Para quem não me conhece, além de hobbista, sou pesquisador e professor universitário de Psicologia e Ciências da Saúde. Entrei no hobby dos jogos modernos em 2019. De lá pra cá um dos usos (e até mesmo um critério importante para ter jogos na minha coleção), é a possibilidade de usar os jogos modernos no meu contexto de trabalho.
No geral, são dois tipos de usos e que tenho dado ao meus jogos: em contexto educativo, como professor; e em contextos psicoeducativos, como psicólogo.
O uso educativo é muito conhecido e devem haver outras postagens por aqui sobre isso. Talvez não haja tanta coisa no contexto da educação no ensino superior, mas confesso que o uso que tenho dado nesse contexto é um tanto acessório, mais em aulas iniciais de disciplinas como forma dinâmica para apresentação dos estudantes, ou compartilhamento inicial de ideias dos sobre um tema.
Já no uso psicoeducativo, sinto que tenho muito mais a falar e os jogos têm ganhado um papel de destaque. Antes de qualquer coisa, de forma bem resumida, por psicoeducacional me refiro à um contexto que envolve mais a elaboração subjetiva dos participantes a partir de um tema do que a simples apreensão de conteúdos. Isso pode se assemelhar a qualquer cenário que visa a criação de uma experiência comum de pessoas diante de um tema. Pode dizer respeito desde à um grupo temático sobre racismo em uma escola a uma dinâmica de natal com um grupo de trabalho que se pretenda um pouco mais séria e reflexiva.
Boa parte dos usos que vou compartilhar aqui são fruto de ações com um grupo de adolescentes ou com os facilitadores desse grupo em uma localidade de Fortaleza-CE chamada Gereba, uma comunidade com uma série de vulnerabilidades ao lado do antigo aterro sanitário que já foi um dos grandes lixões do nosso país.
Dito isto, vamos aos jogos.
1. Jenga

Esse talvez seja o jogo que mais usei de formas diferentes. Para a minha surpresa, alguns dos usos que eu dei a esse jogo depois encontrei como uma versão do jogo. Caso consiga achar, vou compartilhar essas versões.
Vamos a listas das formas que usei o jogo:
1.1 O que destrói, o que constrói?
Foco: comportamentos, sentimento e atitudes positivas e negativas.
Você cria uma metáfora da torre do Jenga com a comunidade, o grupo ou a turma. Em seguida, os participantes são convidados em compartilhar algum sentimento, comportamento ou atitude que destrói a comunidade ou grupo ao retirar a peça de Jenga. Ao colocar a peça retirada no topo, o participante deve dizer um comportamento, sentimento ou atitude que faz frente àquele que destrói ou que ajuda a construir a comunidade ou grupo.
Para gerar mais engajamento, você pode fazer uma brincadeira "mística" dizendo que aquilo que fizer a torre cair, é aquilo que a comunidade ou o grupo mais tem que estar atenta.
1.2 O que destrói o colega?
Aqui é uma variação que fiz focado na forma que os comportamentos e atitudes afetam alguém. Isso pode ser especialmente interessante ao abordar temas como bullying.
Para essa versão uso uma variante do Jenga que tenho com peças maiores, mas já usei com o jenga tradicional.
Faz-se uma torre de Jenga um pouco menor e a usa como um banquinho. Pede-se para que um dos participantes (ou pode ser o professor) sente-se na torre. A partir daí, os participantes vão falando coisas que destroem os outros e vão tirando peças até que a pessoa caia. Então, pode se refletir como essas coisas ditas, assim como no jogo, vão desequilibrando as pessoas.
1.3 O que destrói o colega? Em equipes
Trata-se da mesma dinâmica anterior, porém, com duas torres e com as pessoas se dividindo em equipes.
Pela minha experiência isso promove bem mais engajamento dos participantes.
2. Jenga Maker

Esse jogo leva somente o nome do Jenga, mas é um jogo completamente diferente.
2.1 Jenga Maker tradicional
No jogo tradicional os jogadores se dividem em duplas onde um terá o projeto em mãos (carta) e o outro tem que montar a estrutura da carta sem vê-la, somente com as instruções do companheiro. Usando essa versão abordar qualquer tema que envolva diferenças, limitações físicas ou problemas de comunicação.
2.2 O operário, o mestre e o engenheiro. Ou modo TEAM3: Edição Rosa
Estou indicando aqui o Team3 junto do Jenga Maker porque os dois jogos têm propostas bem parecidas e dá pra jogar cada um dos dois jogos com a caixa do outro. Acredito que dê pra fazer a dinâmica com ambos os jogos ou com outros jogos de construção de padrão, apesar de não ter testado isso (Tuki, Bloco Louco, etc.)

