
Imagem BGG: Marvel Zombicide, o novo Zombicide do mês
A RODA DAS REENCARNAÇÕES E A VALORIZAÇÃO DO QUE JÁ SE TEM
Caros Boardgamers
Com o lançamento do Marvel Zombies, o Cacá (Dr.Greyrock) escreveu um ótimo texto, que eu recomendo, muito positivo a respeito do jogo, embora ele mesmo reconhecer que o jogo veio bem caro. Apesar de todo o meu respeito pelo Cacá, e por todo o seu pioneirismo e importância para o nosso hobby, eu humildemente tenho um entendimento diverso. Por isso, resolvi escrever esse texto como um contraponto, para que a comunidade boargamer possa ter uma opinião divergente, o que só enriquece o debate.
Sempre que sai um novo lançamento de um jogo caro, e nesse caso bota caro nisso, ocorre a mesma coisa. Imediatamente a comunidade boardgamer se manifesta, com alguns dizendo que é um absurdo, outros defendendo que está correto, porque lá fora também está caro, aí os primeiros acusam os segundos de “passapanismo”, e os segundos rebatem dizendo que o dinheiro é deles e ninguém tem nada com isso, ou quem não quiser não compre, e por aí vai. Em algum tempo a discussão esfria, mais aí surge outro lançamento nababesco e tudo se repete, em um ciclo cármico infindável, para hindu nenhum botar defeito.
A bola da vez é a versão Marvel do Zombicide. Nada fora do esperado, porque para quem já lançou até Zombicide do Monty Python, juntar uma franquia de sucesso nos board games, com outra franquia de sucesso, era “cantar a bola 5 na caçapa do meio”.
Há 10 anos o Zombicide é uma verdadeira galinha dos ovos de ouro para a CMON. O jogo foi lançado no auge da popularidade do seriado Walking Dead, e em meio a uma fase dos jogos de zumbi que tomou de assalto o hobby. Até aí tudo bem, nada mais natural do que uma editora de jogos lançar um jogo com uma temática que está em alta. Só que a mágica da CMON não foi essa. O verdadeiro truque, e concordando ou não, nós temos de bater palmas para a empresa, foi criar a grande ilusão de necessidade em torno desse jogo. Vejam só que tanto o seriado quando a fase temática dos board games, citados anteriormente, já deixaram de fazer tanto sucesso anos atrás, no entanto o Zombicide continua fazendo sucesso até hoje.

Imagem BGG: Zombicide Flying Circus (falando em expansão desnecessária...)
Vamos deixar o colecionismo de lado, porque, para mim, colecionismo é na verdade uma tara socialmente aceita. Conheci um sujeito que pagou uma pequena fortuna em um maço fechado de cigarros russos dos anos 50, e outro em uma tampinha de refrigerante de algum país do oriente médio, para vocês verem que tem maluco para tudo. Mas com toda sinceridade, não vejo nenhum sentido em comprar mais uma versão do Zombicide, a menos que a pessoa seja uma colecionadora dessa franquia de board games,. E aí é que fica a questão:
QUANTAS VERSÕES DIFERENTES DO ZOMBICIDE SÃO NECESSÁRIAS PARA SATISFAZER UM BOARDGAMER MÉDIO, QUE NÃO SEJA COLECIONADOR?
É bom esclarecer que eu não estou fazendo nenhuma campanha contra, não quero botar água no chope de ninguém e nem detesto o jogo. Muito pelo contrário, gosto bastante do Zombicide. Mas não consigo entender essa necessidade, às raias do patológico, de comprar o mesmo jogo repetidamente, apenas porque as miniaturas são diferentes. É preciso destacar que mesmo a possibilidade de jogar com os zumbis, que é a principal inovação do Marvel Zombies, não é tão inovadora assim. Basta lembrar os zumbivors, uma ideia que já existia, salvo engano desde Zombicide 3ª Temporada Rue Morgue.

