Era um daqueles povoados, clima típico do Altiplano, o ar era salgado, o clima mais para fresco do que para frio.
Sentado no armazém estava Ramiro Rodríguez, a mão direita levava os grãos de cancha serrana um a um para sua boca, um movimento mecânico e inconsciente.
A massa que os grãos formavam na boca, descia lentamente pela garganta com o providencial auxílio das goladas da cerveja que chegava choca ao armazém no caminhão quinzenal.
O pensamento de Ramiro ia longe ao se lembrar de um trocadilho que servia tanto para a geografia do local quanto para o momento de sua vida : "mato e morro".
Quem diria que dá para brincar de Realismo Fantastico pensando em jogo de tabuleiro hein?
Hoje vou falar de Altiplano.

Quem não curte aquela Alpaca super maneira passeando pela mesa entre os jogadores?
Altiplano é mais um daqueles jogos sensacionais com arte horrorosa que de início parecem absurdamente complicados mas que em dois ou três turnos fazem todo o sentido.

Há um tabuleiro individual para planejamento de ações, além de alguns pequenos tabuleiros de ação como o mercado, a estrada, a mina e a floresta, locais onde seu planejamento será executado efetivamente.
Mecanicamente temos um primo do excelente Orléans, mas com uma temática bem mais próxima da nossa realidade Latina, e com algumas diferenças sutis.
Assim como em Orleans, Altiplano tem uma fase onde você compra "insumos" para posteriormente aloca-los e planejar seu turno.
A diferença principal é que em Orleans você compra pessoas e em Altiplano mercadorias.
Em Orleans temos também uma fase de evento (Praga, impostos, etc), fase que não existe em Altiplano.
Em suma, é um jogo muito simples composto basicamente por 4 fases:
- Compra de novos insumos
- Planejamento de rodada
- Ações
- Preparação para nova rodada (Limpeza).
No jogo, você deverá estar em um local para realizar a ação desejada, o que exige certo planejamento para iniciar ou terminar o turno no local desejado, na dúvida sempre deixe suas carroças prontas para uso.
É uma daquelas gratas surpresas que rodam muito bem em dois jogadores e o considero um jogo "cobertor curto", são muitas ações e estratégias possíveis e você dificilmente vai conseguir executar tudo que gostaria em apenas um turno.
O jogo dá um belo destaque ao Milho, planta tão icônica na América Latina e que em Altiplano é conquistado na estrada (a trilha correspondente ao caminho do cavaleiro no Orleans) e serve como um coringa dentro do seu armazém.
Temáticamente, o Milho é a cultura mais conhecida quando pensamos em Peru ou Bolívia.
Mas talvez a batata seja a principal cultura nesses locais.
Explico: o milho é uma cultura um pouco mais exigente e necessita de um pouco mais de água.

"Pátio de secagem de batata, se não me engano era em Ollantaytambo"
A batata é bem adaptada ao clima e a altitude do Altiplano e é utilizada para fazer o milenar Chuño, batata seca usada principalmente para fazer sopas e cozidos.

"Chuño, a batata seca popular nos andes"
É parecido com o que ocorre no Brasil.
Provavelmente te ensinaram na escola que a Mandioca era a principal cultura plantada pelos índios.
Não é bem assim.
A Mandioca sempre foi muito popular nas regiões litorâneas onde ela cresce melhor.
Nas culturas indígenas mais localizadas no interior do país, outras plantas ocupavam um espaço de maior destaque.
Inclusive, conheça esse belo milho que eu trouxe do Peru (mas que você pode encontrar pela internet).

Esse milho é conhecido como Maiz Cancha ou Maiz Chulpi ou ainda Cancha Serrana.
É um milho delicioso usado para fazer um petisco muito popular.
Deixa o milho meia horinha de molho em água, leve a uma panela quente com um pouco de óleo, tampe e vá "rodando" a panela.
O milho estoura mas não vira pipoca.
Vira essa maravilha aqui:

"Esse trem se mantém crocante por dias se guardado em um pote fechado"
Voltando ao jogo, Altiplano com certeza é uma excelente escolha para quem busca conhecer um jogo de peso médio com muitas possibilidades diferentes de pontuar.
A mini resenha de hoje está aí.
Desculpe se sai muito do assunto (De novo!)
PS: Talvez você ache algum Ramiro Rodríguez em algum livro do Garcia Márquez.
Não achou? Tente Juan Rulfo ou Alejo Carpentier.
Se ainda assim não achar, fique à vontade para continuar a história da forma que desejar.