E vamos seguindo nessa saga de recapitular 10 anos de hobby! Já falamos de 2014 a 2019 então bora vislumbrar como estava o exercício do hobby em 2020 para este kina que vos fala! Esse ano foi um ano de mudanças, de alteração da realidade como a conhecíamos, de se perguntar o que queríamos, o que necessitávamos e o que tinha relevância tanto na vida quanto no hobby. O insight lúdico seria “Quais são as nossas reais necessidades e o que é vital dentro e fora do hobby”? Além disso, da mesma forma que em postagens anteriores seguiremos a seguinte estrutura:
-Como estava minha “mente jogadora” na época, pelo menos até onde consigo lembrar no feeling de retrospectiva, e como essa mentalidade/perfil de jogador seguiu se moldando com os anos avançando.
-Qual o melhor jogo que conheci e adquiri naquele ano, e que está na coleção até hoje! Remetendo ao porquê de possuir uma cópia, seja pelas mecânicas, seja pela abordagem/tema ou outros motivos.
-Qual o jogo que disse adeus, e merece destaque por fazer falta em algum nível (nem que seja pelo saudosismo) ou que não faz falta nenhuma e “já foi tarde”.
-Uma amarração mais ou menos conclusiva, dando alguma deixa para o ano seguinte, 2021.
Vamo que vamo!
-Sobre meu panorama de jogador em 2020:
Vale dizer que esse ano me mostrou o valor de ter um hobby dentro do hobby, no meu caso produção de conteúdo escrito. Em 4 de fevereiro de 2020, surgiu o BATENDO DE KINA, de uma forma até simples e circunstancial: sempre fui de debater em aplicativo de mensagem, ou de indicar arquivos e coisas diferentes sobre este ou aquele jogo, bem como sempre fui de discorrer ideias na forma de texto. Certa semana explanei em uns 3 momentos para pessoas diferentes sobre um certo jogo, quais eram minhas impressões e pra que tipo de mesa/grupo aquela experiência lúdica estaria propensa a agradar. Na semana seguinte aconteceu algo parecido com outro jogo... então pensei, porque não fazer um canal? E se o hobby remete a 10 anos de forma mais efetiva, o canal já tem bons 4 anos, justamente de 2020 a 2024
Se você tem gatilho em relação as dificuldades vividas nesse ano em função da pandemia de covid-19, pule para a belíssima ilustração do jogo pandemic mais abaixo, e siga lendo o texto dela em diante...
Após a postagem seminal do BATENDO DE KINA, a boa e velha apresentação do canal, fiz mais 5 postagens sobre alguns jogos e tudo virou de cabeça pra baixo, pra dizer o mínimo. Eu sou de Recife, então meu carnaval é no eixo da folia Olinda-Recife (pra quem conhece). De uma hora pra outra, pouquíssimo tempo depois do carnaval, para além, para muito além da proposta do jogo PANDEMIC, fomos tomados pela necessidade de quarentenar, de torcer primeiro pela descoberta da vacina, e depois finalmente pela vacinação em si. Alguns viveram intensamente cada dia desse período da forma menos ruim que puderam, outros anestesiaram-se também como puderam. Nem estou falando de um viés político, mas sim de como cada um abordou a realidade que o cercava nesse fatídico ano, falando inclusive sem juízo de valor em torno do certo ou errado. Se não entendeu volte 3 casas... O fato é que a vida seguiu para uma parcela considerável, mas infelizmente não para todos, quem teve que dar adeus pra familiares e/ou amigos de jogatina sabe o tamanho e a profundidade dessa chaga.
Não tínhamos certeza se estaríamos vivos nas próximas 12 ou 24 hrs, e por mais que ler isso talvez soe meio exagerado hoje, naquele momento era a mais pura verdade. Os boardgames foram relegados ao mesmo “lugar” que os demais supérfluos... Precisávamos assegurar o bem-estar, o básico, a alimentação, o estoque de máscaras, o alcool 70. Idas ao mercado pareciam versões realistas daqueles filmes de zumbi onde se pega o máximo que pode para estocar, mas sem enfrentar esses devoradores de cérebro e pagando pelos itens comprados. Tivemos bem dizer meia dúzia de black fridays sequenciadas, pois o interesse em itens de lazer caiu vertiginosamente. Isso até que alguém saiu somando os pedaços dessa equação (atividade a portas fechadas+ distração pra mente+ socialização em família) e sem aprofundar muito, vou resumir que houve o mais acentuado boom no hobby que se possa imaginar, não sei se o mais otimista defensor dos meeples imaginaria a abrangência que os boardgames passariam a ter! Embora existam outros fatores, não tem como fazer essa análise sem considerar como uma centralidade o fator pandemia.
