O referido jogo deste tópico está disponível no Tabletopia (em inglês). É uma versão de experimentação (até o momento), pois não tem as cartas e o livro da campanha. Ou seja, é possível ter toda a experiência de uma partida, mas não as emoções em plenitude como o jogo foi criado para ser.
Nas próximas linhas, você poderá ler:
. O conceito do jogo.
. Como é fácil jogar.
. As coisas boas e ruins.
. Conclusões e perspectivas futuras.
LEGACY OF YU
Um jogo solo de Shem Phillips
Legacy of Yu é para se jogar
exclusivamente em modo solitário — sozinho, só, 1 jogador — na forma de uma
“Campanha não linear e completamente restaurável”. Ou seja, quem veio ler essa resenha esperando um jogo do tipo
legacy,
deu com os burros n’água — ou respirou aliviado.
É prometido que a Campanha tenha um
auto equilíbrio conforme o desempenho do jogador. Tudo isso é possível por conta das cartas de Vitória, de Derrota e de História, além do Livro de História, que adicionam ou retiram elementos do jogo.
Como dito antes, a Campanha
não está disponível para testar. Mas o jogo, em si, está todo lá para uma ou mais partidas no melhor estilo
sandbox. É sobre isso que se trata este texto.
Temática chamativa e comprometida.
Em
Legacy of Yu,
o jogador é Yu, que herdou do seu falecido pai a incumbência de
resolver um problema antigo: as tragédias naturais causadas pelo Rio Amarelo. Aprendendo com os erros do seu progenitor,
Yu construiu uma série de canais para direcionar a água para terras distantes e para vias navegáveis.
Durante a partida, o jogador usa cartas de
População para obter
Recursos e
Trabalhadores (de diferentes tipos), os quais são utilizados para
recrutar mais pessoal,
enfrentar Bárbaros, e
construir edifícios e os canais.
Para
vencer, o jogador deve construir os 6 canais e resistir às adversidades até o final desta derradeira rodada. A
derrota vem se a enchente ocorrer em uma área do Rio sem um canal, ou se os Bárbaros dominarem a região, ou se a comunidade do lugarejo for dizimada.
Um solitário mais simples de jogar do que Paciência.
São
várias rodadas até que ocorra a vitória ou a derrota. Em cada rodada, o jogador deve (nesta ordem):
1. Fazer a
Colheita: para obter Recursos e Trabalhadores.
2. Fazer as
Ações: usar População, Recursos e Trabalhadores para eliminar Bárbaros e efetuar Comércio e Construções.
3. Retornar a Barca para o Rio: que sai do tabuleiro quando se constrói um canal.
4. Ser atacado pelos Bárbaros.
5. Fazer uma
manutenção simples de jogo.
Principais ícones (da esquerda à direita): Colheita, Trabalhadores e Recursos, ataque Bárbaro e manutenção de jogo (abrir cartas).
A
Colheita é algo básico no início, mas pode ser aprimorada ao longo da partida.
As
Ações podem ser feitas em qualquer ordem, qualquer quantidade e são opcionais, exceto o uso das
cartas de População, que é obrigatório jogar todas elas.
Só é permitido
construir 1 canal por rodada. A Barca é o marcador disso.
As cartas de Bárbaros
atuam contra o jogador, que deve perder Recursos específicos ou cartas de População.
A
manutenção nada mais é que
recuperar os Trabalhadores usados nas Cabanas (locais que permitem conseguir recursos gerais) e
disponibilizar novas cartas de População para compra e de novos Bárbaros.
O Rio Amarelo no tabuleiro de jogo, onde os 6 canais precisam ser construídos (vitória). O marcador de enchente (azul) não pode atingir a Barca vermelha (derrota).
As
cartas de População funcionam com a mecânica de
construção de baralhos, ou seja, têm uma quantidade limitada inicialmente, podem ser compradas mais, e serem exauridas ou descartadas para executar suas ações. Sempre que re-embaralhar as cartas exauridas, o
marcador de enchente se move pelo Rio.
