Resumo
Paleo é um
jogo cooperativo em que cada um dos jogadores coordena um grupo de homens e mulheres das cavernas na
Idade da Pedra, sobrevivendo e evoluindo, com o objetivo de pintar um mamute na parede da caverna, simbolizando o
legado de sucesso deixado pela tribo. Este jogo dirigido por cartas possui módulos — que permitem
vários níveis de dificuldade — resoluções de tarefas, bastante trabalho e discussões em grupo, uma dose de estratégia e momentos de tensão. O resultado é uma boa
diversã e imersão num jogo agradável e bem pensado.
Introdução
Particularmente, eu tive a oportunidade de jogar
Paleo em dois jogadores na
SPIEL.digital 2020 no nível mais fácil — que utiliza os dois primeiros módulos dos dez que existem no jogo. E gostaria de relatar o que ele tem, como funciona e a experiência de se aventurar em florestas, rios, montanhas e entre cobras, lobos e grandes mamutes.
O que tem no jogo?
Mamutes! — ok, embora isso seja recorrente no jogo, este tópico irá se referir aos componentes (ainda inédito no Brasil, farei uma
tradução livre dos nomes):
.
Cartas: muitas delas; dezenas; mais de duas centenas; diversos tipos, alguns se juntam, outros ficam como baralhos separados.
.
Três tabuleiros: Acampamento Base, Área Selvagem e Noite.
. No
Acampamento Base (figura abaixo, à esquerda), ficam as cartas de
Pessoas, de
Sonhos e de
Ideias, além das reservas de
recursos (comida, madeira e pedra).
. A
Área Selvagem (figura abaixo, ao centro) é o destino das cartas utilizadas nas ações dos jogadores: viradas para cima quando a tarefa foi revelada, e viradas para baixo quando do pagamento de uma ação. Eventualmente, algumas cartas de ação adicional são colocas logo abaixo deste tabuleiro.
. No tabuleiro da
Noite (figura abaixo, à direita), fica o espaço para
pintar o mamute (condição de vitória), para
colocar as caveiras (condição de derrota), as
cartas secretas (amarelas; podem ser recebidas durante a partida) e
cartas de missão do módulo de jogo (brancas; determinam o cenário e a dificuldade).
. Uma
estante (figura abaixo): conhecida por
Bancada de Trabalho, é onde são colocadas as ideias, que permitirão fabricar itens para auxiliar na sobrevivência: tochas, pedras lascadas, machados, lanças, tendas etc.
. Um
depósito de cartas (figura abaixo): chamado de
Cemitério, aqui são colocadas as cartas removidas da partida.
.
Recursos e fichas: comida, madeira, pedra, ferramentas, feridas, caveiras, de vitória.
.
Dados: usados em alguns módulos específicos.
Como funciona uma partida de Paleo? Vejam que jogo bem montado dentro do tema.
São várias rodadas, cada uma com duas fases:
Dia e Noite. Na fase do
Dia, os jogadores realizam suas ações até esgotarem o baralho. À
Noite, é preciso alimentar as pessoas e cumprir as missões (ditadas pelos módulos), bem como realizar uma leve manutenção de jogo.
A
partida termina quando é alcançado o objetivo de
colocar as cinco peças de mamute no tabuleiro da Noite (pintar o mamute na parede) — isto é conseguido realizando determinadas tarefas que estão presentes nas cartas e determina a vitória —
ou quando há cinco caveiras nesse mesmo tabuleiro — que devem ser postos sempre que alguma pessoa morrer ou certas ações e missões não forem realizadas, e significa a derrota.
Cada jogador possui
duas pessoas no seu grupo inicialmente. Cada pessoa tem pontos de vida em quantidade variável entre si, assim como habilidades diferentes e, eventualmente, itens iniciais. Os
grupos moram na mesma caverna e dividem os recursos (comida, madeira e pedra). Já os
itens são individuais de cada grupo, mas podem ser compartilhados como uma ação.
O
baralho de cartas de ação é formado por um conjunto básico mais as cartas específicas dos módulos escolhidos para a partida. Ele é embaralhado e distribuído igualmente entre os jogadores. Portanto, cada jogador tem
seu próprio baralho de ação.
* Baralho de ação (carta com mamute) e as Pessoas de um grupo ao lado; logo abaixo, os itens exclusivos daquele grupo; logo acima, no Acampamento Base, tem os recursos compartilhados entre todos os grupos de pessoas, o baralho de Pessoas (verde), de Sonhos (azul) e de Ideias (amarelo).
