POR UM MERCADO NACIONAL DE BOARD GAMES MAIS TRANSPARENTE...
O mercado nacional de board games é um mercado muito pequeno, composto de um número reduzido de pessoas, e com empresas muito modestas. Com isso, apesar da margem de lucro das empresas ser alta, como elas vendem poucos produtos, o dinheiro gerado com a vendas de jogos normalmente é baixo. Apenas algumas centenas, e quando muito um milhar de unidades são vendidas, e isso é bem pouco quando se considera as despesas que um empresa mesmo pequena tem. Excluindo o caso da Galápagos que possui uma fatia muito grande do mercado, e da Devir que é uma empresa com mais de 30 anos de existência, muito antes até mesmo do início da Era dos Jogos Modernos, todas as demais editoras, aparentemente, não oferecem condições para que seus sócios e diretores vivam exclusivamente de board games. E isso também se aplica aos canais de board games. Praticamente todas essas pessoas têm outras atividades profissionais, que são a sua principal fonte de renda e de sustento.
Portanto, a verdade nua e crua é que, em termos gerais, ainda não se pode viver de boardgame no Brasil e, sinceramente, dado os caminhos que o hobby vem trilhando, nem sei se isso será possível um dia. Um mercado cada vez mais comprometido com a produção de poucas unidades de seus produtos, e com preços cada vez maiores, certamente não é um mercado comprometido com a expansão e o aumento da quantidade de consumidores, que levam a uma demanda crescente por produção maior, e maiores lucros, pelo maior volume de vendas.
Com isso, a menos que aconteça algo de totalmente inesperado, a tendência é que o mercado brasileiro de board games continue sendo bem pequeno, e durante muito tempo. Evidentemente que é necessário comemorar o fato de já existir um mercado, e que isso ocorreu em pouco tempo, afinal, 15 anos atrás, não havia nenhuma empresa, nenhum canal de board game, praticamente nenhum evento, todos os jogos eram importados, e jogados por uma quantidade ínfima de pessoas. Nessa época board game era coisa de meia dúzia de excêntricos mesmo. Hoje já existe alguma coisa, que pode ser muito comparado ao que tínhamos 10 anos atrás, mas ainda é muito pouco, quase nada, se comparado a outros países com mais tradição nos board games, e menos ainda se pensarmos no tamanho do nosso país e no tamanho da nossa população.
Assim sendo, viver de board game ainda é apenas um sonho, que muita gente acalenta, mas ainda apenas um sonho, e que está cada vez mais distante, considerando a tendência atual do mercado. Com isso, uma parte grande da produção nacional de board games ainda é muito calcada no amadorismo. São pessoas muito apaixonadas por jogos, que às vezes desempenham duas ou três funções dentro de uma empresa, porque não há orçamento, nem viabilidade econômica, para contratar mais profissionais dedicados a funções mais específicas. Isso faz com que muitas vezes, os jogos tenham falhas terríveis de tradução e de produção. Muito provavelmente, isso ainda é feito nas editoras na base do “me dá uma força com essa tradução”, ou “quebra meu galho e vê se está tudo certinho com esses arquivos aí”.
Claro que isso não é desculpa para os erros grosseiros que ainda acontecem nas edições nacionais de alguns jogos, principalmente por conta dos preços praticados atualmente. A ideia aqui não é passar pano, até porque qualquer um que já tenha se dado ao trabalho de ler algum texto meu, sabe que eu sou um crítico ferrenho da falta de investimento das editoras em tradução, localização e principalmente revisão. Portanto, o objetivo desse texto é levar a uma reflexão a respeito de como as coisas são, e não como nós gastaríamos que fossem, em termos do nosso hobby.
Uma coisa na qual nem sempre paramos para refletir é que certamente ninguém, apaixonado por board games, e para trabalhar com board games é preciso ser apaixonado por eles, porque certamente por dinheiro é que não é, nenhuma pessoa dessas vai fazer um trabalho ruim de tradução porque acha divertido. Nem, nenhuma empresa vai vender um jogo com problemas porque isso é legal e porque contribuirá para aumentar os seus lucros. Por outro lado, as empresas também não se preocupam muito com isso. Do jeito como o mercado está estruturado hoje em dia, os jogos acabam vendendo, mesmo que com erros, porque simplesmente não há muita opção quanto a isso. Devido aos problemas estruturais crônicos do nosso país, ainda é inviável economicamente para a quase totalidade dos boardgamers brasileiros importar seus jogos preferidos, porque isso acaba ficando muito caro, a menos que se consiga que um amigo traga de fora, o que obviamente nem sempre acontece. Desse modo, a solução é se virar com o que temos à nossa disposição, produzido localmente, apesar dos problemas advindos disso.
Isso é uma realidade, e para ser sincero eu acho que não adianta nem se preocupar muito com isso. Na verdade o que me preocupa muito mais, é que nós estamos colhendo apenas as coisas negativas das condições do tamanho do mercado de board games, sem nem termos as coisas positivas decorrentes dessa condição, para equilibrar as coisas. Como eu disse antes o fato de sermos um mercado pequeno acarreta muitas coisas ruins, mas também existem muitas coisas boas decorrentes disso. Certamente ninguém imagina, por exemplo, ir à Bienal do Livro, seja no Rio de Janeiro ou em São Paulo, e esbarrar no presidente do Grupo Editorial Record, ou em um dos sócios da Companhia das Letras, tomando cafezinho em uma das barraquinhas do evento. Ninguém concebe comparecer no ExpoFood (evento dedicado aos supermercados e às vendas no varejo do setor de alimentos), ir até o stand do Supermercado Pão de Açúcar, e conseguir conversar com CEO da empresa. Mas essas coisas acontecem no mercado de board game, e qualquer um que foi ao DOFF desse ano está aí, para não me deixar mentir.
