É engraçado como um jogo pode ser tido como tão original mesmo sendo quase uma cópia de jogos famosos que existem desde 2012. Mas foi assim que aconteceu. E meio que do nada, Root tomou o mercado como um furacão. Daqueles que já foram lançados praticamente esgotado. Ganhou prêmios por onde passou e chega no Brasil mais hypado que hamburgueria gourmet com cerveja artesanal. Por que será? De onde veem esses bichos? Para onde vão? O que eles comem? Hoje, no Red Meeple.
Mas bem, vamos lá então. Talvez a palavra cópia seja forte demais, mas a relação de Root com jogos da série COIN da GMT é mais do que o de uma mera inspiração. O Root, propositalmente tentou trazer para o main stream do boardgame, um gênero que já era jogado há anos por pessoas do nicho. Mas ao mesmo tempo, a maior parte dos jogadores, mesmos os mais cascudos, como designers ou criadores de conteúdo, nunca jogou ou sabe bem como funciona. E é por isso que é tão difícil para mim, explicar como é Root para as pessoas. E mesmo assim, essa é uma das perguntas que eu mais recebo por aí: seria Root um jogo de controle de área? Eu não gosto de controle de área, vou gostar de Root?
Então, Root é, basicamente, um jogo de CONTRA-INSURGÊNCIA, por isso, a sigla COIN. Essa sigla é, em geral, feita para descrever jogos desta série da editora GMT. Então o Root não é um COIN, mas também é de contra-insurgência. Mas gente, que raios é um jogo de contra-insurgência?
Bem, a GMT é uma editora conhecida por jogos de guerras, ou Wargames. Em GERAL, esses Wargames simulam a guerra de 2 ou mais exércitos, muitas vezes (mas nem sempre) contando batalhas históricas que aconteceram na vida real. Mas uma Guerra, é travada por diversos exércitos, diferentes entre si, mas com a mesma característica: a organização militar.
Os jogos COIN vieram então para resolver um outro desafio da GMT, o de desenhar jogos que não eram de guerra, mas sim de Guerrilha ou Conflitos Civis. A diferença entre os dois? Bem, a Guerrilha, ao contrário de uma guerra, não é travado apenas por forças militares. Muitas vezes, existe a presença de formas Paramilitares e até mesmo membros da sociedade civil. Ou seja, a condição de batalha entre essas diferentes forças é totalmente assimétrica. E aí vem a primeira característica dos jogos COIN, que você pode encontrar também no Root, a assimetria.
Mas não é uma assimetria tipo Terra Mystica, Scythe, Twilight Imperium ou Rising Sun não. É tipo, assimetria MESMO. É como se cada raça tivesse um livro de regras específico para ela, com ações diferentes, regras diferentes e condições de vitória diferentes. E aqui vou começar a falar sobre o Cuba.
Cuba Libre é um jogo que tem como tema a Revolução Cubana de 57-58. De um lado temos o Governo do Ditador Fulgêncio Batista e de outro as Forças Revolucionárias do Movimento 26 de Julho, liderado por Fidel Castro e Che Guevara. Mas há 2 outras facções desenvolvidas para o jogo. O Diretório Revolucionário, que representam o grupo estudantil radical e o Sindicato, grupo de mafiosos que controlavam sindicato de hotéis, cassinos e outros serviços na ilha. Cada um deles com suas regras e condições de vitória.
A primeira coisa que você precisa entender no Cuba, assim como no Root, é a presença da força Contra-Insurgente, ou seja, o governo. Em Root, é representado pela Marquise the Cat, em Cuba, pela forças do Governo mesmo. Elas, em jogos como esses, costuma dominar a situação atual do tabuleiro. Em geral, são os que jogam um jogo mais próximo do controle de área. A Marquise e o Governo, em Root e Cuba respectivamente, são chamados de forças contra-insurgentes pois eles querem reprimir qualquer força insurgente que tente tomar deles o poder. E da-lhe pancada. Em Cuba Libre, por exemplo, o Governo vence o jogo tendo suporte nas principais cidades e 18 pontos de controle por toda ilha.
Outra característica então de um jogo COIN, é a presença de uma ou mais forças INSURGENTES, afinal, não há contra-insurgência se não houver insurgência. Em Root são a Dinastia Eyrie e a Aliança da Floresta. Já em Cuba, as forças insurgentes são o Movimento 26 de Julho(M26) e o Diretório Revolucionário. O M26 ganha o jogo aumentando a oposição ao governo. Ele precisa, para vencer a partida, ter pelo menos 15 pontos de oposição e/ou bases do movimento (a soma dos 2). Já o Diretório busca o apoio popular. Ele não quer que nem o Governo nem o M26 tomem Cuba. Sua condição de vitória é controle das províncias + bases superior a 9. E por último o Sindicato, força civil que só quer ganhar dinheiro com seus cassinos. O sindicato não participa diretamente da batalha ou da guerra, mas se relaciona muito com ela. Eles por exemplo, são protegidos pela polícia do governo, ao mesmo tempo que tem de pagar propina a eles. O objetivo do Sindicato é abrir 7 cassinos e ter $30. Em Root, essa força independente é representada pelo Vagabundo.