Imagem Ludopedia: Zombicide Black Plague, provavelmente o melhor de todos
Eu já tenho alguns anos de hobby. Não vou dizer quantos anos porque sinceramente eu acho que isso não significa nada, a não ser para quem costuma dar “carteirada de veterano” por falta de argumento ou quem é inseguro e imaturo o suficiente para precisar comparar o tamanho da masculinidade com os outros e, definitivamente eu não sou chegado nem a uma coisa e muito menos a outra. O fato é que eu já estava nessa brincadeira de jogos de tabuleiro modernos, quando o primeiro Zombicide foi lançado. Adorei o jogo e tratei logo de comprar a minha cópia.
Alguns anos depois pintou por aqui o Black Plague, e como eu gosto da temática medieval como todo bom adolescente dos anos 70/80 que jogou muito RPG, um Zombicide ambientado na Idade Média me pareceu uma verdadeira “goibada com queijo”, em formato de board game. Só que logo depois surgiu o Green Horde, e eu já comecei a pensar se não seria demais, afinal era o mesmo jogo, com a mesma temática, só que com um adereço aqui, outro acolá, um pouco diferentes. Então eu deixei passar.
Por fim, surgiu o Zombicide Invader, e eu pensei com meus botões:” Bom, eu já tenho um Zombicide no presente, um no passado e agora comprei um no futuro, e já está bom”. Depois disso, nunca mais comprei nenhum Zombicide, mesmo gostando do jogo, porque aquilo que eu já tinha era o suficiente para umas “três encarnações”, todas elas gostando e jogando Zombicide.

Imagem Ludopedia: Zombicide Invader, o Zombicide sem zumbis (como assim!?!?)
Desde a época do Invader até agora, já saiu uma miríade de material do Zombicide (Dark Side, Black Ops, Versão Filme Cult do Romero, a 2ª Edição, Thundercats, Ghostbusters, Tartarugas Nija, Versão Bollywood, Versão Faroeste, entre outros), e agora temos o Zombicide Marvel. A pessoa que esteja interessada nesse jogo, e que também esteja reclamando do preço, certamente é alguém que gosta da franquia. Se não fosse assim, ela certamente não estaria interessada, nem se importaria com o alto preço. Por conta disso, é de se supor que ela já tenha alguma versão anterior do Zombicide, ou até mais de uma. Nesse caso, eu acho muito válido o questionamento se essas versões já não são o suficiente. Evidentemente, o fato de uma pessoa não pretender jantar, não a impede de reclamar dos preços no cardápio. Entretanto, nessa situação eu acho que a reclamação perde um pouco a razão de ser.
Eu acho difícil de acreditar que uma pessoa capaz de pagar R$ 400,00 em um Zombicide, já não faça parte do hobby. É muito pouco provável que uma pessoa, cujo referencial de jogos de tabuleiro sejam os clássicos GROW e Estrela, encontrados por menos de R$ 100,00, entre de cabeça nos board games já pagando tão caro. Nesse caso, muito provavelmente essa pessoa já tem outros board games, ou seja, ela não tem apenas suas duas ou três versões do Zombicide para jogar. Isso reduz drasticamente a possibilidade da pessoa já ter jogado tanto a ponto de enjoar daquilo que ela já possui. Por isso eu renovo a pergunta: para quê mais um Zombicide?
E aí entra aquela questão do “o dinheiro é meu, e eu faço com ele o que eu quiser”. Nada mais justo do que isso. Porém, se o raciocínio for esse, então fica sem nenhum embasamento esbravejar contra o preço, porque vale a mesma coisa para as editoras, ou seja, “o jogo é delas e elas cobram o que quiserem, compra quem quer”.
Antes de levar alguma pedrada, eu quero deixar claro que não estou passando pano de forma alguma, porque eu não sou dado a esse tipo de perversão. Qualquer um que já tenha lido algum outro texto meu, está aí para não me deixar mentir. Eu só acho que a questão fundamental não é se o jogo está caro ou não, mas sim se ele é necessário ou não. Eu não vou ser leviano a ponto de dizer que não acharia legal jogar o Zombicide com miniaturas do Homem-Aranha e do Capitão América, porque certamente isso deve ser legal. Só não acho que seja legal a ponto de justificar pagar mil reais por isso.