Aqui o foco ainda são diferenças ou problemas de comunicações. Trata-se de uma dinâmica bem conhecida. A primeira vez soube dela, foi por uma professora, ainda na graduação de Psicologia. Naquela ocasião ela usava palitos de fósforo.
O Team3 é basicamente a mesma ideia, no entanto, prefiro usar o Jenga Maker, por achar os projetos mais simples e mais intuitivos por formarem objetos reais e não só uma forma poligonal aleatória. Os participantes formam equipes de três pessoas, uma tem o projeto, mas só pode falar por mímicas, outro pode falar, mas não tem o projeto. Por fim, há o construtor, que recebe ordens do que fala, mas não pode ver nada.
3. Dixit: Odyssey ou espectro Dixit.

Indico a versão Odissey porque comporta bem mais pessoas, sendo mais versátil para uso tanto em pequenos, como em grandes grupos.
Não é um jogo que está sempre na mesa nas jogatinas de lazer, mas, graças a esses outros contextos, é um dos jogos mais usados da minha coleção.
3.1 Dixit Tematico
Basta usar as regras normais, mas limitando as dicas a serem ditas à um tema. Uso muito após a apresentação de um tema, em seguida jogamos o jogo com base nesse tema. Na última vez que fiz isso, por exemplo, o tema era masculinidade. Foi muito bom para fazer emergir as representações sociais sobre o masculino em adolescentes. E, de forma muito natural, surgiram falas sobre feminismo, machismo, patriarcado etc., e o melhor, fugindo das acusações de ideologização porque os temas aqui estão emergindo do próprio grupo.
3.2 Stella: Universo Dixit


Variação de Dixit, porém com as dicas dadas pelo próprio jogo.
Aqui vai mais da quantidade de pessoas e da capacidade do grupo de absorver mais algumas regras, mas o princípio é o mesmo: captar representações sociais a partir das cartas. O que fiz em um grupo foi trocar as cartas de dica que vêm no jogo por palavras dadas pelos participantes a partir de um tema específico.
Não tenho o jogo - ainda- , usei o meu Dixit Odissey usando folhas com uma matriz desenhada para substituir os cartões dos jogadores.
3.3 Clube Detetive


Infelizmente, nunca lançado no Brasil, mas é possível adaptar o Dixit para ter esse jogo dentro. Basta comprar alguns livrinhos e imprimir alguns cartões com os números para as votações. Daí, é só usar os cartões de votação do Dixit para votar nesse jogo, mas entregando para quem você acha que é o impostor. Para compreender melhor, veja o manual de regras em português de Portugal disponível na página do jogo (Regras Clube Detetive).
O Clube Detetive já usei em uma reunião de final de ano de uma equipe. Usando uma metáfora daquela pessoa que faltou muito ou que ficou desconectada do que aconteceu com a equipe no ano. Daí, orientei que as dicas se referissem a momentos marcantes da equipe ao longo do ano.
4. Sintonia

