Eu gostei do episódio! Como eu curto muito esse debate, achei bem divertido!
Só queria aproveitar a deixa para trazer algumas reflexões que fiz.
Em primeiro lugar, todo jogo é datado pois todo jogo é elaborado a partir de um determinado ponto de vista, seja de um dado autor ou de uma empresa que representa um recorte social do tempo em que vive ou existe, e produzido através de técnicas que são condicionadas por limitações de recursos e conhecimentos, de um determinado local no tempo e espaço. Portanto todo jogo tem data de fabricação e tem validade.
Longe de mim querer finalizar a discussão, mas nesse caso, se você pensar bem, vai ver que conforme a dinâmica social muda, a comunidade muda e a sua percepção sobre os jogos muda também. O que torna essa discussão meio... inócua ou irrelevante talvez?!
O que quero dizer é que o que acho mais legal nisso tudo é perceber como nós, enquanto jogadores e cidadãos, mudamos com o tempo e de que maneira isso se reflete em nosso uso e gosto por determinados jogos! Entender de que maneira se dá essa relação de construção de gosto por jogos e outros produtos culturais é o que mais me interessa!
Em um certo sentido nós, os jogadores, temos agência de escolha sobre o quê e quando jogar. Em outro sentido, não. Além disso, pensar que a construção do significado de uma obra é unidimensional é de uma grande ingenuidade. Pensar em termos de constante evolução dos jogos talvez não seja a maneira mais adequada de refletir e lidar com esse problema. Ela é insatisfatória pois pressupõe a eliminação de um produto em detrimento de outro "mais evoluído" e exclui a possibilidade de escolha do usuário por um produto "menos desenvolvido" ou "defasado", dentro da lógica do mercado. O que simplesmente não acontece necessariamente. A adequação de um título a um público, como se costuma pensar no marketing, é outro conceito que considero inócuo, que explica o mecanismo de reprodutibilidade da indústria e que implica por consequência na inadequação de alguns títulos, mas que simplesmente não diz nada com nada além do óbvio. Não leva a discussão adiante. Com isso pode-se dizer que fulano ou sicrano não gostam de determinado jogo, mas jamais poderá explicar o porque de determinado jogo, que é um sucesso comercial e de crítica, estar fora de catálogo por exemplo. É insuficiente para justificar o relançamento de um determinado título só porque agora ele tem um tema mais agradável a um determinado grupo pois ignora as escolhas que são pré-estabelecidas pela indústria e desconsidera as condições materiais para tal.
O que me leva a crer que falar da superação de um jogo talvez faça muito mais sentido. Isso porque nenhum jogo é eterno e muito menos insubstituível, embora seja preciso reconhecer que todo jogo em um recorte específico de tempo e espaço cumpre com o que promete... para alguém pelo menos! Para comprovar isso basta ver que mesmo considerando War ou Banco Imobiliário jogos datados, há muitas pessoas que ainda compram esses títulos e que ainda conseguem (surpreendentemente) se divertir com eles! Mesmo que momentaneamente... A superação é a capacidade de ultrapassar limitações, dificuldades e certas condições, para entregar um resultado com desempenho satisfatório ou até mesmo melhor em algo.
Chegando a uma conclusão apressada, o que acho que existe é o aprendizado e a noção de transformação dos atores da comunidade. Seja pelas experiências que teve com os jogos ou seja por algum outro motivo externo e alheio a isso, como uma mudança de residência. E eu quero frisar novamente que quem muda é o jogador e não o jogo. As coisas são o que são (estáticas em um sentido restrito) e o seu significado, esse sim, é dinâmico, construído a partir da relação estabelecida entre o objeto e o usuário.
Eu queria falar tudo isso porque acho incomodo o discurso de humanização das coisas, nesse caso os jogos, e por tabela a coisificação das pessoas, retirando delas o papel de protagonismo da cena cultural.
