vida fui comerciante e organizador de eventos (e por aqui acaba o super resumo do currículo, tá bom já).
Não vou dizer que “jogos de tabuleiro salvaram minha vida”, sou dramático, mas nem tanto, porém, lhes digo em verdade, que os jogos de tabuleiro foram responsáveis por me dar um caminho mais claro e me ajudar e me entender melhor como pessoa, me incentivou a praticar algo que sempre amei (ler, escrever e jogar), a fazer entender melhor coisas que gosto, coisas que não gosto e assim por diante. Isso tudo é mérito exclusivos de jogos de tabuleiro? Claro que não. Eu poderia ter me achado da mesma forma em diferentes áreas do conhecimento, como na música, na culinária e toda uma gama quase infinita de opções (ter uma péssima coordenação motora não teria ajudado em nenhum destes dois exemplos que dei). Jogos de tabuleiro, contudo, possuem um componente que vejo como essencial para terem me conquistado: A interação, tanto com o jogo em si, como com as pessoas que dividimos mesa. Além de uma engenharia intelectual e uma abordagem artística, jogos nos colocam dentro de seus universos de forma que não sejamos apenas observadores da narrativa, mas personagens inseridos nela. Ler um livro, ouvir uma música, ver um filme, não conseguem trazer tamanha interação entre o universo criado e nós, leitores-ouvintes-observadores. Ok, agora entra uma discussão inútil, porém meio impossível de não abordar: “...mas jogos eletrônicos também fazem isso!”. Concordo, fazem. Mas hoje em dia não tão bem em relação a interação humana, devido a distância que a tecnologia atual impôs. Me lembro com muita clareza de minha infância noventista, no qual a diversão não era o jogo em si, não jogávamos Mario Kart ou 007: Goldeneye apenas pelo jogo em si, mas pela interação com os amigos no mesmo cômodo da casa. A verdade é que a brincadeira é sempre mais divertida com mais gente junto e o contato social (os amantes de jogos solo que me perdoem nessa!). Isso é algo que jogos de tabuleiro proporcionam com maestria, ainda mais em nossa era digital, que muitas vezes já nos obriga a ficar em frente a uma tela durante o horário comercial (e não vou nem adicionar o quanto isso aumentou devido a pandemia).
Comecei no hobby de forma bem tímida, uma meia década atrás, graças a uma livraria de um Shopping aqui de São Paulo. Estava lá eu, pimpão, passeando sem rumo, quando vi uma caixa com uma ilustração muito legal, com o tema de um jogo eletrônico que amava desde seus primórdios (XCOM, para os curiosos). Me indaguei imediatamente: “Mah o qué é esso?”. Não entendi na hora que se tratava de um jogo de tabuleiro. Quando me dei conta, pensei: “Eita, mas... tem outros além de War e Banco Imobiliário?”. Sim, amigos, eu não tinha ideia do tamanho deste universo naquele tempo-não-tão-distante-assim. Chegando em casa, fuçando na internet, comecei a entender um pouco mais o que era esse tal boardgame moderno. Um mês depois já estava numa loja especializada e adquiri, logo de cara, meus três primeiros jogos (um deles ainda está num cantinho especial da prateleira).
Um testemunho que acho importante, e também serve de parabenização para toda comunidade de jogadores de tabuleiro, é que eu não tinha ainda a menor ideia do quanto existia de gente bacana nessa bolha. Quando me dei conta, já estava conversando sobre jogos, debatendo opiniões e fazendo trocas por aí (nessas trocas que conheci dois caras finíssimos e montamos o grupo Sociedade dos Boards).
Tempo vai, papo vem, estou aqui escrevendo. Grandes amizades eu fiz e não troco por nada.
A escrita
Antes de continuar, parabéns a todos que se dedicam a criar conteúdo. Dá um baita trabalho e muitos por aí não reconhecem ou sabem disso. É exatamente por isso que resolvi escrever este texto.
