(Análise) Under Falling Skies
Título: Under Falling Skies (2020)
Designer: Tomás Uhlír
Arte: Kwancha Moriya, Petr Bohácek
Editora nacional: Devir
Nº de jogadores: 1
Inspirado em Space Invaders, Galaga e outros jogos do gênero, Under Falling Skies adapta a luta dos humanos contra a invasão alienígena para o jogo de tabuleiro.
Resumo de Como o Jogo Funciona
Uma partida acontece durante uma quantidade indefinidas de rodadas, terminando quando o jogador vence ou perde. Durante uma rodada, o jogador irá rolar 5 dados ao mesmo tempo, sendo 3 cinzas e 2 brancos e após a rolagem precisa alocar cada um dos dados em uma casa disponível em uma coluna de sua base. Os espaços de alocação irão ativar ataques às naves inimigas, adicionar robôs a outros espaços, mover marcadores de pesquisa e energia entre outras ações. Quando um dado é alocado, o seu valor numérico representa tanto a força da ação que será ativada no local como a quantidade de espaços que as naves inimigas se movem sentido à Terra, gerando dano ao jogador caso cheguem na base. A derrota pode ocorrer caso a nave-mãe se mova até a última casa (a base do jogador) ou caso o jogador sofra uma determinada quantidade de danos, enquanto a vitória ocorre quando o jogador consegue atingir o topo de uma trilha específica. Under Falling Skies é um jogo de campanha, ou seja, apesar de permitir partidas isoladas, existem folhas onde os jogadores anotam seu desempenho nas partidas, gerando uma pontuação final. Importante salientar que o jogo é rejogável, não existindo nenhum tipo de dano ou prejuízo à componentes após cada uma das partidas.
Mecânicas Principais: Rolagem de dados; Alocação de dados.
Critérios
Ø Qualidade dos Componentes
PRÓS: Cartonados (muitos) com uma boa gramatura, alguns até sendo cartonados onde apenas cartas resolveriam (como os personagens e as missões); Naves feitas de um plástico duro, cheias de detalhes e com um acabamento excelente; Folhetos referentes aos capítulos cheios de ilustrações e de boa gramatura; Dados de madeira leves, mas com um tamanho grande.
CONTRAS: A gramatura da caixa é baixa; A princípio, como o jogador vai descobrindo os componentes aos poucos, parece que fica tudo bagunçado na caixa, mas ao finalizar a campanha fica fácil de organizar (e o tamanho da caixa dá conta, mas quase não dá!); As peças que compõe o tabuleiro são de um tamanho bacana, acredito que se fossem menores seria ruim, contudo esteja pronto para esticar bastante o braço, pois elas ocupam um bom pedaço comprido de mesa; O jogo tem um playeraid, um componente que serve para lembrar o jogador das fases das rodadas, o que é muito útil no começo, maassss colocaram o cidadão na peça da nave-mãe, e ela está presa no tabuleiro, logo, prepare-se para ‘ir até a peça para ler’ ao invés do normal ‘a peça vir até você (pegar na mão) para ler’.

(Todos os componentes. Me esforcei para não dar nenhum spoiler!)
Ø Tempo de Preparação de Partida
Baixo. Aqui é importante lembrar que o ‘produto’ entrega uma campanha, contudo nada impede que o jogador jogue partidas isoladas antes, durante ou depois de finalizar a campanha, utilizando os componentes que quiser. Tendo isso em vista, se o jogador está seguindo a campanha a preparação demora um pouquinho mais, afinal precisa escolher a missão, personagens e cidade (que basicamente geram habilidades especiais) e anotar tudo isso no papel-guia, além da arrumação normal do tabuleiro. Pensando em uma partida isolada, se for feita no modo aleatório, basta sortear as peças e montar o tabuleiro, algo que é bem rápido (afinal ele é composto apenas por algumas peças cartonadas, além da nave-mãe) e os marcadores plásticos.