E falando em pandemia, bom era impedir que 3 cubos se juntassem em determinada região do mundo, mas caso acontecesse vc só precisava arregaçar as mangas, planejar melhor o coop, levantar o astral da equipe e... jogar. Se o resultado não mudasse do negativo pro positivo, cabia a você tentar novamente ou arrumar na caixa, e esse era todo impacto, no máximo uma comemoração mais exaltada, ou uma reclamação mais emputecida e pronto. Mas e quando não era sobre cubos e sim uma doença real? E quando em vez de comprar a carta verde de epidemia, você via notícias na tv ou nas mídias sociais sobre o alastrar da Covid? E quando aquela trilha de surtos foi além de se tornar uma condição de perder a partida, e o que estava se perdendo eram vidas, pessoas, histórias, vivências e existências reais?
Em maior ou menor grau, minha mente de jogador (ou apenas minha mente em termo gerais mesmo) se perguntou o que era Real ou não... a ilustração mais abaixo pode muito bem ser vista como uma arte (muito boa por sinal) de pandemic e suas expansões ou um retrato lúdico do que acabou acontecendo fora dos tabuleiros.
Eu poderia descrever de várias outras formas, e poderia me permitir se transportar ainda mais para os ocorridos... Acredito que para alguns rola o feeling de que já acordamos de um pesadelo, ou quem sabe soa surreal como se tivesse sido um terrível filme de desastre/apocalipse. Eu não consigo falar de 2020 sem pontuar que ele aconteceu a pouquíssimo tempo, então ainda é mais do que palpável, e é sim uma página virada, mas com pouca coisa, relativamente poucas páginas escritas depois. Devemos agradecer (ao quê ou a quem, vai de cada um, respeitemos) pela possibilidade de novas rodadas, agradecer por poder olhar pro pandemic "apenas" (ênfase nas aspas) como um jogo novamente.
Depois de muita reflexão sobre o que necessitamos em termos gerais, me percebi debruçado (inclusive espontaneamente) sobre o que necessitamos em um jogo... em seu loop, em entender o que fornece diversão dentro daquele microverso. Se na pandemia diversas pessoas entraram no hobby, pra quem já estava dentro dele, foi sobre mergulhar mais ainda. Querer mais de um jogo muitas vezes é obtido através de adquirir suas expansões. Novos cenários, novos módulos para inserir alguns ou todos juntos, simplesmente MAIS!!! (mais do mesmo? SERÁ?). Curiosamente depois de passar bastante tempo sendo entusiasta de expansões, quase no modo "cala a boca e toma meu dinheiro", eu percebi algo muito importante pro meu certame de exercício dessa amada atividade lúdica. Eu não me tornei o jogador resistente, do perfil que prefere muito mais jogos base, e fica indo de um base pro outro, mas passei a analisar muito se uma expansão vale a pena.
Nessa bela estradinha de jogador, que nessa altura já rendia uns bons 6 anos, eu vi jogos serem meio que estragados pela expansão, como o SMASH UP que funciona muito bem no base, mas começa a ficar mais desregulado que tudo, a cada caixa adicional. Vi expansões que vem com o joio e o trigo juntas, e cabe a você ir sentindo o que funciona melhor, né TEOTIHUACAN, seu lindo? Vi jogo que ganha versão posterior que acaba ficando mais completo pois pega os melhores elementos de expansões seja de um kingdomino pra um KINGDOMINO ORIGINS, seja de um invasores do mar do norte pra um INVASORES DE CÍTIA, ou mesmo de um recente WYRMSPAN (embora nesse último caso eu dê mais valor ao wingspan com as expansões, mas aí é meu particular hehe). Tem uma categoria estranha de expansão que é tipo “boa o suficiente pra justificar aquisição, mas ainda longe de indispensável” e eu vi muito disso no PAPER DUNGEONS e sua expansão por exemplo, devo fazer postagem sobre ela, mas isso é outro assunto. O próprio pandemic eu preferi manter apena o jogo básico! Não curti os desafios adicionais das expansões, me agrada a camada normal do jogo, o feijão com arroz, mas entendo os aficionados que querem ir pro laboratório ou jogar de bio terrorista etc.
