Shakespeare (I) é um jogo para 1 a 4 jogadores, criado por Hervé Rigal e lançado em 2015 pela Ystari Games, editora conceituada entre o público gamer por seu portfólio de jogos (Eclipse, Caylus, Myrmes, etc.). Suas principais mecânicas são pontos de ação, leilão e colocação de peças (tile placement).
Tema: Os jogadores comandam uma trupe de teatro em busca do apoio da Rainha Elizabeth I. Eles têm seis dias para escrever uma peça de três atos, ensaiar atores e contratar costureiros, cenógrafos e joalheiros. O manual de regras apresenta alguns detalhes históricos da época, inclusive corrigindo um “erro” proposital: as personagens femininas do teatro elisabetano não eram interpretadas por atrizes (como mostra, por exemplo, a carta de Julieta), pois as mulheres eram proibidas de atuar.
Componentes: Os componentes seguem o padrão de qualidade dos demais jogos da Ystari Games: peças de madeira, tabuleiros, cartas e tokens resistentes. Vale a pena destacar a belíssima arte da dupla Arnaud Demaegd e Neriac, artistas conhecidos da Ystari Games. Quem gosta do tema vai se deliciar reconhecendo as personagens de Shakespeare em ilustrações soberbas. O único ponto negativo é o insert: apesar de bonito e funcional, ele é produzido em plástico fino, amassando e rasgando facilmente.
Regras: Vence o jogo quem obtiver mais pontos de vitória após seis dias, i.e., seis rodadas (na quarta e na última rodada, também há uma contagem de pontos parcial). Cada rodada é dividida em seis fases. Na primeira fase (“Aposta”), cada jogador aposta, com punho fechado, quantos pontos de ação utilizará na próxima fase (entre um a cinco pontos de ação). Após os jogadores revelarem as apostas, a ordem de turnos da próxima fase é determinada de forma crescente. O primeiro jogador, i.e., quem apostou menos, também recebe um ponto de vitória. Na segunda fase (“Recrutamento e Ativação”), seguindo a ordem de turnos, os jogadores contratam uma nova personagem e gastam seus pontos de ação para ativar suas personagens já contratadas. Contratar uma nova personagem é muito simples: basta selecionar uma das disponíveis e colocá-la em sua área de jogo. Entretanto, cada personagem possui um valor em moedas que, caso não seja pago no final do jogo, acarreta em menos dois pontos de vitória – a função das moedas em Shakespeare é apenas pagar as personagens. Por isso sempre há a opção de contratar um figurante, ou seja, uma personagem sem nenhuma habilidade, mas também sem nenhum custo. Ativar uma personagem é igualmente simples: basta colocar um ponto de ação em cima de uma ainda não ativada. As personagens são divididas em duas categorias: ator e artesão. Os atores oferecem habilidades variadas quando ativados (avançar ou fazer os adversários recuarem na trilha de ambientação, ganhar pontos de vitória, etc.), mas em geral eles permitem avançar em um ou mais dos três atos. Os artesãos permitem adicionar peças de figurino e/ou peças de cenário à sua área de jogo. Cada ator pode receber até três peças de figurino: assim que ele recebe a última peça, o jogador ganha moedas e/ou pontos de vitória de acordo com os valores das peças. As peças de cenário devem ser colocadas de forma piramidal (i.e., duas peças em baixo sustentam uma peça em cima) e sincrônica (i.e., uma peça verde em uma ponta deve acompanhar outra peça verde em outra ponta). Assim que uma peça de cenário é colocada, o jogador recebe um benefício de acordo com a peça: ganhar moedas, avançar ou fazer os adversários recuarem na trilha de ambientação, melhorar um artesão, etc. Também existe um tipo especial de artesão, o joalheiro: somente ele permite adicionar peças amarelas (“ouro”). No final do jogo, cada peça amarela vale um ponto de vitória. Além dos atores e artesãos, há a personagem Rainha que concede ou quatro moedas ou uma carta de objetivo (também pontuada no final do jogo). Na terceira fase (“Ambientação”), os jogadores recebem benefícios ou prejuízos de acordo com suas posições na trilha de ambientação. No final desta fase, a trilha de ambientação é reiniciada. Na quarta fase (“Ensaio”), que somente ocorre na quarta e na sexta rodada, há uma contagem de pontos parcial. Primeiramente cada ator com suas três peças de figurino concede avanços em um ou mais dos três atos. Depois cada ato é pontuado: o primeiro ato oferece moedas de acordo com a posição do jogador; o segundo ato oferece pontos de vitória para os jogadores mais adiantados; e o terceiro ato oferece pontos de vitória de acordo com a posição do jogador. Na quinta fase (“Manutenção”), como o nome indica, o jogo é realimentado para a próxima rodada: entram novas personagens, novas peças de figurino e de cenário. Na sexta e última fase (“Descanso”), os jogadores devem bloquear as personagens ativadas, com exceção de uma. Ou seja, se um jogador ativou quatro personagens, três delas estarão bloqueadas para a próxima rodada. No final do jogo, além dos pontos conquistados ao longo da partida, três quesitos são pontuados: as cartas de objetivo (conseguidas através da Rainha), as peças de “ouro” (conseguidas através do joalheiro) e os pontos negativos das personagens não pagas.
Gameplay: Shakespeare é um jogo agradável com mecânicas simples de entender. Apesar da escassez de moedas e pontos de vitória (em média 20 pontos por partida), o jogo não é “arrastado”. Trata-se daqueles jogos sem caminho da vitória evidente, sendo necessário equilibrar os diversos elementos do jogo: as personagens (atores e artesãos), os três atos, as peças de figurino e de cenário, etc. As decisões importantes giram em torno de saber o quanto “gastar” nas personagens (um planejamento invertido, pois se ganha dinheiro ao longo da partida) e quais personagens bloquear para a próxima rodada. Uma decisão igualmente importante, mas que parece não criar tensão suficiente, é a aposta de pontos de ação. Jogadores inexperientes normalmente acreditam que vale a pena apostar o máximo de pontos de ação e sofrer a penalidade de jogar entre os últimos. Logo eles descobrem que perderam a oportunidade de conquistar um escasso ponto de vitória e que seus pontos a mais resultam em ações irrelevantes, pois as melhores já foram realizadas pelos primeiros jogadores. Esta é a principal interação entre os jogadores que, sendo por demais discreta, retira o brilho de uma mecânica elegante.
Considerações: Muitos jogadores apostaram em Shakespeare por causa do selo Ystari Games. Também sou fã dos jogos da Ystari, mas confesso que comprei o jogo por causa do tema (ou melhor, por causa da minha esposa, professora de literatura inglesa). E devo dizer que Shakespeare consegue unir tema e mecânica de forma satisfatória, além de oferecer ilustrações belíssimas. Isto é algo digno de nota caso se considere que o tema é o calcanhar de Aquiles da maioria dos eurogames. Entretanto, quem espera um jogo do mesmo porte de outros lançamentos da Yastari Games pode se decepcionar: mesmo comparado a outros jogos da Ystari de duração e complexidade semelhantes, como o excelente Spyrium, Shakespeare mais parece um jogo de família (family game). Ter ou não ter Shakespeare, tudo depende de sua ambição.
Avaliação final: Bom