O tamanho pequeno do mercado de board games também faz com que haja uma proximidade maior entre empresas e consumidores. Mas nós não estamos nos beneficiando dessa proximidade, nem as empresas que poderiam conhecer melhor o seu público consumidor, e tornar o processo de venda mais lucrativo e eficiente, nem as pessoas que ainda sofrem com preços altos e falta de comunicação. Somente as editoras de board game podem modificar esse panorama, porque por mais que os consumidores queiram isso, não há muito que eles possam fazer. E além de melhorar muito o mercado, isso não custa muito, para as editoras.
Como não adianta muito apresentar um problema sem sugerir possíveis soluções para ele, aqui estão duas iniciativas, que certamente vão contribuir muito para melhorar o mercado de board games. A primeira é que as editoras comecem a falar mais com o seu público. Claro que é possível se comunicar, dentro de certos limites com as editoras, através das redes sociais. Mas essa não é a melhor maneira de fazer isso, porque ela ocorre individualmente, ou de forma muito restrita. Vamos imaginar um jogo que tenha sido financiado e tenha tido problemas na produção. O que ocorre normalmente é que a editora não queira vir a público comentar sobre isso, para não “sujar” digamos assim o bom nome da empresa, nem diminuir a confiança de seus apoiadores na capacidade da editora. Isso pode fazer também com que as pessoas desistam e retirem o seu apoio ao projeto. Então, em uma ótica distordia, algumas empresas concluem que talvez o melhor seja deixar as pessoa no escuro e na expectativa de que um dia o jogo chega. Só que o silêncio é muito pior, porque além de ficarem sem o jogo, as pessoas também ficam sem notícias, e é natural que, nessa situação, elas se sintam desrespeitadas, desprestigiadas e abandonadas, justamente pela empresa que elas apoiaram. As pessoas até entendem uma empresa que tenha problemas com algum de seus projetos, se solidarizam e aceitam que o jogo que elas querem tanto, demore um pouco mais para chegar. Mas ninguém aceita de bom grado, nem tem empatia com uma empresa que desrespeite, ou que trate com descaso seus apoiadores, e é exatamente assim que agem algumas editoras.
Não é preciso citar exemplos, nem apontar nomes, mas todo mundo aqui do Ludopedia já passou por uma situação dessas, ou tem conhecimento de algo parecido, ocorrido com outras pessoas. Um financiamento que atrasa, ou um jogo que é anunciado, mas que não consegue ser lançado na data prevista, são problemas que seriam muito amenizados se a editora em questão informasse as pessoas dos problemas que levaram a esse atraso, de forma pública e transparente, através de um simples tópico aqui no Ludopedia. Isso é muito mais eficaz, econômico e digno, do que tentar esconder o problema, como se as pessoas não fossem notar que o jogo anunciado para dois anos atrás, ainda não foi lançado, ou do que escrever uma notinha de rodapé em uma rede social, ou pior ainda não dizer absolutamente nada a respeito disso, com muitas ainda fazem. Conversa franca faz bons amigos e é exatamente disso que nós precisamos atualmente, franqueza e honestidade.
A outra sugestão para melhorar o mercado de board games é lembrar que, se as pessoas que trabalham nas empresas de jogos são apaixonadas pelo hobby, as pessoas que fazem parte dele, e que compram jogos regularmente, são mais apaixonadas ainda. Todo mundo que gosta de um jogo, certamente deseja ardentemente que ele seja lançado sem problemas, e, principalmente, estão muito dispostas a contribuir para que isso aconteça. Quando um jogo é lançado com problemas de tradução, por exemplo, quase que imediatamente surgem as pessoas aficionadas que compraram o jogo e tiveram o trabalho de rever “carta por carta”, para ver se algo não foi traduzido errado, ou se algum símbolo foi trocado, e isso ocorre dias após o lançamento. Esse é justamente o trabalho que um setor de revisão faria em uma empresa. Só que no caso dos board games, infelizmente, isso acontece após o jogo já ter sido produzido com erros e problemas. Seria absolutamente mais inteligente, que as editoras contassem com essa ajuda de revisão, gratuita e voluntária, antes de mandar o jogo para a gráfica. Bastaria apenas que as empresas disponibilizassem os arquivos com as cartas e o tabuleiro do jogo. Não seria necessário nem revelar a arte das cartas e do tabuleiro, antes do lançamento. Essa disponibilização poderia ser feita apenas do texto escrito, e se possível numerando cada carta para facilitar saber depois, a que carta corresponde cada texto. Isso seria bom para as empresas que diminuiriam muito a probabilidade dos jogos saírem com problemas e sem gastar quase nada com isso, e também seria bom para os consumidores que poderiam comprar seus jogos, tranquilos de que não ocorreriam os erros grosseiros que normalmente acontecem.
Para terminar, não tenho muita esperança de que o diretor de alguma editora vai ler esse texto, e menos esperança ainda de que alguma dessas duas sugestões será acolhida, e com isso ajudar a melhorar o mercado de alguma forma. Mas, pelo menos, através desse escrito eu consegui transmitir essa minhas reflexões, às pessoas que se derem ao trabalho de ler o meu texto, bem como sugerir que elas também meditem e discutam a respeito. E, por isso, eu me sinto mais do que satisfeito e devidamente recompensado.
Um forte abraço e boas jogatinas.
Iuri Buscácio
