Por: Ian Carvalho (@_carvalhoian), designer de jogos.
Monopoly (Monopólio), brasileiramente conhecido como
Banco Imobiliário, é o jogo de tabuleiro com patente mais vendido da história. Tem sido uma parte icônica da vida americana: um passatempo barato durante a Grande Depressão; uma lembrança de casa para os soldados durante a Segunda Guerra Mundial; uma exportação americana durante a sua ascensão como superpotência global; e um best-seller durante a clausura imposta pela recente pandemia.
O poder de permanência do jogo pode ser em parte devido à forte tradição estadunidense – a ideia de que qualquer pessoa, com apenas um pouco de dinheiro, pode passar da miséria à riqueza. Mary Pilon, autora do livro The Monopolists: Obsession, Fury, and the Scandal Behind the World's Favorite Board Game (Os Monopolistas: Obsessão, Fúria e o Escândalo por Trás do Jogo de Tabuleiro Favorito do Mundo), investigou a história da sua origem: um homem chamado Charles Darrow estava desempregado e inventou o jogo para passar o tempo. Ele trouxe o Monopoly para a empresa de jogos (Parker Brothers) em 1934 e acabou se tornando um milionário. Essa é a história que esteve no site da Hasbro por muitos anos e que enganou muita gente, exceto pelo fato de que Charles Darrow realmente se tornou um milionário.
Em 1903, uma feminista de esquerda, escritora, poeta, produtora de teatro chamada Lizzie Magie criou o jogo de tabuleiro (
Jogo do Senhorio) que hoje conhecemos como Banco Imobiliário – mas ela nunca recebeu nem o crédito, nem um único dólar de suas vendas. A pesquisadora Mary Pilon veio fazer justiça à sua história. Lizzie queria que seu jogo de tabuleiro refletisse suas visões políticas progressistas e não fosse uma homenagem ao monopólio que ensinou gerações de crianças a comprar muitas propriedades, empilhá-las e cobrar aluguéis altíssimos de outros jogadores pelo privilégio de parar ali acidentalmente.
É irrefutável que Monopoly é essencialmente estadunidense e que tornou-se parte da herança folclórica dos E.U.A. Em aproximadamente 80 anos, os estadunidenses compraram cerca de 80 milhões de cópias de Monopoly (Sem citar o restante de cópias vendidas em outros países). É raro encontrar algum estadunidense que não tenha jogado este jogo e alguém, mesmo no Brasil, que não já tenha ouvido falar no jogo do Banco Imobiliário.
O artigo "Monopoly is a Capitalist Plot: A Hegemonic View of Games as Instruments of Economic Indoctrination" foi escrito por Michael A. Persinger e D. Scott Thorne e publicado na revista "Teaching Sociology" em 1985. O artigo discute a visão de que jogos como o Monopoly podem servir de veículos para ensinar e perpetuar ideologias econômicas específicas, especialmente aquelas relacionadas ao capitalismo. Alguns trechos do artigo que acho interessantes:
Os estudantes de economia política não conseguiram examinar um aspecto importante dos processos culturais de entretenimento das últimas 50 décadas: os jogos que as crianças jogam podem proporcionar uma visão dos fundamentos motivacionais de uma sociedade e de sua economia.
O que ele essencialmente ensina às crianças?
1. No jogo ninguém trabalha. Todos os lucros vêm como retornos de capital investido ou de diversões frívolas como concursos de beleza. O capitalista é glorificado às custas do trabalhador. Na verdade, não há homens ou mulheres trabalhadores neste jogo (edifícios, por exemplo, são erguidos por lacaios invisíveis do banco). Assim, o jogo esconde da vista a face exploradora do capitalismo.
2. As crianças são encorajadas a pensar que podem ganhar dinheiro sem nunca terem trabalhado para isso, a necessidade de expropriar direitos das costas suadas das massas trabalhadoras. Também encorajadas a acreditar que uma doação estatal anual de apenas $200 é adequada para aliviar a miséria social e transformar qualquer pessoa num capitalista de sucesso.
3. Monopoly reforça o mito de que a América é uma terra de oportunidades iguais.
4. Monopoly glorifica os grandes negócios, os monopólios são a única forma eficiente de empresariado.
5. Monopoly glorifica os banqueiros e mantém a identificação do Banco com o governo. É o Banco quem regula todas as transações, inicialmente possui todas as propriedades e paga a doação de $5200 àqueles que têm a sorte de tirar uma carta.
6. Nunca há falência de banco – se ficar sem dinheiro, o Banco simplesmente imprime mais. No contexto das falências bancárias da década de 1930, esta característica do jogo pode ser vista como uma conspiração insidiosa para restaurar a credibilidade daqueles baluartes desacreditados do sistema capitalista. Além disso, o jogo deixa nas crianças a impressão duradoura de que o dinheiro é o que os bancos imprimem e que não tem nenhuma relação necessária com a produtividade real das massas trabalhadoras. No jogo nunca há problema de inflação ou desemprego. A economia do monopólio cresce de forma constante.
7. O jogo reforça as virtudes capitalistas da rapacidade, do egoísmo e da ganância. Como afirma o famoso crítico social Shelly Berman: “a verdadeira atração de jogar Banco Imobiliário é a emoção que você sente quando sabe que eliminou um amigo”.
Para além da ideologia
Para além do que escreveram Michael e Scott, tenho dito aos “novatos” no mundo dos jogos de tabuleiro modernos, que Banco Imobiliário é um jogo ruim por alguns motivos:
1. Ele pode ser resolvido de maneira muito simples, negociando e controlando a oferta de moradias de maneira muito óbvia.
