Não, não!! Essa é a parte final da história! Se você não leu nada ainda, comece por aqui: https://ludopedia.com.br/topico/75984/diario-de-um-design-1-conexao-aguas-de-lindoia-japao
O ano era o longínquo 2023. O mês, maio. O jogo, Cheez-Tricks. O status: praticamente pronto. Com a ajuda inestimável do Tato Iazul e da Bárbara Côrtes, que conduziram a maior parte dos playtests físicos, estava aparando algumas arestas, especificamente nas cartas de gato (quais deveriam ficar, quais sairiam, quais novos entrariam). Chegou a hora de ver se a editora que tinha tido interesse no jogo efetivamente iria publicá-lo.
Tive um sinal verde, que iriam tentar publicar para o Diversão Offline (Junho). Depois, falaram que não daria, e mudaram a data para Setembro. Setembro também não dava, foi para Novembro. E em Novembro, eu desisti de esperar e resolvi publicar o jogo sozinho.
Vejam só, o pipeline de lançamentos de uma editora não é algo fácil de se lidar. Diversos fatores podem acontecer para que jogos “entrem na frente” na linha de produção. Jogos com muito hype estão sendo lançados praticamente ao mesmo tempo no Brasil e no resto do mundo (Ticket to Ride Legacy: Lendas do Oeste e o Wyrmspan são bons exemplos). Um autor renomado lança algo interessante? Passa na frente. Aparece um hype inesperado de um jogo obscuro da República Checa? Passa na frente. Aquele jogo que já está com arte pronta, tudo pronto, e que ficou pra trás por causa do jogo da República Checa? É o próximo. Um jogo de vaza desconhecido de um autor inédito? Vai ter que esperar um pouco. E esse pouco pode demorar meses. Ou anos.
Eu poderia ter esperado? Na minha cabeça, não. O jogo deveria ser publicado o quanto antes. Primeiro, porque é um pouco frustrante você ter trabalhado num produto que era aparentemente bem satisfatório, teria tudo para agradar as pessoas, e o ver ‘parado’, aguardando uma oportunidade. Pessoas com experiência no ramo me falaram ‘é assim mesmo, já começa o próximo, uma hora vai’. Mas eu não consigo. Lido muito mal com coisa ‘parada’ - eu quero resolver algo antes de começar uma nova empreitada. É uma característica minha - e nesse caso, um problema, já que a resolução do processo (o lançamento do jogo) não dependia, por enquanto, de mim.
Mas havia uma razão muito mais lógica, palpável e objetiva, do outro lado do mundo, mais precisamente no Japão. Os entusiastas do carteado sabem que o Japão é hoje o maior desenvolvedor de jogos de vaza e climbing modernos. O Tokyo Game Market é um evento semestral em que as editoras (e os estúdios independentes, que normalmente são uma ou duas pessoas) apresentam jogos e os colocam para venda. Em geral, cerca de 30 a 40 vazas novas são lançadas nesse evento a cada semestre. E eles não tem grandes questões com capricho e apresentação visual dos jogos - muitos tem arte/design gráfico bastante questionáveis, outros são feitos em condições claramente artesanais, alguns deles tem qualidade (de jogo) bastante duvidosa. Mas nada disso parece ser um problema para eles - os jogos são lançados da melhor forma que cada um consegue, e mesmo assim rodam o mundo, sendo importados em outros países, e alguns batalhados em leilões no eBay japonês (a febre da última edição do Game Market foi um shedding chamado Eleven, com ofertas de mais de 150 dólares nos leilões por aí).

Jogo em caixa grampeada, jogo em caixa de morango.. vale qualquer coisa pra publicar.
A chance de algum japonês ter uma ideia muitíssimo parecida com a minha não é pequena. Eu não criei nada de muito diferente ou inusitado - peguei duas ideias que já existiam, juntei as duas, e dei uma ajustada no que precisava. Se, por acaso, alguém lança um jogo muitíssimo parecido com o meu, o trabalho se perde. Eu viro “o cara que fez um jogo parecido com o do japonês lá”. E essa ideia, para mim, era inconcebível. (Depois de tomada a decisão, conversando com uma pessoa que já tem alguns jogos lançados, ela me disse que isso aconteceu com ela: um jogo ficou 3 anos esperando ser publicado e alguém lançou algo muito parecido, inclusive com o mesmo tema. O jogo está, no momento, perdido - vai ter que se bastante modificado para ter chance de publicação.)