(Marcadores gerais em madeira e acrílico/plástico)
Ø Arte
PRÓS: Existem muitas peças com arte além dos elementos utilizados no jogo em si, como folhetos e fichas de missão que contam fragmentos do desenrolar da estória do jogo, todos com uma arte que lembra histórias em quadrinhos e, caramba, as artes são muito bem feitas! Não existe nenhum traço inovador, único ou muito característico, mas o trabalho está muito bonito e transmite bem o universo do jogo.
CONTRAS: Não tenho o que destacar de negativo na arte em relação às ilustrações, a única coisa que acho que poderia ter sido um pouco melhor explorada é a parte textual, que é um pouco curta e rasa demais mediante a narrativa que o jogo busca entregar.
(Exemplos dos componentes cartonados)
Ø Curva de Aprendizagem
Regras: Baixa. Dificuldade: Alta. Falando das regras, temos um jogo bem simples e direto ao ponto. O jogador rola os dados, aloca o dado e imediatamente anda a quantidade de casas com a nave daquela coluna e ativa o local que ela parou, caso exista ativação ali, depois repete isso com todos os dados até que acabem as colunas (que são só 5). Então, vem a fase de ‘desalocar/recolher’ os dados, momento em que o jogador ativa cada casa e fim, só ficar repetindo esse processo até vencer ou perder. O que vai gerar um pouco de dificuldade, a princípio, é o jogador lembrar das ativações e características de personagens, da cidade e da missão, já que elas alteram, mudam e subvertem as regras normais do jogo.
Abordando a curva de aprendizagem da dificuldade, meus caros colegas defensores da Terra, aí o negócio é de outro mundo! Não que seja impossível vencer, pois é bem possível – mas na dificuldade certa para o seu talento, conhecimento e sorte. Under Falling Skies funciona com um sistema de ‘estrelinhas pretas e amarelas’, no qual cada preta sobe a dificuldade e cada amarela anula uma preta (ou seja, diminui o que teria subido), de tal forma que dá para fazer uma partida ser bem tranquila ou muito apelona. O bacana de jogar no modo campanha é que existe uma leve progressão na dificuldade, dando um controle ao jogador, mas ao mesmo tempo acrescentando novidades que incrementam a partida. Fato é que o jogo é adaptável ao tipo de público e ao desafio que cada um prefere, o que acho sensacional para um jogo solo, afinal o jogo não tem como ‘melhorar ou aprender ao longo das partidas’ como um adversário humano é capaz, ao invés disso, ele faz um escalonamento de dificuldade bem orgânico, com novos desafios e mesmo valores numéricos a serem batidos diferentes (mas esteja preparado para apanhar bastante mais pro final da campanha!).

(Esses são todos cartonados presentes dentro da caixa. Coisa pra caramba!!!)
Ø Presença de Tema
Alta. Falar de Under Falling Skies (tradução livre: Sob Céus Caindo) sem falar do jogo eletrônico de 1978 Space Invaders é impossível. Não tem como não achar similaridades entre ambos, afinal eles tratam de naves alienígenas que se movem por um plano bidimensional, indo em sentido ao jogador e que, caso alcancem a parte de baixo, dão dano ao jogador. O interessante é que Under Falling Skies não se conteve na inspiração pela inspiração e tratou de criar todo um universo particularmente seu, onde temos personagens e características dos alienígenas próprias, que são passadas para o jogador através dos folhetos dos capítulos da campanha e das descrições de cada missão em específico.
A presença de tema é bem aplicada nas artes, mas também na mecânica, uma vez que o jogador ao utilizar um dado de valor alto, ou seja, bom para suas instalações, acaba fazendo com que as naves inimigas andem mais também, como se os alienígenas pressentissem que precisam acelerar o passo caso queiram vencer. Como a mecânica do jogo é bem fluída, existe um cuidado narrativo com os acontecimentos, tudo possui nome (sejam personagens, missões ou as cidades – essas sendo nomes reais), logo fica mais fácil de se ver absorvido pelo enredo e até mesmo torcendo e vibrando quando uma jogada é boa (acho muito legal conseguir abater várias naves inimigas em uma só rodada! Hehe).