Os principais tipos de cartas no jogo são:
.
Floresta, Rio ou Montanha: para caçar e coletar.
.
Fogueira: para sonhar, ter ideias, colocar as ideias em prática e reproduzir — ou atrair novas pessoas.
.
Sonhos: que podem mostrar o caminho correto a seguir, encorajar...
.
Ideias: para fazer novas ferramentas ou desenvolver ou auxiliar com problemas.
.
Pessoas: de onde surgem os novos membros do grupo.
.
Perigo: ou são enfrentados, ou poderão causar ferimentos.
.
E mais: tem algumas cartas específicas, que só jogando para experimentar.
No
andamento do jogo (fase do Dia), os jogadores
pegam três cartas de seu próprio baralho de ação,
escolhem uma delas e
devolvem as outras duas para o topo do baralho para usar depois, tudo isso
simultaneamente. Então, os jogadores
revelam a carta escolhida, também ao mesmo tempo, e
descobrem a tarefa que foram procurar.
Em geral, os jogadores podem:
fazer sua ação, ajudar outro grupo ou ignorar a carta. Cada ação tem um pré-requisito específico para obter a recompensa: normalmente, precisa-se ter certas habilidades e descartar cartas do próprio baralho. Portanto, o baralho individual de ação indica
os ambientes que o jogador pode explorar e a
passagem de tempo do seu dia, ou seja, as tarefas maiores gastam mais cartas, reduzindo as possibilidades de ação naquele Dia. Além disso, itens e recursos poderão ser exigidos e algumas ações só podem ser feitas uma vez na partida — tais cartas são colocadas no Cemitério.
Dois
pontos de atenção são as cartas de
Fogueira e de
Perigo. A primeira é sempre muito útil para
abrir possibilidades com novas pessoas, novas ferramentas (Ideias) e novas revelações (Sonhos). A segunda é algo
a ser administrado durante a partida: o jogador não irá querer realizar uma
ação de Perigo, mas se precisar descartar esta carta como pré-requisito de uma ação, isto lhe
causará um ferimento — e talvez a morte de uma pessoa, o que adiciona uma caveira no tabuleiro da Noite e é
um passo a mais para a derrota. Como as duas cartas dispensadas no momento da escolha sempre voltam ao topo do baralho, se houver Perigo entre elas, o jogador sabe que aquilo lhe será
algo danoso se preferir outras ações e apenas adiará o momento de
enfrentar a ameaça. Encarar o Perigo
não é algo simples, dificilmente dá recompensas, mas ajuda no curso do jogo — ou causa ferimentos se não for combatida com sucesso.
* Uma carta de Perigo: é bater ou correr!
Sobre a
interação, ela está presente em vários momentos da partida: na escolha do tipo de carta que se deve usar, qual ação executar, se vai ajudar outro grupo, quais ferramentas fazer, se adiciona-se novas pessoas... e, principalmente, a estratégia.
Mais adiante na partida, conhece-se melhor as cartas do módulo e é possível ter um norte para a vitória.
Assim que o baralho de ação do jogador
terminar, seu grupo volta para a caverna para
dormir. Os demais grupos continuam, mas
não contarão com a ajuda do grupo cansado. Quando todos os grupos retornarem ao lar,
doce lar, o
Dia termina.
Na
fase da Noite, cada pessoa
deve ser alimentada ou uma
caveira é colocada sobre o tabuleiro da Noite. Depois, as missões do módulo da partida precisam ser realizadas ou sofrer suas consequências (no nível fácil, adiciona-se uma caveira para cada missão não realizada). É à Noite que os jogadores
podem acelerar para a derrota.
Por fim, as cartas descartadas na Área Selvagem são juntadas, embaralhadas, distribuídas igualmente entre os jogadores e
um novo Dia começa na Idade da Pedra.
Quais as experiências ao se jogar Paleo?
Paleo é um jogo de cartas que leva os jogadores a
se aventurar na Idade da Pedra
coordenando grupos de pessoas que, essencialmente, precisam
caçar e coletar para sua subsistência e, com isso, conseguem criar meios para
desenvolverem suas habilidades e conhecimentos com o que a natureza lhes dá: pedra, madeira, fogo, plantas, itens retirados de animais etc.
O jogo atende de
1 a 4 jogadores, sendo que o
modo solo é uma variante com apenas duas mudanças nas regras, e uma partida de
4 jogadores é desencorajada, segundo o manual, para quem nunca jogou Paleo — neste caso, pode-se jogar em duplas, cada uma com um grupo de pessoas.
