“As palavras não têm o poder de impressionar a mente sem o extraordinário horror de sua realidade.”
- Edgar Allan Poe em A Narrativa de Arthur Gordyn Pym
“O céu é cinza, o chá está frio e uma nova tragédia te espera a cada segundo que passa”. Não estamos falando de mais um conto macabro de Poe, mas sim do jogo de cartas um tanto quanto peculiar chamado Gloom (palavra com muitas traduções: melancolia, obscuridade, pessimismo e trevas são algumas das opções). O tema é muito presente na literatura mundial, desde obras clássicas como as de Lord Byron, Edgar Allan Poe e Mary Shelley até narrativas da contemporaneidade como as de Stephen King ou nos quadrinhos de Junji Ito e foi magistralmente transposto nesse pequeno grande jogo.
A diferença é que em Gloom (ao contrário da literatura) quem conta a história somos nós! Nesse jogo temos o controle narrativo do destino de uma família, entretanto, como vocês já devem suspeitar, nosso objetivo não é fazer que a vida de cada um dos membros seja a melhor possível, mas sim a mais taciturna e trágica concebível. O espírito gótico que habita em você ficou curioso e quer saber um pouco mais? Vem comigo!

Gloom em seu habitat natural quando minha casa ainda estava na vibe do Halloween.
Ficha do Jogo
Designer: Keith Baker
Ilustradores: Scott Reeves e Todd Remick
2 a 5 jogadores
Uma partida dura mais ou menos uma hora
Como funciona?
Começamos escolhendo uma das quatro famílias disponíveis no jogo e as nossas opções vão de palhaços assustadores de uma família circense, um cérebro em conserva e até mesmo um ursinho estilo Frankenstein do Castelo Slogar. Cada carta da família possui uma pequena história que nos serve como ponto de partida da narrativa do personagem.
As quatro famílias reunidas

Alguns detalhes das cartas de família
Feita a escolha da família passamos para a fase de ações: todos os jogadores sempre devem ter cinco cartas na mão no início da rodada e em seu turno poderão fazer duas ações, dentre elas: jogar uma carta e usar seu efeito, descartar uma carta que você não quer ou simplesmente passar seu turno. Existem três tipos de cartas que podem ser jogadas: o primeiro tipo são os modificadores que dão pontos positivos ou negativos de acordo com o acontecimento e podem ser usados tanto na sua família quanto na família dos seus oponentes, ou seja, você pode narrar coisas felizes e agradáveis acontecendo para um personagem adversário ganhar pontos (e dessa maneira perder pontos, pois em Gloom, menos é mais!). O segundo tipo de carta são os eventos que desbloquearão efeitos sobre as outras cartas e o último tipo são as cartas de morte prematura (claramente em Gloom, todas as mortes são prematuras, para adicionar mais tragicidade ao jogo) que podem ser usadas em qualquer família assim como os modificadores. jogo termina quando uma família inteira é morta e então contabilizamos os pontos adquiridos e quem tiver menos é o ganhador!
Da esquerda para direita: uma carta de modificador, uma carta de morte prematura e uma carta de evento.
Tem expansão?
Gloom conta com diversas cartas promocionais e quatro expansões lançadas até agora (com os melhores-piores títulos): Unhappy Homes (2005), Unwelcome Guests (2007), Unfortunate Expeditions (2009) e Unquiet Dead (2013). Para compor a série existe ainda uma versão independente de Gloom no universo do Cthulhu, lançada em 2018 (que se encaixa como uma luva na temática de infortúnios do jogo - não tem como não pensar em Lovecraft quando entramos nesse tema!).
Considerações
O jogo base conta com quase 100 cartas transparentes e é extremamente inovador nesse quesito, visto que não vemos muitos jogos usando e abusando desse recurso. O jogo inteiro é então construído em cima dessa sobreposição de cartas sem perder o conteúdo que se encontra embaixo das mesmas (a não ser quando for proposital para cobrir um status específico, obviamente). Ele é atrativo também para quem curte se divertir com um bom e velho storytelling (narração de histórias), pois os jogadores têm que possuir controle total de toda a história e não podem se contradizer durante a partida, tendo em vista que o manual recomenda contar uma boa história sem pontas soltas! Chamo atenção também para o fato de que dependendo da mesa vai rolar muita interação entre os jogadores e todos estarão engajados nas histórias familiares uns dos outros.
Um ponto a se atentar é que o jogo é extremamente dependente do idioma. A minha cópia do jogo está em francês, o que me impediu de apresentar o jogo para novas pessoas que ficam curiosas com as cartas transparentes e com a possibilidade de narrar horripilantes histórias. Apesar disso, com as partidas que joguei, o cardgame demonstrou uma boa rejogabilidade, pois possui mais de 80 cartas de eventos, modificadores e mortes prematuras garantindo uma ótima aleatoriedade (além de demorar para esgotarmos as combinações de famílias em jogo).
Dito tudo isso, não aconselharia Gloom para quem não curte a temática ou não vai com a cara de jogos com essa pegada narrativa (lembrando que é super possível jogar sem a narração, mas o jogo perde muito da sua mágica). Entretanto se esses fatores não forem um problema para você, diria para você se desaventurar nesse universo!
P.S.: As fotos desse post são referentes a segunda edição do jogo (a primeira tem uma caixa menorzinha, já a da segunda veio com uma caixa bem maior para caber as expansões dentro. A caixa é mais detalhada e contém até uma linda ilustração em seu fundo).
“Quoth the Raven ’Nevermore’”.
Adriana Ottaiano: mundialmente conhecida como Adrilhama, a primeira de seu nome, guardiã dos jogos de tabuleiro, livros e idiomas. Adora eurogames com alocação de trabalhadores e nunca recusa uma partida de Altiplano. Faz parte da organização da JogaMana e da Liga Brasileira de Mulheres Tabuleiristas, projetos que guarda dentro do coração.