(Análise) Vossa Excelência – O Jogo Político

Título: Vossa Excelência – O Jogo Político (2018) (2ª edição em 2022)
Designer: Fernando Augusto C. Prado; Marcelo S. Dias
Arte: Douglas Duarte
Editora nacional: Independente / Ludens Spirit (2ª edição)
Nº de jogadores: 1 a 6

Um jogo mecanicamente acessível e com um tema importante, tratado de forma descontraída e divertida.

 

 

- No final de março de 2022 recebi uma mensagem no privado da Ludopedia de uma pessoa chamada (apelidada, na verdade) de Odanan. Eu lembrava deste nome, pois já havia cruzado com ele pelos fóruns, mas não conhecida, de fato, o cidadão. Ele me disse que se chamava Fernando (e não Odanan, como no nick) e era designer do jogo Vossa Excelência – O Jogo Político e que estava contatando alguns criadores de conteúdo para saber se eles gostariam de receber o jogo para fazer resenha/análise/conteúdo/vocês-entenderam, e eu era um dos selecionados. Fiquei feliz, afinal isso foi uma forma de reconhecimento, mas um pouco receoso, pois todos os textos que faço são de jogos que eu ou algum amigo possuem, adquiridos com nosso dinheirinho, nunca tendo feito texto por ter ganho um jogo e certamente - apesar de me sentir honrado em ser escolhido - não seria agora que o faria. Eu disse que receberia o jogo, jogaria, jogaria de novo (nesse caso especial até daria uma segunda chance) e SE EU TIVESSE GOSTADO faria uma análise. Fernando entendeu, concordou e enviou o jogo (acabei por conhecer ele melhor ao longo do tempo e o cara é gente fina mesmo).

Algum tempo depois, chega o jogo aqui em casa. Bom material, bem melhor do que eu estava esperando por se tratar de um protótipo, apesar de já existir uma 1ª edição no mercado. A arte no estilo de caricaturas e tom de sátira me encantou de cara. No meio tempo entre o contato e o recebimento não vi nada sobre o jogo, pois eu queria ser pego realmente de surpresa, sem ter criado qualquer conceito prévio na minha mente. Abro o jogo, passeio pelas cartas, acho de uma acidez crítica bem humorada, que me fez relembrar charges de jornal e músicas de protesto que eu cresci ouvindo (tive minha fase meio punkzinho de jardim na adolescência e sempre fui (e sempre serei) fã do grande Raul Seixas). Isso me animou muito com o jogo, ainda mais que passamos por um período bem turbulento no aspecto político e social e toda forma de entretenimento ou arte que vise algum tipo de crítica ou ruptura acho (ainda mais) sensacional.

PARA ESCLARECER: ISSO AQUI NÃO É UM POST POLÍTICO (e nunca será, pelo menos do ponto de vista menos ortodoxo da coisa). Não me importa para quem você, leitor, prefere votar, já votou, votará, nunca votou, nunca votará e etcetcetc... O fato aqui é que o Vossa Excelência – O Jogo Político também não está ligando para isso. Ele faz piada com todos lados, esquerdas, direitas e centrais (e, provavelmente, quem se sente incomodado por uma ou outra figura específica representada no jogo é por ser fã demais de um dos lados). Sendo bem direto, jogos de tabuleiro tem UM PROPÓSITO: divertir o público. Só isso. Qualquer coisa que faça além disso é um bônus, um mérito. Se além de divertir, um jogo ensina alguma coisa ou faz alguma crítica: ótimo!

Ao ler o manual do jogo e colocá-lo na mesa, além de gostar da fluidez da jogabilidade (que é propositalmente simples para ser acessível para o vovô e para o netinho), me senti um pouco como me sinto ao ouvir músicas de protesto como Aluga-se ou Metrô Linha 743 de Raul (se não conhecem, fica a indicação) ou ver esquetes de Monty Python. Inclusive, vou até deixar o link de uma esquete específica com John Cleese (essa aqui: Ver o vídeo), pois ela retrata muito bem a ideia do jogo, não à toa foi inspiração para uma das cartas de eleitorado. Uma coisa, porém, eu não gostei: o manual em si. Achei meio confuso a princípio e conversei sobre isso com o Fernando, dando algumas sugestões. Resultado: Fernando me chamou para auxiliar na produção do novo manual (que na época não tínhamos ideia que sairia pela Ludens Spirit). Logo, quando forem folhear o manual, meu nome estará lá nos créditos (isso me deixa realmente feliz) e foi assim que ele foi parar lá.