-Qual jogo marcou em 2020 e marca até hoje? (e os motivos em torno disso)
Foram 2! Ambos no certame de “menos é mais”. Sprawlopolis que pra mim faz mágica com 18 cartas, propondo um puzzle com boas doses de sagacidade, e Jaipur com sua dança de gerenciamento de mão pra set collection surfando em oferta e demanda, com direito a uma dança extra por dentro da dança esperada, com o escambo dos camelos.
Como esse ano trouxe amplas reflexões sobre o que é necessário, esses jogos acabaram contemplando aspectos disso. Em sprawlopolis eu fico até hoje maravilhado como o jogo consegue entregar tanta coisa com a premissa de pegar 3 das 18 cartas para serem objetivos, e as outras 15 resolverem a partida como colocação de peças/tiles (cartas na vdd). Na maciota o jogo consegue propôr desafios diferentes cheios de compensação matemática, pois você soma o valor de cada objetivo (que vai de 1 a 18) e essa é a tua pontuação alvo, tua win condition. Daí é claro que os que proporcionam condições amigáveis pedem muitos pontos, e os que pedem pouco tem detalhes que podem te fazer pontuar negativo, e aí o jogador dá uma equacionada no equilíbrio entre o trio de objetivos de cada partida.
Toda carta é dividida em 4 áreas/cores e fora pontuar os maiores agrupamentos, ainda tem um minigame de formar estradas, quanto menos estradas melhor, pois elas retiram pontos, então se você puder vai querer fazer apenas umas 4 ou 5 na cidade inteira por exemplo. O jogo tenta ser um cooperativo para até 4 jogadores mas roda bem mesmo é no modo solo. Então voltando a falar em necessidades, o jogo tem tudo que precisa para seu “ecossistema” nesses 18 pedaços de papel, e também só necessita de um jogador pra fazer a frente necessária em horas de diversão. Jaipur pede apenas por 2 pessoas dispostas a rodar um duelo dos bons! Querendo ou não, o jogo também suscita uma questão de “necessidades”... Nesse caso necessidades comerciais. Então é muito sobre agrupar as cartas na mão, mas gerenciar riscos e “timing” pra vender os itens na cotação interessante/favorável.
Os camelos podem ser tudo que você precisava, ou atrapalhar uns turnos seus se o oponente usar eles na hora certa… Na verdade você é que quer fazer essa jogada, limpando o mercado no melhor momento. O jogo brinca com a ideia de fazer várias vendas ou quem sabe demorar e fechar menos negócios, mas quando conseguir essa venda, ser uma mega venda e a recompensa ser maior ainda. Pra fechar, o sistema do jogo favorece contagem de cartas, dá pra saber quantas existem no total, e quantas ainda vem, então de forma sutil tem uma curvinha de aprendizado, dentro do oportunismo das vendas. Ele propõe jogar sempre em melhores de 3 e você nem vê o tempo passar, pelo menos pra mim é assim hehe. Ambos são jogos bem simples, mas são uma herança valiosa de 2020 pra mim, e sento pra jogar ambos com o mesmo entusiasmo da época, em pleno 2024 e além!