Como entusiasta novato no hobby, sempre acompanhei criadores de conteúdo, seja de vídeo ou texto. Longe de querer fazer qualquer comparação ou juízo de valores, mas eu sempre senti falta de conteúdos de texto um pouco mais profundos, com mais justificativas para opiniões, sem aquele imediatismo comercial que algumas vezes sentia (e ainda sinto). Eu tinha dúvidas sobre como era um jogo e muitas vezes elas não me eram sanadas por ai, de forma que me via acompanhando apenas um canal ou outro (pausa para aplaudir um cara de São Petersburgo que eu achava os textos sensacionais e me inspirou a escrever, pena que sua estadia foi curta). Sentia ainda que faltava um pouco de ‘dedo na ferida’, sabem? Uma reclamação aqui, uma crítica ali, um texto sobre um jogo mais esquecido de vez em quando...
Com estes sentimentos me incomodando, peguei meu medo de escrever e, com muito esforço, o guardei no fundo da gaveta de meias. Eu ainda o ouço gritando, mesmo lá dentro, mas tento ignorá-lo. Acho, sinceramente, que essa insegurança é normal. Não é fácil lidar com críticas, ainda mais quando o assunto mexe com o emocional da galera de alguma forma. “Coitado daquele que criticar meu jogo favorito!” é algo muito comum de ver subentendido no meio, infelizmente. No final das contas, acabou que me senti feliz em escrever e fui até que bem recebido por muitos. Se você quer escrever, se faça um favor e comece (vale para qualquer criação de conteúdo, aliás. Destaco a escrita, pois as câmeras não gostam de mim e eu não gosto delas).
O Método
A forma de ler e escrever, o método, cada um tem o seu. Ponto. Posso falar aqui que a escrita é uma arte e tal, qualquer coisa verborrágica e isso e aquilo, e etc., mas a verdade é bem mais simples: Tudo se resume em entender o que queremos passar e fazer isso da forma mais sincera possível. Eu mesmo, devido a curiosidade e insatisfação com a informação que recebia (principalmente daqueles resumos infames e preguiçosos que editoras escrevem completamente nas coxas), parei e pensei: “Quais informações eu considero relevantes para saber sobre um jogo?”. Com base nisso pauto tudo que escrevi até hoje, sejam as análises aqui pelo canal ou participações em textos mais soltos pelo blog da Mega Geek.
A existência de um método conscientemente adotado é, basicamente, o que vai diferenciar uma postagem melhor fundamentada de uma conversa de bar (não que o bar não tenha seu valor, porém o pensar objetivamente sofre devido a ruídos e digressões diversas).
A primeira parte de minha própria fórmula (cada um constrói a sua), é a própria estruturação clara do texto. Eu sou uma pessoa bem pragmática neste sentido, então construo um esqueleto e sigo os tópicos à risca, pois acredito que desta forma o objetivo final é melhor alcançado nos textos, que é falar sistematicamente e de forma clara sobre um jogo.
Uma vez essa estrutura central montada, parto para parte mais difícil: Conseguir informações para alimentar este documento. Elas vêm, basicamente, via três pilares:
- Jogar (bastante e com qualidade)
Sempre jogo o mesmo jogo ao menos umas dez vezes (mesmo que conte partidas sozinho) antes de emitir alguma opinião mais concreta. Este fator, sozinho, já explica o motivo de eu não escrever sobre jogos que não gostei: Não vou jogar um jogo que não tive uma boa experiência várias e várias vezes. Não estou neste grau de autopunição ainda. Acredito que uma primeira impressão é uma coisa também válida, mas com seu propósito específico (momento de crítica: Tem muita análise por aí que se vende como “A Análise” e o autor está apenas passando uma primeira impressão. Vacilo, hein, galera!).
Além da quantidade, a qualidade é muito importante. Jogar com pessoas que conhece e em lugares propícios considero fundamental para conseguir sentir a experiência que o jogo busca realmente transmitir (quantas vezes já joguei em evento com barulho, bagunça, instrutor meio perdido, apertado numa mesinha com meus quase 100quilos e minhas longas pernas acidentalmente se engalfinhando com as pernas da mesa e pernas alheias nem sei contar direito).