Imagem Ludopedia: Zombicide White Death – mais do mesmo?!?!
Há ainda outro questionamento, que eu acho que as pessoas devem se fazer. Quando a alguém acha que a grama do vizinho é sempre mais verde, ela acaba deixando de ver o quão verde é o seu próprio gramado. Traduzindo para o hobby, se você já tem alguns jogos, e mesmo assim fica atulhando a coleção com novas versões do mesmo jogo, isso fatalmente vai te impedir de curtir os jogos que você já tem.
A menos que você tenha nascido em berço de ouro, ou seja um feliz aposentado, com uma aposentadoria bem gorda, coisa cada vez mais rara nesse país, e com uma meia dúzia de amigos igualmente afortunados, o seu tempo para jogatinas será bastante limitado. E cada novo jogo que você compra, implica em menos tempo para usufruir dos jogos que já possui. Quando você compra uma mesma versão do mesmo jogo, por mais “diferentona” que ela possa ser, a situação é ainda mais grave, porque você está simplesmente acumulando mais do mesmo. E eu sinceramente não consigo entender, em condições normais, como alguém poderia achar que isso seja algo positivo, quando na verdade eu enxergo aí um problema. Não faz muito sentido uma pessoa ficar comprando um lançamento atrás do outro, quando ela já possui diversos board games ainda lacrados na estante, e segundo alguns relatos muita gente passa por isso no hobby. Talvez seja mais sensato, começar a olhar com mais carinho para a sua coleção. Não é à toa que cada vez mais as pessoas advogam uma diminuição do tamanho das coleções, mantendo apenas os jogos realmente relevantes, para que se possa efetivamente jogar os jogos que mais se gosta. Isso é substituir a quantidade pela qualidade, uma estratégia que indiscutivelmente é muito válida. A valorização daquilo que já temos é exatamente isso.
Para terminar, no fundo no fundo, se para você é realmente fundamental (realmente mesmo!!!) a experiência de jogar outra versão do Zombicide com miniaturas de super-heróis, então talvez o jogo valha a pena. Só que nesse caso não tem outro jeito, você vai ter de desembolsar uma grana. Como eu já disse algures, isso na verdade é um capricho, e alguns caprichos saem muito caro. No entanto, é sempre bom reforçar que cada um tem o direito de fazer o que quiser com o seu dinheiro, inclusive comprar quantas versões do Zombicide a pessoa quiser, e isso não se discute.
Por outro lado, lado se você já tem outras versões do jogo, ou mesmo se você não tem nenhuma e esse seria o seu primeiro Zombicide, considerando o alto valor cobrado, me parece muito mais sensato e viável, jogar as versões que você já possui, ou ao menos comprar outras versões mais antigas, que proporcionarão uma diversão muito próxima do Marvel Zombies, por apenas uma fração do preço desse jogo. Mas é aquela história cada um tem “o seu cada um”, e vive de acordo com isso.
Um forte abraço e boas jogatinas!
Iuri Buscácio
P.S. Aguardando as versões Zombicide Disney, Zombicide Star Wars e Zombicide Harry Potter, para acabar de vez de chutar o balde!
P.P.S. Ficou faltando uma reflexão no texto que só agora me ocorreu, e que diz muito a respeito, da baixa diferença de uma versão do Zombicide para a outra. O jogo foi lançado em 2012, e de lá para cá, passados 11 anos saíram as seguintes versões Zombicide, Prison Outrbreak, Rue Morgue, Black Plague, Green Horde, Invader, 2ª Edição, Night of the Living Dead, Undead or Alive, Marvel Zombies e White Dead. Para 2024 já está previsto o lançamento do ZOmbicide Army of Dead. E isso não são expansões, mas sim versões diferentes do jogo. Em outras palavras, desde a criação do jogo nós tivemos, no barato, uma versão do Zombicide por ano. Isso é demais para a criatividade de qualquer designer de jogos, mesmo os geniais, o que explica bastante essa falta de diferença entre as versões. Simplesmente não é humanamente possível acompanhar o ritmo de lançamentos imposto pela CMON, apresentando inovações realmente genuínas entre uma versão e outra.