Desse modo...
Se o marcador de
enchente chegar num canal não construído,
perdeu playboy!
Se tiver
7 cartas de Bárbaros abertas,
perdeu playboy!
Se precisar
descartar População e não tiver,
perdeu playboy!
Se
construir os 6 canais e conseguir encerrar a rodada ileso,
vitória!
Situação periclitante de fim de jogo: os 6 canais estão construídos, tem cartas de População sobrando (abaixo, à esquerda), a “enchente” está no centro do Rio, mas há 7 Bárbaros na linha superior.
Esse é o jogo! Simples, direto e bem pouco restrito.
Jogo sincerão!
Se tem
manual de regras (quase) perfeito, é esse! Começando pela
franqueza (e preocupação) em dizer que é um
jogo de Campanha e que ele é
difícil de conseguir vitórias de início. Diz aí quais manuais
jogam isso na cara do leitor
logo na 1ª página,
batem no peito, chamam a responsabilidade pra si e cumprem depois? Mesmo em partidas
sandbox como as minhas, o
danado é complicado de vencer. Não sei qual a matemática dele — e isso nem é da minha alçada (ou seria ossada...
hehehe) — mas ficou
tudo bem ajustado, isto é, temos um jogo
apertado!
Consequentemente,
Legacy of Yu tem uma
curva de aprendizagem. O jogador precisa testar as estratégias conforme vai conhecendo as cartas do jogo. Somente elas é que são
responsáveis pela variabilidade entre jogatinas. As
cartas de População, que municiam o jogador com Recursos, ditam o ritmo de jogo, o que se pode fazer ou não. As
cartas de Bárbaros são uma ameaça crescente, pois sua quantidade vai aumentando conforme a partida evolui.
População disponível para recrutamento (6 à esquerda) e Bárbaro disponível para atacar ou ser atacado (à direita).
Algo interessante é a
velocidade do jogo, altamente
controlável pelo próprio jogador. Veja bem: a derrota ocorre com a inundação do Rio, ou com a quantidade de Bárbaros, ou com a falta de cartas de População. A
primeira só acontece com o embaralhamento do descarte, isto é, quanto maior o monte, mais lenta a enchente. A
segunda é proporcional à construção dos canais, portanto, só avance nisso se tiver
bala na agulha. A
última é simples, pois basta ter muitas cartas para jogar, e controlar a quantidade de canais e Bárbaros, que as consomem.
Tem tema, não teima.
Um esforço visível do
Shem Phillips (das trilogias Reino Ocidental e Mar do Norte) é com relação ao tema. Na real,
Legacy of Yu é apenas
um tira e põe de recursos no estoque com manipulação de
meia dúzia de cartas. Contudo, os componentes e tarefas fazem jus ao
contexto histórico do jogo*, e o próprio manual fundamenta os pontos mais, digamos, obscuros.
*Nota: não sou nenhum Jogada Histórica, mas com o pouco que sei, está bem ajeitado.
Tem
Trabalhadores de diversos tipos, mas apenas 1 deles é responsável pelas construções. Os outros 4 são
Guerreiros com diferentes habilidades para combater Bárbaros de diferentes habilidades. Yu chegou agora na região e não tem tempo a perder ensinando de tudo um pouco para cada pessoa local.
Enchentes e inimigos estão rondando o tempo todo.
O verdadeiro trabalhador (branco) e os diferentes Guerreiros que combatem Bárbaros.
Para as
construções, são necessários os recursos mais simples possíveis para a época e local: gente, madeira e argila. O
desenvolvimento da região também é
mínimo, pois não é o objetivo principal de Yu:
Fazendinha para recursos simples,
Posto Avançado para defesa e
Cabanas para garantir recursos toda rodada. Ao concluir cada canal do Rio, a População é reduzida porque é uma obra muito arriscada e, bem,
acidentes acontecem.