Finalmente chegamos na data de hoje, em que você está lendo este texto. É importante salientar que não é pelo fato de eu ter participado de alguma forma na produção do jogo que estou fazendo essa postagem. Eu a faria de qualquer forma, afinal gostei do jogo e até já paguei pela minha cópia-definitiva-da-segunda-edição-completona. As fotos que verá no texto, portanto, são do protótipo que Fernando me enviou, ainda antes da participação da Ludens na parada e antes de novidades que foram aparecendo ao longo de nossas conversas.

Espero que curtam o texto, entendam que a ideia do jogo não é defender ninguém, ao contrário, é expor o cenário torpe e ridículo de nossa atual situação política (aliás, de sempre... estou na minha quarta década de vida e nunca vi uma situação não-ridícula e acho que não deixarei de ver tão cedo do jeito que as coisas andam). A reflexão que trago, então, é justamente essa: fomentar a discussão sobre o papel de um jogo, quando se propõe a ser mais do que uma fonte de entretenimento, mas uma ferramenta de comunicação e alerta, tal qual muitas outras artes o fazem, como a música, cinema e etc. Entender isso, para mim, é até mesmo elevar os jogos de tabuleiro a um nível que supera o entretenimento, o brinquedo de gente crescida, tornando-se uma forma de expressão social e cultural ainda mais rica.

Agora, finalmente, vamos para a análise:

Ao longo da partida, que ocorre em uma quantidade pré-definida de rodadas (7 no modo convencional e 9 no modo estendido), os jogadores alternam turnos ativando cartas que possuem na mesa, seja para rolar dados ou ativar ícones. Cartas em que existe rolagem de dados podem fornecer dinheiro ou mesmo infâmia, uma penalidade para o jogador. Cartas com ícones, por sua vez, são utilizadas para que novas cartas sejam baixadas na área de jogo do jogador ou então sejam adquiridas cartas de pontuação final (Eleitorado). Ao final da última rodada, o jogador que possuir mais pontos é o vencedor (os pontos se encontram nas cartas baixadas, cartas de Eleitorado e dinheiro – subtraindo ainda valores negativos de Infâmias coletadas).

Mecânicas Principais: Coleção de componentes, Toma Essa.

EDIT:  Postei na data de 20/10/2022 uma atualização aos componentes, pois já recebi minha cópia da 2ª Edição oficial! Confira em https://ludopedia.com.br/topico/63252/atualizacao-de-analise-vossa-excelencia !
 
PRÓS: Cartas, marcadores e manual de boa gramatura.

CONTRAS: Marcadores de dinheiro um pouco pequenos.

Baixo. É colocar na mesa, separar os montinhos (facilmente identificados pelos versos das cartas), embaralhar, distribuir e começar a jogar.

PRÓS:  Fantástica. Lembra muito charges, trazendo temas e notícias que marcaram o país em relação ao tema (política). Particularmente, os maiores diferenciais do jogo são justamente a arte e o tema, sendo automático a cada carta que pega na mão nosso olho correr pela arte, pelo título, pelo texto explicativo temático e já buscar referência de onde aquilo surgiu, e tudo tem um motivo! Aqui temos que reconhecer o baita trabalho do ilustrador, pois são muitas cartas com imagens diferentes, então foram muitas horas dispendidas na tarefa.

CONTRAS: A composição das cartas é bem simples, focando mais na objetividade do que na estética.

Alta. O tema é o coração do jogo, sem dúvidas, e o que o motiva a existir e ser colocado na mesa. Ele não está apenas presente nas ilustrações, títulos das cartas e no texto que acompanha cada uma, mas acaba sendo bem amarrado na mecânica, uma vez que tudo gira em torno de acumular influência de pessoas (cartas) e dinheiro. O simples ato de acionar uma carta (batizado de ‘Articulação’) ou de receber penalidades (chamado aqui de ‘Infâmia’) remontam ao tema, tendo muitas e muitas referências ao mundo real. Por ter acompanhado uma parte do processo de gamedesign da atualização entre as edições do jogo, posso afirmar que o designer, Fernando, teve um cuidado especial com a forma que o tema é retratado e dedicou bastante tempo para isso (inclusive tomando cuidado para não rolar excessos ou exageros nas representações e críticas), o que fica evidente ao analisar cada carta. Os textos que acompanham as cartas são muito legais, porém como eles são apenas cosméticos, não tendo influência mecânica, depois de algumas partidas o jogador começa a ignorá-los (mas aí a culpa é de nossa pressa ao jogar, não do jogo em si).

Baixa. Vossa Excelência – O Jogo Político tem um tom familiar proposital, para ser acessível para qualquer público, então o jogo é realmente muito simples: compra carta, olha os ícones, baixa as cartas acionando cartas já baixadas. É o tipo de jogo que você consegue jogar com qualquer pessoa, seja ou não acostumada com jogos de cartas, tabuleiros e afins.