Nota Curiosa: O jogo nasceu de um concurso de design de jogos print-and-play (imprima e jogue) em 2019, chamado “9-Card Nanogame P&P Design Contest), que inclusive possui sua versão original para ser baixada na internet. O jogo fez tanto sucesso que os designers resolveram lançar uma versão ‘oficial’, que é essa que a Devir para nós.

(Uma partidinha rolando. Base abaixo e o céu acima, além da etezada nos atacando!)
Ø Rejogabilidade
Alta. O jogo tem muito conteúdo para o que se propõe. Não vou detalhar as coisas, para não dar spoilers sem querer para quem for jogar a campanha, basta vocês saberem que ao final da campanha, quando tiverem contato com todos punchboards, terão acumulado muitas cidades, personagens, missões e mesmo peças de base e de céu diferentes. É fato que para ver tudo na ordem idealizada pelo designer na campanha é preciso jogá-la ao menos três vezes, o que são muitas partidas (um mínimo de 7 partidas e máximo de 18 partidas por campanha). Fora isso, é possível jogar uma partida isolada, com peças escolhidas ou aleatórias, deixando o fator Rejogabilidade lá no planeta dos invasores de tão alto!
Agora, falando um pouco mais sobre a campanha em si, eu tenho uma crítica: ao terminá-la, ficou claro para mim que ela foi desenvolvida como uma forma de apresentar ao jogador todas as possibilidades mecânicas dentro da obra, PORÉM (e eis minha crítica) eu não me senti realmente ficando melhor e mais forte como esperava, de tal forma que a progressão da campanha, apesar de ter um pano de fundo narrativo que se desenvolve (mesmo que seja pequeno), não senti que eu, como líder das defesas do planeta Terra, estava mais forte no final de tudo, ou seja, não senti que é um campanha com um crescente de habilidades para o jogador (não ‘subimos de level’), apenas uma forma de guia-lo pelos componentes com uma certa lógica mecânica e narrativa.

(Destaque da base, onde os jogadores alocam os dados e ativam efeitos)
Ø Interação
Isenta. Não existe interação, afinal, não existe ninguém na mesa além de você. CONTUDO, nossas jogadas interferem diretamente em como as naves alienígenas se movimentam, logo, apesar de uma interação humana isenta, existe um mecanismo bem simples, mas eficaz, que deixa o jogador engajado contra o próprio tabuleiro a partida toda.
(Destaque do céu, onde os invasores chegam sem querer papo)
Ø Fator Sorte
Relevância na partida: Média. É um jogo com dados e apesar do ótimo equilíbrio na relação do valor dos dados, uma rolagem ruim pode lascar o cidadão! O que é muito interessante é que ‘rolagem ruim’ pode ser tanto dados com valores altos ou com valores baixos. Isso acontece pois o valor do dado ao mesmo tempo que representa a ‘força da ação feita pelo jogador’ também é ‘a quantidade de casas que a nave vai se mover’. Essa sacada foi genial e é onde está o coração do jogo. Outro elemento que mitiga a sorte (OU NÃO, se der azar) são os dados brancos: ao alocar um dado branco o jogador é obrigado a rerrolar todos os outros, então a ordem da alocação dos dados escolhida pelo jogador é bem importante.
Ø Fator Estratégia
Relevância na partida: Média. Aqui vemos o contrapeso do fator Sorte. O jogador faz escolhas o tempo inteiro, por mais que elas precisem se basear no resultado dos dados, sejam bons ou ruins para a situação, mas ainda assim ocorrerá alguns momentos em que o jogador vai se estrupiar por não ter o que fazer. Outro ponto que requer que o jogador faça escolhas conscientes é na ativação dos personagens, pois são de uso único e com habilidades bem únicas (apesar de uns melhores que outros), logo ter aprendido a entender a dinâmica e velocidade da partida é um fato relevante para o sucesso. Saiba: vai rolar bastante arrependimento de ação feita em rodadas anteriores, por mais que dê para prever certinho onde cada nave ‘para o movimento’ na rodada vigente.