Qual jogo marcou em 2020, mas não permanece na coleção? (e os motivos em torno disso)
Primeiramente quero destacar que curto até demais o 7 wonders duel, mais do que o 7 wonders convencional e tanto quanto o arquitetos (não vi um consenso de predileção na comunidade, mas pra mim seria isso). O 7w duel pra mim roda que é uma beleza, alguém pode dizer que não é perfeito porque demanda ficar refazendo setup entre rodadas, e porque a vitória da tecnologia ou militar acontece uma vez perdida, resolvendo quase sempre a vitória civil (que é jogar até o final de tudo e contabilizar os pontos). Eu não vejo problema nenhum nessas 2 queixas(até as acato) e admiro até hoje o gerenciamento de recursos numa apresentação simples, porém efetiva, curtindo mais ainda o feeling de movimentos alternados que é quase um “damas”, nas árvores de cartas reveladas e ocultas. Isso tudo somado ao fato de que curto demais abordagens mitológicas, me fez soltar fogos e mais fogos quando foi anunciada que a expansão Panteão estava vindo para o Brasil.
O problema é que pelo menos no meu grupo, os deuses tiveram um impacto desastroso. Entre outras coisas, o principal é que na era II e III estará disponível uma nova ação que é a de ativar uma carta do panteão, e dessa forma, usar os poderes cósmicos e fenomenais dentro de uma lampadazinha dos deuses. Nisso o jogo base já tem bônus acentuados (principalmente nas cartas roxas de guilda) e alguns take that mais ou menos severos (de destruir carta cinza ou marrom, que são fornecedoras de recursos), mas isso se torna quase uma marola, perto de alguns tsunamis que podem acontecer usando a expansão. Você pode roubar uma carta cinza ou marrom para si (ficando o oponente com a perda duplicada de não ter mais e ainda ter te fornecido aquela carta). Pode destruir uma carta da estrutura/árvore de cartas, o que antecipa largamente um block (normalmente você teria que pegar antes do oponente ou fazer com que ele olhasse para outras opções).
Se estiver achando pouco, especificamente os deuses egícpcios (Anúbis, Ísis e Rá) podem respectivamente dar um “disable” na maravilha do oponente, ou construir uma maravilha pegando uma carta do descarte e ignorando todos os custos(pois é, um “Instabuild”), ou ainda roubar uma carta de maravilha do oponente (mais uma vez gerando um perda duplicada por não ter mais e ainda ter que aceitar que a maravilha agora é do oponente)… ok então… tá bom, tá blz. Eu não me adaptei porque não gostava nem de tomar essas jogadas, nem de resolvê-las na cabeça do outro duelista. Ficou um take that acentuado demais, e embora faça sentido num pensamento de proporcionalidade (estamos falando de deuses afinal!) o que acabava acontecendo, era que quando um jogador resolvia um deus absurdo, o outro tinha que realmente responder a altura, e talvez não conseguisse… quase como um placar a parte marcando a atuação dos deuses na partida.
O jogo roda em 30-40 minutos, então não demora, mas também não é de partidas instantâneas, então ainda dá pra sentir um gosto ruim na boca de ter seu planejamento dinamitado. Pra não ficar mal explicado, o problema não é ser mais ou menos tolerante a uma bofetada divina, e sim a bagunça/caos que isso trouxe a estrutura cristalizada, consolidada no jogo base. No base um jogador pode sim passar o trator no outro, mas uma parcela generosa dos deuses aparentemente veio meio que pra exacerbar isso. Fato ilibado que expansão via de regra é pra promover mudanças mesmo, mas essa pra mim não foi lá muito bem vinda. Eu não abominava partidas rodando a panteão, mas foi se tornando melhor jogar sem, e isso foi surpreendente pra um entusiasta de expansões… Nem todo mundo vai gostar de certas caldas derramadas em cima, pode querer só o “sabor” normal.
-Não sei, só sei que foi assim…
E esse foi o 2020 com partidas de pandemic fora do tabuleiro (isso usando do eufemismo ligado no máximo) e com muita gente inclusive eu, se perguntando o que era essencial, o que era necessário. Confesso que ainda fico abismado com todo o ocorrido e inclusive isso deve ter transparecido MUITO no texto. Segui tanto preenchendo quanto criando novas necessidades no hobby. Em 2021 eu percebi de forma mais contundente o limite de esforço VS prazer num jogo pesado, em termos de lembretes e manutenções, especialmente em modo solo, mas isso é assunto pra próxima página dessa jornada de recapitulação, que inclusive está quase chegando ao fim.
Até a próxima caros(as) companheiros(as) de cavalaria!
