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Um ano atrás, o @
butilheiro estava em Essen e encontrou ninguém menos que Simone Luciane (Marco Polo, Tzolkin, Lorenzo, etc) que começou a falar sobre o novo jogo dele, que teoricamente, era a obra de arte da sua vida. Foi um jogo que ele passou anos preparando para lançar até o ponto onde decidiram fazer, junto com a Cranio Studios, um kickstarter para financiar essa superprodução. Esse jogo era o Barrage!
De lá pra cá, é verdade, muita coisa deu errado, principalmente na produção do jogo. O financiamento coletivo atrasou a entrega por quase 6 meses e muitos dos componentes do jogo foram tão aquém do prometido na campanha, que tiveram de ser refeitos para reenviar, de graça, aos apoiadores e corrigir alguns problemas para que a versão de venda chegue nas lojas já consertada. E no meio de tudo isso, a gente se pergunta: será que valeu a pena financiar Barrage? Bem, pra mim, perrengues a parte, valeu muito, pois o jogo é EXCELENTE!
Barrage é, provavelmente o euro italiano mais original desde o Tzolkin. Embora ele não use nenhum mecanismo estranho inventado para ele, há conceitos de interação no tabuleiro bem interessantes e que, em nada lembram o típico jogo de combo de cartas/poderes tão comuns nos Grand Austrias, Lorenzos, Coimbras, Newtons e etc. E, pela primeira vez que eu me lembre, nesta escola de jogos, ele tem tema forte (pra um euro) e interação de verdade entre os jogadores.
Barrage é, no limiar da simplicidade, um jogo de alocação de trabalhadores. Cada jogador começa com 12 trabalhadores e ele utiliza uma mecânica parecida com o Banquete a Odin para fazer a alocação: você tem ações mais simples que requerem 1 trabalhador apenas e outras melhores (ou apenas mais caras para quem vai depois) que podem necessitar alocação de 2 ou até 3 trabalhadores para realizá-la. Até aí o jogo não tem nada demais, mas é no tabuleiro que o jogo brilha e o tema aparece.
O tema de Barrage é, como o nome mesmo já entrega, o de construção de Barragens hidroelétricas e construção de energia. E como, qualquer hidroelétrica, o principal recurso é a água corrente, e a água, não é consumida pela usina. Utiliza-se apenas, o movimento dela pela turbina e ela segue seu curso no rio até a próxima barragem ou a foz do rio. E é assim que Barragem funciona.
No jogo, há 3 rios, com vários locais para se construir usinas, barragens e conduítes. No final de cada rodada água flui pelo rio e fica presa na primeira barragem que ele encontra. Ali, o jogador pode utilizar ações de produção de energia que é a principal mecânica de pontuação do jogo e a água então é liberada rio abaixo até a próxima usina. E por que isso é tão interessante?

Bem, o interessante aqui, é a dinâmica interativa que acontece entre os jogadores, e é onde o jogo me lembra bem o Brass. Como a água não é consumida, é muito importante observar o curso dela e em como cada usina interfere nisso, para que você aproveite do que já foi construído para se localizar bem. Por exemplo: se você faz uma barragem e segura a água, eu posso ver para que Rio sua usina está liberando e construir a minha usina logo embaixo da sua, pegando toda água que você liberou ao produzir. Dessa forma, toda vez que você produzir energia na sua usina, você estará me dando o recurso necessário para que eu produza na minha, sem que eu faça muito esforço para isso.
Por outro lado, se você montou um motor perfeito onde você explora todos os níveis do Rio pegando a rebaba das suas próprias usinas em um mecanismo perfeito, eu posso simplesmente construir uma usina lá em cima que bloqueia a água antes dela chegar até você e depois desvia a saída dela para outro Rio onde estão as minhas demais barragens.
Barragem vira então um jogo de oportunidades, assim como o Brass. Onde não basta jogar o jogo no seu mundinho, mas que você precisa observar o que está acontecendo no tabuleiro para entender quais oportunidades estão surgindo para aproveitá-las e ao mesmo tempo, como bloquear seus adversários de se aproveitarem de você.
O jogo também me lembra o Brass ao existir uma certa simbiose entre os jogadores, onde eu posso ver que você está fazendo uma usina e construir meu conduíte ali para que você use ele (o que me dá dinheiro e pontos) toda vez que precisar produzir. E isso no jogo é muito temático e muito bacana.
Outra coisa que adorei em Barrage foi a ideia das ações de construção. No jogo, você tem 4 estruturas para construir: 2 níveis diferentes de barragem, o conduíte e a usina. Em geral, construir na parte mais alta do Rio, onde você tem acesso direto a água, é melhor, mas também mais caro. Mas o bacana aqui, são os 2 novos trabalhadores/recursos do jogo. Você tem os escavadores e as betoneiras. Cada tipo de construção utiliza-se de um ou outro. Mas assim como trabalhadores da vida real não somem após uma obra, esses recursos também não. Você tem uma roda que simboliza o tempo do projeto. Esses recursos ficam presos nessa roda até girarem 360 graus e você então os libera para usar de novo. É como se eles estivessem ocupados por um tempo na construção. E se você quiser, você pode injetar mais grana no projeto para fazer essa roda rodar mais rápido. Bem temático isso.
Se eu tivesse de encontrar algum pelo no ovo de Barrage seriam apenas a baixa assimetria entre jogadores (ela existe mas é bem moderada) e os problemas da versão Kickstarter. A minha impressão foi que os caras não tinham ideia de como um KS funciona. Sairam prometendo coisas que acho que nem tinham visto se dava para fazer. Era apenas uma ideia que parecia legal. A roda de construção por exemplo não funciona. Empena demais e ao tentar girar os recursos começam a agarrar nas hastes e quase que danificam o componente. As exclusivas gostas d'água foram cortadas no meio, talvez para economizar em material e grudam no tabuleiro ficando, as vezes, quase impossível de pegá-las com a mão. E pra mim o pior de tudo foi o tabuleiro exclusivo do KS que seria em alto relevo 3D para simular o decaimento do rio. Não conseguiram fazer isso e terminaram te dando vários papelões brancos pra usar de calço e elevar o tabuleiro em si. E tudo isso, após 6 meses de atraso! Inaceitável.

Mas fiquem tranquilos que esses problemas, aconteceram nas cópias do Kickstarter devido a promessa de itens exclusivos. A versão que chega as lojas não tem nada disso vem com os componentes padrões, sem firulas (e também sem defeitos) e prometem já ter a roda corrigida.
Barrage é então um jogo quase que sem defeitos. Se você curte ou pelo menos não se incomoda com essa interação que alguém pode lhe cortar o acesso a água ou que pode se dar bem parasitando em cima de algo que você construiu, o jogo tem tudo para lhe agradar, e muito! Para aqueles que jogam com a galera um pouco mais esquentada, ou que prefere fazer o castelinho de areia sozinho aqui e no final do jogo só comparar qual ficou mais bonito, talvez o jogo possa ser mais agressivo do que você gostaria. Mas tudo isso, depende muito de como a mesa se comporta também. Mas a verdade para mim é que, poucos dos milhares de jogos lançados a cada ano ficam para a posteridade sendo lembrados e jogados para sempre. E se eu tivesse de apostar qual seria esse jogo de 2019, minha aposta, com certeza, seria o Barrage.