Os demais recursos do jogo são as
Provisões e os
Búzios — você já estava se perguntando onde essas conchinhas (ou cidade do RJ) estariam nessa história toda, né? Os
Búzios funcionam como
moeda de troca; eles substituem o tradicional ouro dos jogos
Euro. A
Provisão é o que alimenta a
População (que é o ato de comprar cartas para aumentar seu baralho de jogo) e os
Guerreiros que saem para combater os Bárbaros.
No rio (acima), gastar trabalhadores (brancos) e búzios para construir o próximo Canal (embaixo da barca vermelha). Só assim para abrir a possibilidade de comércio (trocas) e construir os edifícios: Fazenda (marrom), Posto Avançado (roxo) e Cabana (verde); eles são movidos para os canais construídos e rendem bônus.
Sobre
os inimigos, eles não são
nada simples de derrotar. Eles consomem muitas Provisões e muitos Guerreiros, que
nunca são recuperados. Porém, os
Bárbaros não ficam esperando serem atacados; eles
também invadem e o jogador pode decidir
suborná-los com Recursos ou com Trabalhadores — que vão lá negociar com a bandidagem e, quem sabe, um dia voltam, não é mesmo? Se não for possível subornar, então, os
Bárbaros matam a População. Violência sem medidas.
Bárbaros à espreita! Pode-se atacá-los como uma ação (gastando provisões e guerreiros, mas recebendo espólios). Se não forem derrotados, eles fazem uma invasão maciça (todos juntos) no final da rodada.
Por fim, as
cartas de População representam as pessoas da região que serão “recrutadas” por Yu para construir os canais e elas
ajudam de todas as formas: com Provisões, Búzios, Recursos, Trabalhadores e Guerreiros. O quanto elas colaboram, depende do
chicote do jogador: se
for de boa, a População
continua ajudando nos anos seguintes (descarte e re-embaralhamento); se
forçar a barra, ela rende mais Recursos, porém
vai embora (sai de jogo).
Saldo final e o que pode vir por aí.
Eu joguei
Legacy of Yu como se estivesse jogando um Paciência — pela
simplicidade — mas com
uma boa dose de atenção. De início, é possível esquecer de algumas coisas que podem ser feitas, afinal, são
7 opções de ação e o tabuleiro tem uma disposição
não muito intuitiva com relação às construções (Fazenda, Postos, Cabanas).
O tempo de jogo varia. Nas partidas em que eu construí os 6 canais, o
AP (
Analysis Paralysis)
foi alto e levei bem mais de 1 hora. Ou seja, a menos que você já seja experiente,
camarão que dorme, a onda (ou enchente) leva.
Esse nível de dificuldade imposto pelo jogo é que
o fará render nas mesas solitárias. Ele já tem uma
jogabilidade simples, então, se fosse fácil, entediaria rápido.
Itens que permitem a Campanha; indisponíveis no Tabletopia infelizmente.
E tem a
Campanha. Essa, sim, promete dar todo
o tempero para uma partida, pois
adicionam-se cartas exclusivas e um Livro de História. As cartas de População, por exemplo, possuem
itens extras diferentes dos que citei acima, que eu não pude usar porque são específicas da Campanha. Portanto, existe
muita expectativa com relação a ela.
Eu joguei um bom tanto e o que mais gostei foi o fato dele ser um jogo apertado e ter uma curva de aprendizagem. Talvez você goste — ou odeie — por outros motivos. Mas,
não deixe de testar: o manual é excelente e o jogo é objetivo no que propõe.
Até uma próxima.
Fonte das Imagens: Manual do Jogo, Ludopedia, Tabletopia e Kickstarter.
PS: Legacy of Yu teve uma campanha bem-sucedida no Kickstater. Nela, a editora Mosaico — famosa por anunciar jogo e demorar a (ou nunca) trazer — esteve presente e responsável pelas edições em PT-PT e PT-BR. Segundo a última atualização do site, as cópias em inglês já estão navegando o oceano. Nas demais línguas, ainda deve demorar uns 3 meses para ficarem prontas.