Esse é um jogo bem único. Com ele você consegue ter percepções dos jogadores a partir de cartas de dualidades dadas pelo jogo (coisa boa/coisa ruim; fácil de fazer/difícil de fazer; etc.).
Como usei? Assim como outros jogos nessa lista, pedi que as pessoas dessem dicas de acordo com um tema: sobre coisas que as pessoas veem ou vivem no bairro, por exemplo. No entanto, precisa de alguns cuidados para lidar com dois problemas para que a dinâmica rode bem com o jogo em um grupo psicoeducativo.
O primeiro problema é a compreensão das regras. Há muitos relatos nos fóruns de dificuldades dos jogadores compreenderem o jogo. Aqui vale a regra básica de qualquer jogo: é preciso compreender bem as regras e a pessoa que vai explicar tem que ser bem didática. Na minha experiência, as pessoas sempre entendem bem depois da primeira ou segunda rodada. Por isso, não perca muito tempo na explicação. Tendo dito tudo didaticamente, convide logo as pessoas para uma rodada teste. A tentativa de compreender esse jogo que é bem fora da caixinha dos jogos tradicionais pode cansar as pessoas e desvinculá-las da dinâmica proposta.
Outro problema, é a dificuldade de algumas pessoas de darem a dica diante do termômetro da dualidade. Tipo (é tão bom que é ruim/é tão ruim que é bom). Diante disso, faça uma triagem das cartas antes do uso com o grupo, já separando cartas que façam sentido para o tema e facilitem as dicas dos participantes.
Um ponto fundamental nas minhas experiências com esse jogo em grupos psicoeducativos, é ter ajudantes (que pode ser o próprio facilitador do grupo) ajudando a pessoa a pensar suas dicas. Na hora de dar a dica, pegue o termômetro do jogo, vá para um cantinho com a pessoa que vai dar a dica e pergunte para ela: "e aí, o que você está pensando?" e ajude coma dica. Com interlocutores, as pessoas chegam bem mais rápido ao que querem dizer.
Acreditem, já usei algumas vezes com grupo de crianças (11 a 14 anos) ou adolescentes (na faixa de 15 a 18 anos), inclusive com grupos de mais de 25 pessoas. Foi sucesso! Um tesouro por poder usar o jogo mesmo com tantas pessoas.
5. Downforce



Esse é um jogo bem família envolvendo uma dinâmica bem acessível, corrida. Muitas pessoas dizem que o jogo é de aposta e não corrida. Ok, vence quem tem mais dinheiro, e o dinheiro vem da corrida e das apostas. No entanto, quem joga algumas vezes esse jogo vai perceber que é quase impossível ganhar sem que pelo menos alguns dos seus carros não se deem bem na corrida. A maior inovação em relação aos jogos de corrida normais, vai ser a movimentação pelas cartas, onde você move tanto o seu carro como os dos adversários.
5.1 Adaptação: Corrida da Vida
Usei o jogo como um Jogo da Vida com um grupo de mais ou menos 15 adolescentes de 11 a 14 anos. Foi um sucesso. Como fiz?
1. O jogo é para 6 pessoas, como excedeu esse limite, fizemos duplas onde os participantes teriam que decidir suas táticas em conjunto. Não atrapalhou em nada. Até trouxe mais aquela ideia de equipe de corrida.
2. Usei o modo "Jogo para Iniciantes" que tem no final do manual, mas não adotei todas as cinco simplificações de regras desse modo, somente fiz a alteração de não distribuir todas as cartas no início do jogo. Cada jogador fica com uma mão de três cartas e vai repondo a medida que as usa. Isso ajuda na elaboração da tática para crianças e funcionou bem.
3. Por fim, para introduzir um tema a ser conversado no jogo, basicamente fiz um esquema estilo Jogo da Vida, algo que muita gente faz por aí criando um tabuleiro com casas de eventos e usando um dado para movimentação. O que foi mais como um Mario Kart. Peguei uns tokens que tinha de outro jogo e pus filas de caixinhas com marcas de boas e ruins embaixo e distribuí em pontos da pista. Ao passar por essas caixas, o jogador tem que parar e receber a consequência. As consequências eram comportamentos de colegas que incomodam e comportamentos que alegram. Fiz isso como roda de conversa antes do jogo e coloquei em duas sacolas. Dependendo do resultado da caixinha na pista, se sorteava um desses comportamentos junto de um bonus ou onus na corrida (duas casas para trás; avance duas casas; etc.). Dica: não coloquei benefícios de mais de duas casas para não criar discrepâncias e alterar demais a dinâmica certamente bem testada pelos designers.
6. E você? Qual jogo já usou nesses contextos?
Comenta aí. Vamos aproveitar esse post e fazer um grande fórum sobre isso.