Ø Preço e Valor Percebido
Preço alto, mas valor também. Apesar de ter muito conteúdo, ser divertido e bonito, ainda assim o valor é bem salgado (na casa dos R$250 lacrado - R$180 em promoção [edit:
NadoRS]). Eu tive a sorte de pegar um muito barato, e de vez em quando surgem usados na mesma faixa de preço que peguei. Se for o caso e, principalmente, você se vê jogando sozinho, é uma excelente aquisição.
(Como armazeno tudo depois de ter acessado a companha toda. Admito que ao longo da campanha cheguei a duvidar
que a caixa acomodaria tudo de forma satisfatória, mas deu tudo certo no final.)
Ø BÔNUS: Algumas dúvidas corriqueiras:
- Só dá para jogar de 1 jogador mesmo? Não exatamente. É possível ter mais gente ao redor da mesa, discutindo as ações, contudo o jogo é exatamente o mesmo, então vai de cada um. Conheço gente que iria se dar muito bem com essa experiência, como se o tabuleiro no centro da mesa fosse um controlador central e as decisões todas sendo decididas em grupo, fazendo Under Falling Skies um jogo cooperativo.
- Terminei a campanha, e agora? Agora que você pode jogar de novo, visitando cidades que não foi, utilizando personagens que não usou e passando pro missões que não fez... ou ainda, pode só jogar tudo numa bacia grande, jogar pra cima e pegar aleatório como faziam programas de auditório dos anos 90 com cartinhas de telespectadores em sorteios. O bacana do jogo é que a campanha serve para mostrar o que existe, mas ter partidas isoladas são tão divertidas quanto.
- Se enjoar dá pra vender usado sem prejuízo? Dá, mais ou menos, mas mais para ‘mais’. O que acontece é que jogando a campanha, nenhum componente se perde, estraga ou rasga, contudo, os episódios vêm isolados uns dos outros, com uma fita de papel separando o ‘panfleto de regras’ e os cartonados de cada um dos episódios, logo, vender usado vai fazer com que o próximo dono precise acessar esse conteúdo sem o elemento surpresa OU então, o vendedor precise dar um jeito (como usar ziplocks opacos) separando novamente o que vinha de fábrica. Em linhas gerais, perde-se um pouquinho daquele sentimento de “Que gostoso abrir o jogo” mais do que o normal, mas ainda assim não se torna um impeditivo na venda (como acontece com jogos ‘legacy’).

RESUMO RAPIDÃO
O que gostei:
- Arte muito bonita no estilo de uma história em quadrinhos;
- Componentes excelentes;
- A relação com os dados é inteligente, uma vez que os valores ajudam e atrapalham o jogador ao mesmo tempo;
- Tem bastante conteúdo como cidades e personagens com habilidades diferentes entre si.
O que não gostei:
- Faltou um maior sentimento de progressão no modo campanha;
- O jogador consegue regular a dificuldade, contudo pode ser tão difícil que se torna impossível.
Considerações finais:
Cada dia que se passa sinto que estou me tornando mais um ‘jogador solo’, seja pela agenda apertada dos amigos ou mesmo pela praticidade de, quando der na telha, montar um jogo rapidinho. Dentre os que tenho experimentado nos últimos meses, Under Falling Skies se demonstrou um dos melhores, talvez pelo fato de ter sido feito exclusivamente para essa contagem de jogadores, logo não existe nem resquício de um sentimento do tipo “hummm, aqui um adversário poderia fazer isso”. Seu nível de desafio, tempo de preparação e duração da partida (30min em média e se vencer!) se encaixam bem em praticamente qualquer rotina, logo vejo esse jogo me acompanhando na vida por um bom tempo.
Um texto de
Raphael Gurian
A ideia deste formato de análise não é explicar um jogo, para isso existem muitos outros textos, vídeos e etc. A finalidade do texto é fazer uma análise crítica acerca de critérios que acho importante e que muitas vezes acabam não sendo explorados em análises de uma forma mais detalhada. Os jogos analisados não seguem qualquer critério comercial, incentivo ou pagamento, sendo escolhidos com base em fontes de vozes da minha cabeça, aliado ao fato de ter já jogado o jogo em questão muitas vezes, a ponto de me sentir confortável em opinar sobre o mesmo.
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