Assim, resolvi partir para a aventura do self-publish. Por um lado, uma grande vantagem: eu teria domínio completo das decisões sobre o jogo. Por outro lado, eu teria responsabilidade total sobre o jogo, e teria que decidir absolutamente tudo.
Já conhecia a qualidade da produção e o comprometimento do trabalho da Ludens Lab, devido a outros trabalhos realizados com eles, e decidi que o jogo seria impresso por lá. Minha irmã me apresentou um amigo dela, o Luiz Felipe Ruiz, que topou fazer as ilustrações dos gatos e dos queijos. Próximo passo: escolher modelos felinos bem diferentes entre si para a base das ilustrações (esse, na verdade, nem foi tão difícil assim).
Pudim, o mascote do carteado aqui de casa. Presente em 100% das jogas.
Eu tenho um contato próximo com o Groo, um excelente design gráfico com enorme experiência em boardgames, que fez todo o design (e também a direção de arte) do jogo. Se não fosse o Groo, esse jogo não teria saído - e eu devo muito da existência do jogo ao trabalho dele.
Escrevi as regras, e pedi a revisão para o Gustavo Lopes, pois ele já faz isso há alguns anos para diversas editoras nacionais. Criei o jogo no BGG, criei o jogo na Ludopedia.
Decidi que o melhor formato para financiar o jogo seria uma mistura de financiamento coletivo com print on demand - iria produzir o número de cópias vendidas durante a campanha, em tiragem única - não importa se 50, 100, 300 ou 500 unidades. Resolvi tocar isso sozinho, sem nenhum tipo de plataforma intermediária. Com a ajuda de um amigo, criei o site para gerenciar os pedidos.
A história poderia ter acabado aí. Mas eu não queria somente isso. Eu queria ir um pouco mais longe, e tinha as ferramentas e os contatos para isso. E decidi ir atrás.
Eu sou um usuário ativo do BGA, o Board Game Arena, a maior plataforma de jogos de tabuleiro online. Além de jogar, eu já fiz diversas colaborações para o site - em especial, traduções e tutoriais. Durante a elaboração de um tutorial, você trabalha junto com o desenvolvedor do jogo. E foi assim que eu entrei em contato com o ufm, um desenvolvedor do BGA, entusiasta de jogos de cartas (desenvolveu muitos jogos clássicos para lá). Disse para ele que tinha criado um jogo de vazas, e que gostaria de colocá-lo no BGA. Ele disse que realizaria o desenvolvimento para mim, sem nenhum problema - bastava eu ter as regras e a arte final. E assim ele o fez, em um tempo absurdamente curto - e eu consegui disponibilizar o jogo para quem quiser conhecer e jogar.

Ao mesmo tempo, comecei a procurar lojistas especializados em jogos de vazas importados (normalmente os japoneses) para que eu conseguisse fazer com que meu jogo chegasse em outros países. Com a ajuda de alguns contatos, consegui que a Tricky Imports, nos EUA, a Travel Games, no Reino Unido, e a Golden Meeple, da Bélgica, se interessassem em importar e disponibilizar o jogo nessas regiões. Versei as regras para o inglês, e consegui que um professor nativo a revisasse (e desse algumas sugestões também).
E foi assim que o Cheez-Tricks se tornou um jogo self-published, mas com lançamento internacional. E é aqui, também, que essa história acaba…
… ou não. Na verdade, ela será interrompida por alguns meses. O desfecho, que é o que todo mundo quer saber (e eu também!) será publicado após o final da campanha de financiamento. Trarei os resultados de toda essa aventura - quantos jogos foram vendidos, quantos foram produzidos, as entregas, tudo o que funcionou (e o que não funcionou). Mas vocês terão que segurar a ansiedade e esperar 4-5 meses por isso.
E eu também.
Se você chegou até aqui e se interessou pelo Cheez-Tricks, apoie o financiamento: www.cheez-tricks.com.br
Quer saber como termina? https://ludopedia.com.br/topico/77555/diario-de-um-design-6-nem-todo-planejado-e-atingido