Jogos são apenas jogos. São produtos incríveis, é verdade, frutos de muito trabalho e dedicação. Podem ser ferramentas de desenvolvimento pessoal e social. Podem ser tanto ferramentas de aprendizado como plataformas tecnológicas, mas no fim das contas é preciso saber colocá-los em seu devido lugar, de objetos. O culto aos objetos e o fetichismo me incomodam... muito.
E só pra deixar essa publicação (um pouquinho) mais polêmica vou listar alguns jogos que considero "datados" ou "superados", mecanicamente ou tematicanente, e o porquê. Lembrando que mesmo estando superados, isso não quer dizer que eu não continue gostando deles ou que não consiga me divertir com as suas propostas.
#7 Wonders. Acho mecanicamente mais complicado que o necessário. O jogo está longe de ser ruim, mas ele não se enquadra bem como jogo para a família e a galera mais experiente vai encontrar alternativas melhores. Sem contar que só funciona para 3 ou mais jogadores, algo que para mim é um empecilho. O que faz com que eu sempre prefira jogar outras coisas ao invés dele. Superado pelo Hadara (rs) que roda muito bem em 2, pelo Sushi Go, que já viu mesa incontáveis vezes mais, mesmo sendo um jogo bem bobinho, ou mesmo pela versão Arquitetos, que é muuuuuito mais acessível e divertida!
#Catan. Outro titulo que tive, joguei até esgotar e depois vendi! Para mim não dá mais... quando os jogadores não negociam e tentam monopolizar os recursos a todo custo, a experiência se torna insuportavelmente chata! Eu só cogito jogá-lo com as regras de campeonato, que deixam as coisas mais abertas e as partidas bem mais rápidas. Para mim foi superado pelo Bohnanza, um jogo que entrega muito mais com muito menos, mesmo tendo as suas próprias limitações...
#Ticket to Ride. Esse aqui é outro que joguei muito, mas que acabei enjoando com o tempo por ser bastante simples. Eu não tenho mais vontade alguma de jogar TtR. Não me empolga nem um pouco. Sinto que ele se esgotou para mim, já vi tudo que tinha pra ver nele. Para mim foi totalmente superado pelo Blue Lagoon, um jogo que é muito mais rápido, mais fácil de se aprender, bem mais disputado e muito mais estratégico!
#Five Tribes. Tematicamente o jogo me incomoda bastante. Mas para evitar discussões sobre orientalismo e representatividade vou apenas dizer que a programação visual do jogo é ruim e que não acho a salada de pontos particularmente divertida pois sempre me pareceu muito básica e muito lógica... pouco lúdica. Superado pelo Àiyê, um jogo que inova ao unir o sistema de mancala com a construção de máquina de pontos. Só que é bem mais curto, ponto mais que positivo para mim. Também tem uma boa dose de fritação e é muito mais dinâmico.
#Carcassonne. Jogo que eu adorava e que para ser bem justo eu ainda gosto bastante. Mas não jogo mais simplesmente porque prefiro Cacao. Cacao tem um sistema de pontuação mais simples, é mais fácil de ser compreendido e ensinado. Agrega a mecânica de pegar e entregar, que eu adoro. Tem mais pontos de interação entre os jogadores e proporciona jogadas tipo "escada" para outras mais fortes a partir de ações do seu adversário. Não tem o "problema" da sorte na compra de ladrilhos. Sem contar que o quebra-cabeças proposto é bem mais divertido, na minha opinião. Ou seja, foi totalmente superado.
#Dixit. Esse é um título do qual nunca gostei muito, mas compreendo a proposta e entendo o motivo do seu sucesso. A questão é que ele é mecanicamente muito similar ao Jogo da Enciclopédia, que eu acho infinitamente mais divertido! O esquema de uso de imagens força as dicas sempre para dois extremos, o da total abstração ou o da zona de conforto. O que acho chato em ambos os casos pois ele não é nem competitivo e nem engraçado. Já no Jogo da Enciclopédia há um elemento de blefe e de convencimento que não existe no Dixit. Tive os 2 há muito tempo atrás. Comprei Dixit para jogar com a família, mas acabei vendendo e hoje só tenho saudades de um deles. Adivinha qual é.