Acredito a discussão promovida no tópico pode ser sim considerada útil desde que nos esforcemos para não torná-la inútil.
Claro, por ser um fórum de internet e não uma discussão acadêmica poderemos cair numa conversa de bar, o que não é negativo, pois abre espaço para que ela não passe de um papo amigável, sem qualquer pretenção de vencedores ou perdedores, afinal não estamos aqui para refutar ninguém.
Enfim, meus dois centavos sobre o tema. Acho que tendo a caminhar para um "meio do caminho" no que tange às duas principais posições apresentadas no tópico, isto é, aquela que afirma que os tudo não passa de "lacração" e a que enxerga a inserção da diversidade nos bens culturais como um movimento natural da sociedade. Primeiramente acho que é completamente natural que as produções da cultura reflitam as condições sociais, logo, inserir um protagonista homossexual num filme é apenas um reflexo da existência dessas pessoas na sociedade, o gênero, a sexualidade de uma pessoa, sua cor de pele ou qualquer outro fator não deveriam ter importância, por outro lado, se há incomodo com isso, essa própria rejeição já se torna um argumento em prol da inserção do personagem com a finalidade de normalizar. Entretanto, o que mais me faz pensar num caminho do meio é a forma com que essa inserção é feita.
Pink money, black money e green washing: as empresas, embora em algum nível poderão ter algum tipo de preocupação social, a base de sua existência é o lucro, logo, de que adianta eu ter uma base social lindíssima, inclusiva e que respeita todo tipo de público se o meu negócio não é viável? Perceba que não há uma crítica moral, estamos falando de um elemento estrutural, afinal uma empresa que não dá lucro, deixa de existir. Em outro sentido também é válido dizer que pessoas homossexuais, mulheres, pessoas negras e pessoas preocupadas com o meio ambiente também são consumidores, logo um aceno a eles, ainda que não sincero, poderá atrair potenciais consumidores, por isso faz sentido tentar performar nesse sentido.
Agora sobre os jogos que tratam de temas polêmicos, primeiramente, vale destacar o meu "lugar de fala", sou descendente de Balbina Maria de Jesus, uma mulher indígena, cujos documentos foram perdidos ao longo do tempo, ex-escravizada. Estudo sobre a estética da escravidão e a história do abolicionismo. Ok, dito isso, um dos meus jogos favoritos é Puerto Rico. Outro exemplo, criei um jogo chamado Patricius em que somos famílias romanas e que utilizamos pessoas escravizadas para proporcionar o crescimento econômico e de prestígio de nossa família, lutando contra os "bárbaros", auxiliando no crescimento do império e da estruturas necessárias a esse desenvolvimento. Nesse sentido surge uma questão: Ao tratar de um jogo que se passa na Roma Antiga, que perpassa certo teor pedagógico, deveria eu, suprimir os escravizados, mesmo que em se tratando de uma sociedade, para usar o termo do Seymor Drescher, escravista? As sociedades coloniais, para além disso, tinham na escravidão o alicerce de todas as suas estrututuras, há um viajante chamado Jacquemont que esteve no Brasil no início do século XIX que chega a afirmar que a escravidão é condição sine qua non para que a sociedade brasileira exista. O que me faz pensar numa das frases mais conhecidas de Walter Benjamin: "Nunca há um documento da cultura que não seja, ao mesmo tempo, um documento da barbárie". A língua que estamos utilizando para nos comunicar nesse momento, é fruto do massacre e do epistemicídio de milhões de indígenas e de africanos traficados para essas terras. Nossa estrutura de pensamento existe a partir de uma ótica que perpassou um genocídio, enfim, estamos todos pisando num grande cemitério indígena.
Desse modo, o que efetivamente ganhamos socialmente quando temos um jogo ambientado num período intrinsecamente escravista em que essas pessoas são suprimidas? Por mais que seja apenas um momento de diversão, todo bem cultural trasmite uma mensagem, qual mensagem queremos trasmitir apagando as pessoas escravizadas? Claro, podemos sempre trabalhar outros períodos históricos, mas aí teremos um desafio ainda maior de encontrar períodos em que a barbárie não tenha se instaurado. Em jogos de guerra, poderemos problematizar a matança, em jodos de fazendinha, o especismo, em jogos de comércio, a extração de riqueza, o meio ambiente. E convenhamos, um jogo por si só, utilizando plástico, cortando árvores para produção das peças de madeira e sua industrialização para o papelão, me faz ver barbárie até nisso. Estou fazendo essa provocação porque acredito que o que vale é apenas um equilíbrio, toda problematização é válida, entretanto, há formas mais efetivas de realizá-las, isso de um ponto de vista muito mais pragmático do que essencialmente moral.
Aí entra outro ponto, sendo bem direto: Há aqueles que irão criticar a presença de pessoas negras na Europa Medieval como lacração (embora existam iluminuras medievais em que existam pessoas negras), inclusive, geralmente, são os mesmos que criticaram a Dinsey por não contratar pessoas com nanismo para representarem os anões no filme da Branca de Neve, aí fica tipo: atores negros desempregados, tudo ok, pessoas com nanismo, aí a culpa é da lacração.
Finalizando, no caso Ace of Spades, claramente ficou bastante caricato, devemos ter em vista que nossa mediação com a realidade é estética, logo quando se utiliza de referenciais claramente preconceituosos e baseados em todo um estereótipo negativo com a população negra, repensar essa representação é válido. Ponto para a Devir, ou não, embora qualquer pessoa que trabalhe em uma empresa saiba que existe uma chance imensa de que alguém lá dentro disse que iria dar merda e foi sistematicamente ignorado.