2. Pode levar muitas, muitas horas, consistindo em tomadas de decisão processuais mínimas, óbvias e repetitivas. O jogo torna-se enfadonho.
3. É um jogo de negociação, mas negociar é muito difícil – quase impossível. Você pode realmente convencer as pessoas a fazer negociações que não sejam do seu próprio interesse? Caso um jogador, que sabe que vai ser derrotado, se recusa a fazer uma negociação, você ficará muito muito tempo rodando o tabuleiro até que alguém modifique um pouco o cenário imobiliário.
4. A recompensa por um investimento pode nunca acontecer. Não é raro você ter que esperar por minutos e minutos a fio até que você consiga vender uma propriedade. Extremamente frustrante.
5. Pode durar muito, muito tempo até você jogar novamente. O tempo entre turnos pode ser imenso e você não tem o que pensar ou planejar neste tempo.
6. Eliminação dos jogadores. Não é nem um pouco divertido ser eliminado ou ver algum jogador eliminado do jogo (por mérito de sorte ou azar). Especialmente porque os jogadores restantes permanecerão por muito tempo ainda jogando.
7. Jogo totalmente baseado na sorte. Se nas suas primeiras rolagens, você não se der bem, provavelmente ficará as várias horas do restante da partida administrando a sua derrota, tentando não ser eliminado precocemente. Dados são legais? Jogos de sorte podem ser legais? Sim, mas não quando você precisa ficar no mínimo duas horas jogando dados sabendo que você não irá vencer a partida.
8. Locais desinteressantes no tabuleiro. Muitos dos espaços em que você visita através da sorte não te dão nenhuma vantagem, não te dão benefícios e não são atrativos. Você simplesmente perde o seu turno.
Customize seu Monopoly
Faça da sua cópia de Banco Imobiliário um instrumento para criatividade. Customize seu tabuleiro, pinte locais, modifique as recompensas, customize os dados, coloque luta, batalha, corrida, zumbis, naves, animais; construa rotas, portais...torne-o cooperativo contra o monopólio, ou em equipes: rebeldes contra os banqueiros. Enfim, coloque sua criatividade à prova!
Substitua seu Monopoly
Você detesta Monopoly, não quer customizar o seu jogo, mas também não o quer jogar mais; mas gosta muito da temática ou de um certo clima de economia ou especulação? Precisa de jogos que abordem de maneira mais equilibrada os aspectos de estratégia e habilidade desse joguinho medíocre? Seus problemas acabaram. Aqui estão algumas sugestões de substituição:
Esse é o jogo mais próximo de Monopoly que eu conheço. Negociação pura! Nele, os jogadores assumem o papel de magnatas tentando lucrar com negócios em um mundo corporativo competitivo. O objetivo é acumular a maior quantidade de dinheiro ao final do jogo.
É o segundo jogo mais parecido com Monopoly que eu conheço! Não coincidentemente, é de autoria do mesmo design de I’m the Boss. Os jogadores assumem o papel de investidores em empresas de hotelaria, competindo para construir impérios hoteleiros lucrativos.
É um jogo de tabuleiro leve e rápido projetado por Reiner Knizia. Nele, os jogadores representam membros da alta sociedade que participam de um leilão extravagante de itens de luxo. O objetivo do jogo é acumular a maior quantidade de pontos de prestígio ao final das rodadas.
É um jogo de tabuleiro de estratégia e negociação focado no mundo da bolsa de valores, desenvolvido por Brett Sobol e Seth Van Orden. No jogo, os jogadores assumem o papel de investidores tentando aumentar seu patrimônio líquido através da compra e venda de ações em um mercado volátil.
É um jogo onde os jogadores competem para construir e administrar suas próprias cidades medievais. No jogo, cada jogador controla uma cidade representada por uma grade de cartas. A jogabilidade central de "Dice City" envolve o uso estratégico de dados, onde os jogadores lançam dados para determinar as ações que podem realizar em sua cidade. Essas ações incluem coletar recursos, como ouro, madeira e pedra, recrutar unidades militares, construir edifícios e expandir a cidade.
Os jogadores assumem o papel de construtores de parques de diversões a vapor. O objetivo do jogo é atrair visitantes para o parque, garantindo a melhor experiência possível para eles, ao mesmo tempo em que mantêm o parque limpo e evitam a presença de sujeira e robôs defeituosos. Durante o jogo, os jogadores realizam ações como construir atrações, contratar funcionários e limpar a sujeira do parque. O aspecto mais distintivo do jogo é o uso de dados personalizados para representar as ações dos jogadores.
Aqui os jogadores assumem o papel de gerentes de restaurantes de hambúrgueres competindo para criar os melhores hambúrgueres e atrair clientes. O objetivo do jogo é ganhar pontos de reputação, servindo os hambúrgueres mais deliciosos e satisfazendo os desejos dos clientes.
Este é ambientado na Era das Descobertas, onde os jogadores assumem o papel de comerciantes buscando lucros através do comércio de especiarias exóticas. O objetivo do jogo é acumular a maior quantidade de pontos de vitória ao final da partida. No jogo, os jogadores recolhem e trocam diferentes tipos de especiarias (pimenta, açafrão, cravo e canela) para adquirir cartas de mercadorias e transformar suas especiarias em recursos mais valiosos. As cartas de mercadorias fornecem pontos de vitória e habilidades especiais que os jogadores podem usar para otimizar suas estratégias.