Recentemente eu escrevi na
Ludozine sobre como os euros médios de baixa interação são um tanto quanto pasteurizados. Tem todos mais ou menos o mesmo gosto. Acho ainda que em nenhuma escola de design isso é tão verdade quanto a escola italiana. Você pega Newton, Gran Austria Hotel ou Lorenzo Il Grande e não dá para dizer bem ao certo qual é do Simone Luciani, qual é do Virginio Gigli e qual é do Flamina Brascini. Ou pior, qual é dos 3. Acho que tenho pelo menos 2 textos nesse blog (
Coimbra e a pasteurização dos euros italianos e
Newton, o jogo que não necessita de review) que trata exatamente isso. Mas não quer dizer que não há exceções. Simone Luciani definitivamente saiu fora da caixinha para fazer o excelente Barrage.
Agora, se tem um autor que se desenvolveu uma identidade autoral até mesmo dentro da escola italiana, esse autor é o Daniele Tascini, como o @
bhenrique deixou claro
no seu texto do Área 21(de onde eu reaproveitei algumas fotos lindas). Tirando Marco Polo, que meio que entra no bolo de euros italianos, dá para saber de cara quais são os euros do Tascini. Primeiro por que, assim como Vital Lacerda, ele mantém uma identidade visual entre os jogos. Você olha para Tzokin, Teotihuacan e você reconhece entre eles uma ligação na arte e iconografia. E em Marco Polo, Teotihuacan, Trimegistus você reconhece a clara vontade de trabalhar com dados de diferentes maneiras. E ao ver a arte e os dados de Tekhenu, você percebe que ele não é uma exceção.
Tekhenu é um jogo de draft de dados que usa um mecanismo altamente visual (o obelisco do sol) para influenciar no efeito dos dados. O obelisco tem 1 lado claro que representa o lado iluminado pelo sol, um lado escuro que representa a sombra e 2 lados intermediários. Durante o jogo o sol vai girando a cada rodada definindo quais tipos de dados são proibidos, quais são puros e quais são corrompidos. Isso dá ao dado uma nova dimensão. Ele só tem exatamente aquela função nesta rodada e a cada rodada, de acordo com o giro do sol, as funções se alteram.
Em volta do obelisco estão 6 espaços dedicados a 6 deuses do egito. Na prática ele nada mais funciona com uma seleção de ações, onde você drafta dados do local que você quer realizar a ação. E aqui, Tekhenu passa a se aproximar de um euro norma. Vá na ação de Rá e construa uma coluna no local de templos, ganhe pontos e recursos por isso. Vá na ação de Tot e pegue cartas de tecnologia que podem ser imediatas ou pontuação de final de jogo. E por aí vai.
Tekhenu lembra bastante Teotihucan no estilo de ações e jogabilidade. Aquela coisa de pontuar a cada rodada, usar pip de dados para construir coisas e multiplos locais de pontuação. As ações são todas diferentes, mas a sensação de jogar eles é bem parecida, mudando, principalmente a mecanica de selecionar ação. Enquanto em Teotihuacan você tem que mover dados (1 a 3 espaços) em Tekhenu você tem que draftar dados.
Uma coisa interessante no entanto, que traz um ar ligeiramente diferente ao jogo é a questão da pureza dos dados. No jogo você quer buscar o balanço das coisas e ter o mesmo número de PIPs de dados puros e corrompidos. É a chamada fase de Maat onde a cada dado que você pega você colocá-o de um lado da balança da justição. Quem tiver a balança mais equilibrada no final do turno se torna o 1o jogador enquanto o mais corrompido tem penalidade de pontos. Esse ponto, pode ser pequeno, mas dá um ar muito estratégico no jogo, principalmente em 3 ou 4 jogadores onde a ordem de turno faz toda diferença no mundo.
Mas Tekhenu no final tem um feeling muito parecido com Teotihucan. A identidiade autoral aqui vai muito além da parecidíssima arte. Se você gostou de Teotihuacan (meu caso), grandes chances de que você irá curtir bastante o Tekhenu (também meu caso). E acho que essa é a principal coisa a ser dita nesse jogo. É muito fácil entender qual é o público dele.
No meu caso, se eu vou jogar um euro médio, uma das coisas que eu mais curto são dados, pois eles adicionam uma camada tática ao jogo que é imprevisível e Tekhenu acerta bastante na maneira com que ele as utiliza. Se outros jogos simples já tinham draft de dados para seleção de ação, a escolha da pureza de dados traz outra camada estratégia ao jogo. Será que vale a pena fazer a ação que eu quero agora mas perder 2 pontos na balança da justiça e jogar por último no próximo round?
O jogo, como todos eles é apertado de recurso e muitas das vezes você se pega queimando a mufa do que fazer. Assim como todos os jogos da série T (Tzolkin e Teotihucan) você precisa alimentar trabalhadores no final de cada fase do jogo.
Se em muitos momentos, a similaridade dos euros italianos faz com que você jogue sempre jogos com sensação parecida, é importante frizar o lado positivo da coisa, você quase nunca se decepciona com essas compras quando é seu estilo/gênero. E se vale de algo, Tascini tem sido o melhor autor desses todos para mim, fazendo sempre ótimos jogos. Dos 4 Ts dele que já joguei (Tzolkin, Trimesgistus, Teotihucan e Tekhenu) minha única reclamação real é a iconografia e design gráfico de Trimegistus que faz do jogo muito mais confuso do que precisaria. E vamos combinar, se esse é o maior defeito dos jogos dele, está ótimo. Aproveite então que esse pode ser o último jogo do autor que você tem a oportunidade de comprar (mais sobre isso abaixo).
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Daniele Tascini e os comentários racistas
Tascini recentemente fez um comentário num post no Reddit onde ele usa uma palavra preconceituosa similiar a "nigger"/crioulo no seu texto, quando tentava justificar que Orcs serem pretos não é perpetuar a idéia do negro mas sim ligação entre o mal e a escruridão. Apesar dele dizer que a palavra usada não tinha a mesma conotação em italiano, parece haver um consenso que mesma conotação ou não, é uma palavra recheada de preconceito e peso desagradável. Isso, mais as justificativas seguintes do autor levaram a sanções de praticamente todas as editoras que trabalham com ele (BoardandDices no Teotihuacan, Trimegistus e Tekhenu e Hams in Gluk no Marco Polo). Praticamente todas cancelaram projetos e prints futuros e prometeram doar para organizações anti-racismo qualquer lucro que houver com as cópias já impressas desses jogos.
Pessoalmente, eu acredito não na política do cancelamento mas na política da responsabilização. Tascini falou besteira quando já tentava justificar o que não deveria ser justificado, mas principalmente a reação dele depois de ser confrontado não foi das melhores. Eu acredito que quando você é uma pessoa pública, tentando vender seu produto para o mundo, você se sujeita a ser julgado pelas suas declarações e publicações. E as empresas que trabalham com você tem o direito de não querer se associar aquilo.
Muitos produtores de conteúdo resolveram não fazer mais review sobre ele e eu fui um dos que fiquei pensativo. No entanto, acho que positivo ou negativo, o jogador brasileiro tem o direito de saber qual é a opinião que temos sobre o jogo. Se você vai comprar ou não o mesmo, fica a critério de cada um, pois não estou aqui para cagar regra para ninguém! Cada um vive da maneira como achar melhor!
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