Mice and Mystics – Para um herói, tamanho não é documento!
Título: Mice and Mystics (2012)
Designer: Jerry Hawthorne
Arte: Jonh Ariosa
Editora nacional: Galápagos Jogos
Nº de jogadores: 1 a 4
Mice and Mystics se enquadra como um jogo do estilo “Dungeon Crawler” (ou em bom português, por mim: “Andar e bater”). O jogo possui uma temática medieval e fofa, onde iremos incorporar o papel de pequenos camundongos guerreiros combatendo baratas, ratazanas e outros animais.
O jogo, apesar de lançado já ha um bom tempo, ainda hoje atrai a curiosidade de muitas pessoas, devido a características bem próprias que iremos abordar ao longo do texto. Minha intenção com a análise dessa semana é não apenas levantar aspectos sobre o jogo, mas também sanar as dúvidas que ocasionalmente vemos povoar fóruns na internet quando Mice and Mystics é mencionado.
Critérios
Ø Arte
Simplesmente incrível. Simples assim.
John Ariosa é conhecido por trabalhos com Summoner Wars, Bullfrogs, BioShock Infinite e mais recentemente, Roll Player. Em geral, todos seus trabalhos lidam com fantasia (na maioria medieval) e ele faz isso de forma magistral, com traçados realistas e paletas de cores bem naturais. Mesmo lidando com uma humanização de animais, John Ariosa não perde características morfológicas marcantes dos animaizinhos representados.
Porém o jogo vai muito além das ilustrações dos personagens. Temos ainda os tabuleiros, que representam locais de um castelo, como cozinha, quartos, esgotos e até mesmo uma prisão. Todos com efeitos de iluminação e sombras magníficos (deixarei abaixo alguns tabuleiros para ilustrar melhor isso).
O jogo possui textos, muitos. Cada personagem tem uma habilidade descrita em formato de texto, as habilidades que compramos são textos, os itens tem textos. Porém, são todos de fácil entendimento. Mice and Mystics ainda possui alguns ícones que servem para simbolizar os status de cada personagem. Vale salientar que tudo no jogo remete ao fato de serem criaturas pequenas e que amam queijo!
Além de tabuleiros, cartas e marcadores diversos, o jogo ainda possui dois elementos muito bem feitos: Miniaturas, tanto dos heróis como dos inimigos e dados personalizados.
Ø Qualidade dos Componentes
Os componentes seguem a mesma linha de produção da arte: Igualmente incríveis.
Todos marcadores são de excelente gramatura, com cores vivas e de fácil identificação. As cartas possuem uma textura de linho e boa gramatura. Os dados, todos customizados e com cada face com símbolo diferente, em baixo relevo, pintado com uma cor respectiva. A caixa é intermediária, bem padrão comum, nada contra, nem nada a favor. As miniaturas são de um plástico de boa qualidade e são ‘gordinhas’, logo resistentes a pancadas ou mãos descuidadas.
Importante: O jogo possui baratinhas, centopeias e aranhas. Pode parecer bobagem para alguns, mas já ouvi relatos de pessoas que se sentiram incomodadas por isso, seja com crianças (por medo) ou mesmo adultos que possuem fobia destes animais.
Agora um parágrafo especial: Os manuais. O jogo vem com dois livros, um manual de regras e o livro das missões/história. De uma forma geral, tudo o que você precisa saber sobre o jogo se encontra no manual de regras, porém ainda existem características únicas em cada missão que irão ser abordadas de forma breve, quando necessárias, no livro de missões. Aqui entra um contra ao jogo: Apesar de ter um ar infanto-juvenil, suas regras possuem muitos detalhes e exceções (dependendo da missão) e o manual é repleto de textos, com poucos exemplos e nem sempre muito claro nas informações. Não estranhe caso você precise reler o manual duas ou até três vezes para conseguir assimilar alguma regra.
