Rodrigo Deus::Excelente texto, como sempre. Mais bonito que pudim de padaria, melhor feito que bolo de laranja de vó!
Eu acho que sempre vai existir a briga eterna entre a falta de qualidade e talvez vontade do que é produzido nacionalmente versus o que vem de fora a preços exorbitantes. Isso não adianta debater, salvo cobrar das empresas envolvidas. Lembro das polêmicas do preço do Puerto Rico e de outros jogos da Grow, do interesse até recente de jogos nacionais por parte da Estrela logo após as notícias de plágio e brigas judiciais com a Mattel estourarem na web, o papel fino demais da Ludens Spirit em Quissamã e outros jogos, os primeiros jogos da Tia Lagartixa que chegaram ao preço de um salário mínimo inteiro ou os 4 dígitos de valor, enfim... mas acima de tudo, a briga da qualidade versus preço sempre vai existir.
Também é preciso considerar que o mercado brasileiro não absorve muita coisa em termos de entretenimento que fuga da tríade maldita da cerveja, futebol e churrasco (porque nem todo lugar do Brasil existe praia). Lembro de quando eu trabalhei com editoras que até já saíram do mercado ou mudaram de nome, a gente ainda engatinhava com muito esforço para vender apenas 1.000 unidades de um jogo ou acessório no mercado de jogos de mesa modernos. Imagino o que os RPGs menores não passam.
Será que considerando a industrialização tardia, a influência da cultura e mercados norte americanos, a influência dos jogos modernos europeus, a ascensão dos jogos asiáticos (que até estão chegando aqui por editoras grandes) e a falta de interesse nos jogos modernos levaria o mercado a começar a pensar em representações dos jogos como associações comerciais para impulsionar a área comercial dos meeples, @iuribuscacio? O que você acha?
Caro
Rodrigo Deus
Meu amigo, como de costume um excelente comentário. Esse humilde artigo fica melhor com tão ilustre presença, principalmente considerando a sua atual falta de tempo para escrever aqui no Ludopedia.
Quanto ao artigo em si, faltou você falar da disputa da Estrela com a Hasbro.
No caso das suas ponderações, eu sempre digo, e acredito veementemente, que o maior empecilho para a popularização do hobby no Brasil sempre foi o preço. Nesses meus anos de hobby, em que eu sempre tento divulgar os jogos modernos para as pessoas, me recordo de pouquíssimas que tenham realmente ingressado nesse nosso mundo e passado a comprar e jogar com regularidade. O obstáculo é sempre o preço. Eu vi a seguinte história se repetir inúmeras vezes: eu reunia um grupo de amigos que não jogam, mostrava o Dixit, o Ticket to Ride, o Pandemic, e todo mundo ficava encantando e na mesma hora perguntava onde eu consegui aqueles jogos maravilhosos, porque eles também queriam. Só que essa empolgação só durava até a hora em que eu falava da média de preço dos jogos. Nesse momento dava para ver a cara de espanto das pessoas, e a admiração com o fato de que eu paguei tão caro por um "joguinho de tabuleiro". No final, o resultado era sempre o mesmo, as pessoas topavam jogar, mas apenas os jogos que eu comprava, porque ninguém achava que valia a pena pagar R$ 200,00 ou R$ 300,00 em um jogo de tabuleiro (hoje esses valores não são tão altos, mas alguns anos atrás era muita coisa).
O fato é que as grandes editoras nunca quiseram, ou pelo menos nunca demonstraram, nenhum interesse real em desenvolver um mercado de jogos nacional, mais robusto. A Galápagos é uma editora comum faturamento na casa de milhões, e antes que alguém diga eu sei que faturamento é diferente de lucro, mas uma empresa que fatura tanto quanto a Galápagos, não tem um lucro muito baixo, como se fosse a vendinha da esquina do seu Manoel. Do mesmo modo, a Devir já é uma empresa multinacional. Por isso, eu custo a crer que essas duas editoras não pudessem, reduzir um pouco o lucro, vender mais, aumentar a tiragem, e no final ganhar ainda mais com o maior volume de vendas. Eu acho difícil que nem Galápagos nem Devir não possam fazer esse tipo de aposta. Não dá para ter a menor dúvida de que se o Heat: Pedal to the Metal, tivesse sido lançado a R$ 250,00, a Galápagos poderia ter investido em uma tiragem muito maior, e teria um novo jogo evergreen (para quem n!ao sabe, um jogo que continua vendendo durante anos), nas mãos, no nível de um Dixit.