 

Média. O jogo tem muitas cartas, principalmente na 2ª edição, que tiveram cartas adicionadas, além de expansões, o que dá uma sobrevida legal ao jogo, porém não vá esperando que a experiência mude muito conforme novas cartas vão surgindo em sua mão, pois devido a simplicidade inerente da proposta do jogo, ele não dá muitas voltas, sendo bem direto ao ponto, logo a parte que trará maior variedade é ficar tentando buscar combinhos de cartas que permitam e usem outras cartas na mesa, mas nada muito complexo.

 

Média. Não que o jogo foque estritamente na furada de olho, mas como na política, existem momentos de amenidades e momentos de trairagem. Estão presentes nas partidas os dois tipos de interação, a indireta e a direta: em relação a interações indiretas, existe a compra de cartas de eleitores, que são basicamente uma corridinha entre os jogadores por ícones específicos, pois quem tem uma determinada quantidade de um determinado tipo pode adquirir estas cartas que estão abertas na mesa (e valem muitos pontos de vitória); e na interação direta temos um Toma Essa que vai fazer com que adversários percam dinheiro, recebam penalidades (Infâmia), descartem cartas e coisas do gênero. Para resumir o quesito Interação, pense no tema e na sua abstração quando transportado para um jogo de cartas: é o que temos aqui mesmo.

 

 

Relevância na partida: Alta. Até agora, para quem não conhece o jogo, pode parecer que é só um jogo de cartas, mas não é. Temos ainda um dado, que é rolado de vez em quando, a depender de alguma ativação de alguma carta. Esta compra de cartas, dentro de uma vasta gama de opções (diferente de The Manhattan Project: Chain Reaction (Mathe. 2016), por exemplo, que tem cartas, mas muitas quase iguais) aliado com a rolagem de dados, eleva o Fator Sorte, algo que geralmente me incomoda um pouco, mas não foi o caso aqui. Não foi o caso, pois o tema dá margem para essa aleatoriedade (não deveria, mas a política é uma caixinha de surpresas, convenhamos) e a sorte entrega um elemento surpresa interessante que ajuda a engajar jogadores casuais ou mesmo galera que não é do hobby (ainda!), ajudando a compensar a relevância de Estratégia, que não é muito grande.

Relevância na partida: Baixa para Média. Apesar do Fator Sorte ser alto e, a princípio, as cartas serem bem diferentes, deixando uma sensação forte de aleatoriedade, ao longo das partidas que tive consegui ver que a importância da estratégia e como ela consegue driblar um pouco o impacto da sorte. A princípio parece que o jogador vai simplesmente baixar tudo que tiver na mão, caso possível, mas não é bem assim, pois existem diversos momentos em que o jogador precisa fazer escolhas, pois os recursos para baixar cartas são bem limitados, principalmente até a metade da partida (que é relativamente rápida). A estratégia é sentida em maior grau em dois momentos: quando vamos lascar alguém (usando cartas específicas) e quando vamos focar em buscar determinado eleitorado (que dá bastante ponto), pois estes dois momentos, se bem pensados, podem virar o jogo, então ficar de olho em quais ícones os adversários possuem para escolher os que iremos baixar de nossa mão é crucial para uma rodada eficiente e que contribua para conseguir eleitorados na frente de adversários.

 

Bom. O jogo base possui 190 (cento e noventa!) cartas e a expansão mais 60 (sessenta) fora marcadores, manual, caixa e tudo mais. O pacote com ambos sai por uma média de R$200,00 (duzentos reais), o que mediante a quantidade de ilustrações diferentes e material impresso está bem dentro de um valor condizente com a realidade, considerando ser um jogo feito sob demanda em financiamento (isso sem contar extras que podem vir a ser liberados).

 

- Dá para jogar com crianças? Sim. Apesar do tema relativamente sensível, a arte retrata tudo de forma divertida, o que abre chance para uma bela discussão e aprendizado sobre o assunto. Mecanicamente o jogo é bem simples e acredito que não só crianças pegam fácil, mas a galera que nunca jogou nada além de dominó ou Uno. Uma coisa a se salientar é que ao ver o manual pode parecer que o jogo é bem mais complexo do que é, devido a quantidade de páginas e informação, mas é tudo muito simples, o que acontece é que o jogo contém muitos tipos diferentes de cartas e foi escrito pensando naqueles que nunca tenham visto algum jogo moderno antes, o que acabou fazendo o manual ficar um pouco extenso, mas dentro da limitação de páginas existente da editora.

- Funciona bem em qualquer número de jogadores? Funciona, porém, particularmente, achei que o jogo fica mais divertido em 3 ou mais jogadores, justamente pela furada de olho presente e pelo fato de mais cartas aparecerem durante a partida.