Ø Curva de Aprendizagem
Como citei no parágrafo anterior, o jogo é cheio de regras, principalmente se você o encarar como um jogo ‘com ar infantil’. Na essência, simplificando ao máximo, o jogador irá pode se mover, combater (com o uso de dados) e fazer ações de exploração, para adquirir novas cartas de itens e equipamentos. Em um primeiro momento, o jogo parece bem simples, porém dos jogos do estilo, como Zombicide, por exemplo, ele está um degrau acima no aspecto complexidade. Existem trilhas de iniciativa, locais específicos de interesse nos mapas, restrições de movimentação, status diferentes que geram penalidades para o herói, além de um cuidado constante com cada habilidade ou característica dos inimigos em campo (descritos em suas cartas próprias).
É importante dizer que apesar disso, ele não é um jogo ruim, ao contrário. Ele é bom, apenas traz mais complexidade do que um primeiro olhar pode nos fazer crer.
Ø Presença de Tema
Não irei mais usar a palavra “Incrível” hoje, juro juradinho. A presença de tema é estupenda! (não usei a palavra que falei que não usaria, viu?)
O jogo todo gira em torno do fato dos heróis serem camundongos pequeninos, logo tudo remete a isso, desde os itens (na falta de uma bala de canhão, use uma uva mesmo!) à forma que os personagens interagem com o ambiente (quer subir naquela prateleira? Não dá, está muito alto... mas talvez escalando aquela vassoura... hmmm).
Aliado a este cuidado na arte e na mecânica, temos ainda o livro de missões, que ao longo de onze capítulos conta a história do jogo (não citei ela em momento nenhum aqui para não dar nenhum spoiler), onde cada partida é um capítulo e conta um pedaço da longa jornada dos heróis.
Este é o ponto fraco do jogo. Mice and Mystics conta com um livro de missões com onze missões, logo, após onze partidas ou um pouco mais (para o caso de falhar e ter que repeti-la), você saberá de tudo que aconteceu. Você ainda assim pode jogar tudo de novo, mas é como rever um seriado. Não estou reclamando disso especificamente, mas o problema da rejogabilidade é que se formos jogar uma missão de novo, ele será sempre igual. Não existem caminhos a se tomar, decisões importantes a se fazer, finais diferentes ou mesmo uma aleatoriedade grande nos inimigos e ocorrências, ou seja, o jogo é completamente linear, mudando apenas o personagem que o jogador optou por usar – e quando pôde (quando pôde, pois existem missões que definem quem está fora e dentro dela, devido ao desenvolvimento da história).
Como forma de aumentar essa vida útil do jogo, existem na internet algumas missões extras oficiais e ainda a expansão O Coração de Glorm (que não abordei especificamente neste texto, mas encare tudo que falei sobre a caixa-base igual para a esta expansão. O que vem nela? Um novo livro com seis missões, duas miniaturas (um herói e um vilão) e mais marcadores). Além disso, existe fora do Brasil (que vacilo, hein Galápagos... ainda mais tendo trazido base + expansão + spin off Tail Feathers (logo voltarei a falar dele)!) a segunda caixa-base, que continua a história após “O Coração de Glorm”, chamada “Downwood Tales”, com componentes totalmente novos, que não requerem o base Mice and Mystics.
Ø Interação
Como todo jogo cooperativo, a conversa na mesa é necessária para se planejar adequadamente os passos a serem tomados. Os personagens possuem uma boa sinergia e características únicas. Enquanto um é bom pra bater de perto, outro é melhor para dar um suporte com cura e assim por diante. Uma característica que me incomoda é o fato de NEM SEMPRE em todas as missões irem a mesma quantidade de heróis (existe uma missão, por exemplo, que vão apenas 3 heróis), sendo assim, isso pode quebrar um pouco o ritmo da mesa – ou mesmo deixar um jogador de fora (caso cada um esteja no modo campanha controlando um personagem).
Mice and Mystics, apesar disso, traz um grande diferencial: O storytelling (o ato de contar estórias). Sempre algum jogador na mesa deverá ficar encarregado de ler o capítulo e apresentar as condições de vitória ou derrota, além de características da missão. Essa característica é o que mais diferencia o jogo de outros ‘andar e bater’, e aqui é preciso que a pessoa que esteja lendo o capítulo tenha uma boa habilidade de leitura, além de ser focada, para não estragar a imersão da galera na mesa.