A própria Grow e a Estrela até tentaram entrar no nicho dos board games, mas rapidamente desistiram, em parte pelo alto padrão de exigência dos board gamers, que não toleram cartas com menor gramatura e caixas menos sólidas, mas também reclamam horrores dos preços dos jogos modernos. E até dá para entender, afinal, porque motivo Grow e Estrela vão querer se meter a vender jogos modernos, quando as vendas anuais apenas do WAR e do Detetive, em separado, superam, e muito, as vendas de todos os jogos modernos reunidos?!?! E o mais interessante é que o mesmo pessoal que desceu o sarrafo no Herdeiros do Khan, são os mesmo, que hoje compram cópias mofadas do Zombicide 2.0, e ainda ficam muito satisfeitos com isso.
Infelizmente o caminho adotado pelas grandes editoras de jogos é baseado no consumo de exclusão, e com a falta de compromisso do fortalecimento do mercado. EM outras palavras, as grandes editoras não vendem jogos, elas vendem projetos, como eu já disse algumas vezes, algures. Assim, não há um jogo XYZ, o que há é um projeto XYZ. A diferença é que quando uma empresa lança um produto ela quer que ele venda o máximo possível, para continuar produzindo e vendendo esse jogo. Mas quando a empresa lança um projeto, ela vende aquelas unidades que foram produzidas, pronto e acabou. Depois é só partir para um novo projeto. Basta ver a quantidade de jogos que foram lançados lá atrás, e a empresa demora anos para relançar, mesmo que haja reprints mundiais regularmente, do jogo. E isso quando há realmente um relançamento, porque tem muito jogo que a possibilidade de relançamento é quase nula, e o jeito é apelar para o Mercado Usados, se o sujeito chegou tarde na festa.
Fora a questão do preço, há também uma questão cultural, complicada pelas nossas condições geográficas e climáticas. O Brasil na quase totalidade ocupar uma faixa do planeta com um clima mais ameno. Nós temos regiões onde faz muito calor, como cidades feito o Rio de Janeiro e Cuiabá, mas o fato é que o calor não te impede de sair de casa, especialmente à noite. Aliás ocorre justamente o contrário, porque as pessoas saem de casa para aproveitar o frescor da noite. Isso quer dizer que na grande maioria do território nacional não há um inverno rigoroso que impeça as pessoas de saírem de casa. Claro que estados como o Rio Grande do Sul e Santa Catarina sofrem mais com o frio, mas em comparação com o resto do Brasil, essas são pequenas áreas. Assim sendo, nos falta aquele recolhimento forçado do inverno que nos faça voltarmos a atenção para os jogos de tabuleiro. Essa tese nem é minha, mas sim do Ziraldo, falando não de jogos, mas sim de literatura, e eu acho que o mesmo raciocínio, se aplica a ambos. E você veja que nem é uma questão de ter ou não ter praia, porque Minas Gerais não tem praia, mas Belo Horizonte é capital nacional dos barzinhos, onde boa parte dos adultos frequenta regularmente.
Também é preciso considera que nós realmente sofremos uma forte influência norte-americana, mas que não é uma influência absoluta, e em todos os aspectos da vida. E aparentemente, o gosto pelos board games não foi algo em que a cultura nos influenciou, como ocorreu em outras áreas. É por isso que ás vezes eu tenho a impressão de que, infelizmente nós brasileiros temos o mau hábito de importar apenas aquilo que os americanos tem de ruim, principalmente no últimos anos. Nos States, as pessoas são intolerantes, racistas e fanáticos religiosos, e isso nós importamos deles. Mas lá nos States o sujeito vai para a cadeia se burlar a lei, mesmo que seja rico e famoso, as empresas pagam um preço muito caro se pisarem na bola, e a corrupção é bastante combatida, e nada disso nós nos preocupamos em importar para cá. DO mesmo modo, quando se olha para a atual polarização política brasileira, isso nada mais é que uma cópia da polarização que ocorre nos Estados Unidos, praticamentre desde a sua fundação. Até um líder de ultradireita, lunático, megalomaníaco, que não dá a mínima para as pessoas, que mente descaradamente, que é incapaz de um mínimo de empatia com quem morreu de covid ou quem perdeu parentes durante a pandemia, mas infelizmente é muito carismático, nós conseguimos importar.
Realmente é uma pena!
Um forte abraço e boas jogatinas!
Iuri Buscácio