E por que quase ninguém nunca ouviu falar de Cuba Libre e todo mundo só fala de Root se eles são tão parecidos?
Bem, primeiro é importante dizer que o grande trabalho de Root aqui não foi o de ser inovador na forma de jogar, mas sim, ser inovador na forma de formatar o jogo. Os jogos da GMT são densos. Os temas são históricos, as vezes polêmicos. O design é simples, com aqueles tokens de papelão com informações típicos de wargames. São práticos mas são mais funcionais do que atrativos. Cuba nem é um jogo feio. A capa é feia, mas os cubos, as cores são bem bonitas. Mas não se compara com Root.
A arte de Root, de escolher bichinhos fofinhos na floresta é o primeiro passo para quebrar a barreia do jogo. Ninguém acha que um jogo tão fofinho vai ser tão pesado de regras. Inúmeras pessoas já me pediram para jogar Root por que acharam o jogo lindo. Isso diminuiu demais a resistência. O segundo mérito de Root foi o de limpar um pouquinho as regras, novamente visando quebrar as barreiras de entrada. Root tem uma única condição de vitória: fazer 30 pontos. Muda-se o como, mas o objetivo é comum. E por último, a padronização das ações. Nos COINs, é normal cada facção ter uma folha com as ações específicas de cada um. Em Root, dentro do possível, o jogo tentou manter o padrão de MOVER, BATALHAR, RECRUTAR, CONSTRUIR para quase todas as facções e trabalhar com exceções a partir dessa base.
Mas então, se é isso, por que eu iria querer jogar Cuba Libre? Se Root já deu uma melhorada no negócio? Vale a pena mesmo eu jogar esse tal de Cuba. Então, se você adorou Root, vale! Vale muito!
Os jogos COINs, tem uma sistema de ações a partir de cartas de evento, que é simplesmente SENSACIONAL! Esse sim é um dos mais inovadores e diferentes que eu já joguei. O jogo mantém sempre 2 cartas abertas: a carta da rodada atual e a da próxima, para que você saiba o evento que vai sair na próxima rodada. No alto das cartas, há o simbolo de cada facção. Ele diz a ordem de jogador daquele turno. Ou seja, o símbolo que aparece primeiro joga primeiro e assim por diante. Mas o interessante aqui é que apenas 2 dos 4 jogadores vão jogar por turno. Ou seja, você pode escolher fazer ação nessa rodada OU passar para esperar para jogar o efeito da carta da próxima rodada que já está aberta ali para você ver. Se a pessoa jogou nessa rodada, ela está inapta a escolher jogar a próxima carta.

Então fica uma eterna escolha de Sofia. As vezes você quer muito jogar agora, mas o próximo evento vai ser tão forte para seu adversário que você decide passar e jogar na carta seguinte para impedir algo de acontecer. Ou as vezes o evento seguinte é tão bom que você quer garantir ele. Mas tudo depende não só de você mas também na ordem de jogador da próxima carta.
E não para por aí. Ao escolhe fazer a ação, o jogador da vez escolhe em qual POTENCIA ele quer fazer. Ele quer fazer apenas 1 operação, 1 operação + 1 habilidade especial ou fazer o evento para si. O quão mais forte ele escolhe fazer a ação, mais forte será a ação do PRÓXIMO jogador. Isso por que ele só pode escolher fazer uma ação secundária da ação que você escolhe. Está notando a segunda escolha de Sofia aqui?
Isso faz com que Cuba e os demais COINs, sejam jogos extremamente marcados. Muitas vezes você abre mão de uma ação potencializada por que ela vai praticamente dar a vitória a um dos seus adversários. E o tempo todo você tem que ficar balanceando o que vai fazer e o que vai dar para seu adversário fazer. E isso é o diferencial do jogo.
Os COINs da GMT existem desde 2012 e são bem conhecidos por muita gente do nicho de Wargamers, mas infelizmente muito pouco fora dele. Isso tem a ver não só com a qualidade do jogo como a estratégia da empresa. A GMT produz jogos sob demanda e em lotes pequenos de 700-750 cópias para todo o mundo. Os jogos são complexos e quando históricos, preocupam de contextualizar demais a situação seja no manual ou nas cartas. Quem aqui já jogou Twilight Struggle sabe do que eu estou falando. Mas se Root fez você vencer a barreira dos jogos de contra-insurgência. Se você já entendeu bem como é explicar regras diferentes para cada facção para as pessoas e seu grupo já ultrapassou esse fase e topa mais coisa do tipo, Cuba Libre pode ser o jogo ideal para você. O nível de regras não é muito superior ao do Root, sendo apenas um pequeno passo a mais. E a experiência com o sistema de cartas e ações COIN que eu descrevi acima, definitivamente valem o teste.
No final, é uma pena que a GMT faça tiragens tão baixas e tenha uma distribuição tão limitada, dificultando que você encontre facilmente jogos nos grupos sem importar diretamente. Mas se tiver a chance de conhecer, acho que é algo que você não irá se arrepender.
***********************
E se quiser ler mais textos nossos, se inscreva e siga a gente para receber notificação quando tiver novas atualizações. Também estamos no Instagram no
@redmeepleblog e no
Wordpress
Veja abaixo os últimos textos do Red Meeple Blog