Ø Fator Sorte
A sorte está presente em dois fatores: Na rolagem de dados, que irão definir se um ataque ou determinada ação foi um sucesso; e na compra de cartas de itens, que irão variar de uso conforme cada carta. Apesar disso, ele é um jogo bem controlado, pois os jogadores conseguem acompanhar em uma trilha de iniciativa qual personagem será ativado (inclusive inimigos) e em qual ordem, sendo possível analisar oportunidades e se mover e atacar em momentos mais oportunos.
Ø Fator Estratégia
Mice and Mystics é um jogo que divide muitas opiniões neste quesito. Ao mesmo tempo que ele é um jogo de regras cheias de detalhes, ele não nos dá muitas escolhas estratégicas. As áreas de jogo são relativamente pequenas e tanto os heróis como os inimigos conseguem cobrir quase que essa área toda em pouquíssimos turnos, então não espere um tipo de jogo tão ‘cabeça’. Na maior parte do tempo você vai correr para o ataque, ou correr para pegar certa distância dos inimigos quando necessário ou possível. Cada personagem possui um conjunto de habilidades especiais, que podem ser compradas ao longo da partida, o que irá trazer um fator de escolhas interessante, porém bem simples (não espere uma vasta gama de habilidades, opções ou customização).
O jogo em si não é difícil, mas também não é fácil. Algo interessante é que ele possui um ‘contador/limitador’ de rodadas por missão (simbolizado por um marcador de ampulheta que percorre uma trilha) e, como uma regra adicional, os jogadores podem colocar ele mais à frente ou atrás nessa trilha, facilitando o jogo (por dar mais rodadas para os jogadores cumprirem a missão) ou dificultando o jogo (aumentando a sensação de urgência, tendo que fazer ataques com maior taxa de acertos, para dar tempo de finalizar dentro do limite o objetivo da missão).
Perguntas Frequentes:
Irei abordar agora algumas questões que sempre que Mice and Mystics é mencionado em algum lugar da internet são indagadas. Ficou alguma questão de fora? Me pergunte! :^)
1. Posso jogar a campanha mais de uma vez? Pode. Nenhum componente é inutilizado nas partidas. Só irá perder a emoção da descoberta. Considere como assistir um filme/série novamente.
2. O jogo apresenta escolhas e finais diferentes? Não. Se você conclui o cenário passa para outro, se falha, repete. Trata-se de uma história 100% linear (uma pena, pois se tivesse, seria muito legal e aumentaria drasticamente o fator rejogabilidade).
3. Levo alguma coisa entre uma missão e outra? O manual é bem sucinto sobre isso, mas basicamente levamos um equipamento e as habilidades adquiridas (*agradeço ao @
Sartolomeu pelo toque!).
4. É possível jogar um "modo casual", ou seja, uma missão sem seguir a história? Sim e não. Sim, pois nada na prática te impede. Não, pois para fazer isso você precisará "escolher uma missão", na prática, imagine que está assistindo uma serie com história linear, como Stranger Things, e você resolve assistir os capítulos de forma aleatória, exemplo: Assistir o episódio 8 hoje e daqui uma semana o 4°. É possível, mas você vai receber spoilers ou não entender o que está acontecendo e como foi parar ali.
5. Podemos criar as nossas próprias missões? Sim, mas com cuidado. Não existe nenhum tipo de orientação (ou incentivo oficial) sobre como fazer novas missões (diferente, por exemplo, do jogo As Lendas de Andor), porém NADA impede os jogadores que conhecem bem a mecânica criar novas missões e histórias com os componentes presentes na caixa.