O
tema é muito presente. E é isto que mais
chama atenção para o jogar e permanecer jogando — foi mal,
LuisPerdomo. Como naquela época a comunicação era muito restrita — seja por voz, seja por desenho/escrita — arrisco-me a dizer que Paleo também é
seminarrativo, isto é, uma História é traçada ao longo do jogo por aquele grupo de homens e mulheres das cavernas conforme as cartas vão sendo reveladas e as tarefas sendo apresentadas (e resolvidas).
Mesmo assim, mais para o meio da partida, a
estratégia toma conta, a
interatividade aumenta absurdamente, as jogadas são
melhor combinadas, a situação torna-se mais crítica e... bom, ou os jogadores
pintam um mamute na parede, que é
o apogeu de sua tribo e
um grande passo para a humanidade,
ou só sobram os ossos das suas perdas jogados num canto da caverna — que talvez se tornarão fósseis,
ou não, muito pelo contrário.
E
chegamos ao ponto: os jogadores precisam pintar um mamute na parede da caverna em cinco etapas para
vencer e conseguem isto superando os desafios das cartas. No começo, só é possível resolver as
tarefas mais simples, que gerarão
benefícios que ajudarão com a
manutenção dos grupos e sua evolução.
Então, vemos
uma das partes legais do jogo: a natureza não quer saber se os humanos já são evoluídos para superar problemas maiores.
Eis a “descoberta”. É complicado sair de casa para obter materiais e/ou o próprio sustento e voltar de mãos vazias. Porém, agora, passa-se a conhecer o que será necessário para atender às exigências e a trabalhar para conseguir o que se precisa — bom, às vezes, os perigos aparecem do nada e estragam tudo; é preciso saber lidar com isso.
O
mecanismo do jogo também foi algo acertado. O baralho de ação permite
escolher o ambiente onde o grupo irá se deslocar para caçar e coletar e, se o fizer, precisará
gastar cartas não usadas, perdendo ações e
reduzindo o tempo do dia —
será que compensa gastar três cartas por duas comidas e duas madeiras? Às vezes, é um empreendimento que o grupo não consegue resolver sozinho, e
precisará da ajuda de outro. Neste caso, o outro grupo perde sua ação, mas pode valer à pena conseguir duas pedras para fazer uns machados mais tarde. E ainda tem os
Perigos, que podem ser evitados, mas não sem causar ferimentos.
* O grupo da direita ajuda o outro e as habilidades e itens são somados para conseguir duas comidas e uma pele (carta à esquerda).
Por fim, eu não poderia deixar de mencionar a
Fogueira. O grupo decide
sentar-se ao redor do fogo e
olhar as estrelas, fazendo as pessoas
sonharem e, sonhando, podem
conhecer os melhores caminhos para sua caçada, ou
traçar estratégias para as próximas atividades, ou fazer suas ações mais
rapidamente. Ainda diante das chamas crepitantes, é possível que os homens e mulheres das cavernas possam
ter novas ideias para
fabricar ferramentas, aumentar suas
habilidades, sua
cultura e, até,
solucionar problemas. E
onde há fumaça, há fogo, e
novas pessoas que estão de passagem
podem se achegar e, claro, permanecer no grupo para trabalharem em conjunto.
Concluindo...
Eu só pude jogar um cenário de
nível fácil, mas a partida
não foi melzinho na chupeta. No meio do jogo, fica a
dúvida da possibilidade de vitória. Aí, a
estratégia foi fundamental. A
cooperação é muito importante. Não há margem para cada jogador fazer o seu. São grupos de pessoas diferentes, mas que precisam
trabalhar em conjunto. No final, as coisas ficaram mais tranquilas, mostrando que a estrutura de uma partida foi
bem orquestrada pelo autor, para criar dificuldades no início, mostrar o sentido da colaboração mútua e enxergar o caminho da vitória — sim, lembra o mecanismo de construção de motores e, como eu já mencionei antes, causa uma sensação de um
jogo seminarrativo sobre homens primitivos.
Paleo foi muito
gostoso de jogar, ainda que virtualmente e não poder ter o tato e cheiro dos componentes e a visão das ilustrações. Também é um
jogo bastante inteligente; de novo, bem montado, bem pensado.
Agora, fico sentado à beira da fogueira, olhando as estrelas e sonhando para que ele seja publicado por aqui, e o grupo de pessoas que participo também possam ter esse mesmo deleite.
Fonte das imagens: Board Game Geek, vídeo de regras da Hans im Glück, arquivo pessoal (prints Tabletopia).