- Se informar sempre que possível (lendo, assistindo, conversando)
A percepção do mundo que nos cerca é algo muito pessoal e, fenomenologia à parte, estamos falando de obras com cunho artístico também, logo é bem difícil definir o quão é bom ou ruim, quão é certo e errado, quão é chato e divertido e etc. para todos, já que cada cabeça é um mundo. Dessa forma, sempre busco me informar sobre um jogo, seja com as pessoas que compartilho mesa, com outras pessoas que já jogaram o jogo e/ou com conteúdos já publicados. Quanto mais dados, mais fácil chegar em conclusões que fazem sentido para um número maior de pessoas. Esse é o tipo de coisa que o excesso dificilmente irá levar a um erro. Tento também sempre estar antenado em teorias sobre jogos, indo atrás de livros, artigos, estudos e assim por diante, não apenas para construção dos textos em si, mas para um aprendizado pessoal mesmo.
- Refletir sobre a experiência (com calma e de forma racional)
Munido de várias partidas (de qualidade), dados e informações (algumas vezes até conflitantes), vem a parte mais divertida para mim, que é refletir sobre o jogo de forma racional. Além da parte óbvia, que seria buscar uma coerência lógica, gosto de sempre observar os jogos sobre dois aspectos:
1. Perfil: Antes de criar qualquer juízo de valor ao jogo, sempre busco entender qual seu perfil. Busco compreender para qual público o jogo se destina, qual experiência ele quer proporcionar, qual seu grau de complexidade e qual a mensagem e emoções a arte visa transmitir para o jogador. Estas características podem ser entendidas a partir de informações mais concretas, como, por exemplo, a linha editorial de quem o publicou, a linguagem adotada no manual de regras, comunicação em peças de publicidade ou mesmo por fontes mais abstratas, como a própria experiência pessoal de quem o jogou.
2. Ecossistema: Entendo ecossistema como sendo tudo que emerge a partir da experiência proporcionada pelo jogo. Dessa forma, ecossistema abrange não apenas as regras em si, mas transcende seus limites, levando em consideração as interações entre jogadores, meta-game (fatores externos ao jogo, mas que o afetam (analisys paralysis e estes termos diferentões geralmente entram por aqui)), estratégias possíveis, como as mecânicas presentes se complementam, de que forma existe uma coexistência de elementos dentro do jogo, como a abordagem ao tema adotado dialoga com as mecânicas e como o tema é comunicado para o jogador.
Depois de juntar este mar de informações e criar um verdadeiro mapa mental, que muito lembra aqueles quadros em filmes policiais, cheios de barbantes, conexões e tudo mais (que parecem só fazer sentido na mente do detetive), é preciso colocar isso no papel. Essa parte é a mais difícil de falar, pois se antes já não tinha receita certa, essa aqui é ainda mais complexa. Só posso dizer que a experiência de leitura e escrita será uma das melhores ferramentas de aprendizado (eu espero ter aprendido um pouquinho até aqui). Claro que existe um básico, que envolve principalmente a escolha das palavras de acordo com seu público, o tipo de linguagem que usamos ou mesmo o tamanho do seu texto (esse aqui, por exemplo, tem pouco mais de 2000 palavras, então sei que muito escritor de blog de internet vai torcer o nariz e me condenar). Eu mesmo tento transmitir sinceridade no que digo (já que acredito mesmo naquilo) e busco ser didático o máximo possível (sei que falho bastante nisso ainda, vide o tamanho do texto e a palavra ‘vide’ que acabei de usar).
Se você foi valente o suficiente para chegar neste parágrafo, muito obrigado pela dedicação. Fiz este texto como tentativa de mostrar que por trás de um textinho de blog de análise (pelo menos falando por mim), tem muita coisa acontecendo. Eu mesmo não escrevo em busca de likes (apesar de admitir que é legal e útil recebê-los), nem mesmo de pagamento (quem me conhece pessoalmente sabe que nunca recebo um centavo por texto nenhum). Escrevo para tentar ajudar o hobby, trazer uma luz para alguém com dúvidas sobre jogos ou mesmo inseguro sobre começar a escrever. Ainda, escrevo como uma forma de estender minha curtição dentro deste universo maravilhoso dos jogos de tabuleiro modernos, aproveitando um jogo ao máximo que consigo.
Nota: Se nada do que eu disse soou real ou fez sentido para você, leitor, está tudo bem também. É na diferença que nos fazemos humanos. ^.^
Abraços analógicos!
Raphael Gurian
Sociedade dos Boards