6. Consigo jogar com crianças pequenas? Depende. O jogo não é complexo, UMA VEZ que tenha alguém que entenda como ele funciona e gerencie toda a ‘inteligência’ por trás. Se a criança já tiver idade para se preocupar em ‘andar com o personagem’, ‘rolar dados’ e ‘ver se acertou ou não’, com certeza é possível. Existem cartas de itens e habilidades de personagem que dependem da leitura, mas cabe ao adulto simplificar e traduzir isso de uma forma objetiva. Se o adulto conseguir narrar a história e fazer a criança entrar no mundo de fantasia do jogo, será uma experiência maravilhosa. Vale lembrar dois pontos: 1. Existe combate/luta no jogo, então tenha em mente isso também, pois a criança pode ficar frustrada com rolagens ruins consecutivas, além da questão do confronto/violência em si; 2. As partidas giram em torno de uma hora, logo pode ser um pouco demorado para crianças pequenas, as fazendo perder o interesse ao longo da jogatina.
7. Eu PRECISO da expansão O Coração de Glorm? Depende. Ela não agrega muita coisa, fora um novo personagem e um novo livro, com mais 6 missões (ele não traz novos tiles de local), sendo legal apenas caso você terminou a campanha e ficou com gosto de quero mais!
8. Como o jogo se relaciona com o Tail Feathers? De forma nenhuma, ou quase. Tail Feathers é um jogo de combate à parte (parece um X-Wing (combate com naves) no universo de Mice and Mystics (aqui, no lugar de naves são passarinhos)). O que acontece é que, além de acontecer no mesmo universo, caso você tenha Mice and Mystics, os personagens heróis dele são possíveis de serem utilizados em Tail Feathers, porém o inverso não é válido. Resumindo: São dois jogos separados, de mecânica diferentes, que apenas acontecem no mesmo universo – porém a qualidade de produção de ambos é igualmente excelente (apesar da Galápagos ter feito um erro grosseiro em uma das cartas de Tail Feathers e não existir material para reposição... mas dá pra jogar perfeitamente apesar disso).
Opinião da galera da Sociedade dos Boards!
“Com uma arte e componentes que encantam, Mice and Mystics é um ótimo jogo de ‘andar e bater’ cooperativo. Seu ar infantil pode afastar alguns marmanjos, porém sua complexidade de regras pode afastar crianças e novatos no hobby, o que deixa o jogo muitas vezes em um limbo misterioso. Para mim, que joguei a campanha inteira e a expansão o Coração de Glorm, o jogo consegue equilibrar perfeitamente estes dois aspectos (o ar infantil e a complexidade), se tornando algo positivo: É complexo o bastante (muito mais do que ‘concorrentes’ como Massive Darkness, Zombicide e afins) e consegue trazer um conto fantástico, digno dos maiores contos de fantasia, na medida certa, suscitando as mais variadas emoções (se os jogadores entrarem no mundinho). Como contra, acho que a história poderia ser menos linear. Mice and Mystics é um jogo feito para se jogar de 2 a 3 pessoas, e preferencialmente que tenham uma boa afinidade, como pais e filhos ou casais.”
(Raphael Gurian – O Jogador de amarelo)
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“Mice and Mystics é um jogo imersivo com uma história de aventura muito cativante, no gênero de fantasia. A arte e as miniaturas são encantadoras! Quem tem um gosto a mais pelo mundo do RPG, seja online ou de mesa, poderá criar um grande carinho por este jogo, que apesar de possuir uma história linear, possibilita os jogadores a se apegarem aos seus personagens, pois ao decorrer das missões, estes vão sendo personalizados, podendo escolher suas novas habilidades e armas mais poderosas. Neste jogo, o mestre se torna o narrador, que será responsável por contar a história e explicar as missões, porém nada o impede de participar desta aventura também como jogador. Ótimo jogo para entrosamento e trabalho em equipe, o que pode fazer a diferença no sucesso, considerando o fator sorte presente no jogo.”
(Heloisa C. Fernandes - Lola_Fernandes – Sempre de vermelho)
Um texto de Raphael Gurian
Sociedade dos Boards
A ideia deste formato de análise não é explicar um jogo, para isso existem muitos outros textos, vídeos e etc. A finalidade do texto é fazer uma análise crítica acerca de critérios que acho importante e que muitas vezes acabam não sendo explorados em reviews de uma forma mais detalhada.
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