Nota: Este texto está sendo postado fora da data comum (quinzenalmente aos sábados) devido aos feriados de Natal e Ano Novo.
(Análise) The Quest for El Dorado
Título: The Quest for El Dorado (2017)
Designer: Reiner Knizia
Arte: Franz Vohwinkel, Vincent Dutrait
Editora nacional: Galápagos Jogos
Nº de jogadores: 2 a 4
Com uma mecânica de construção de baralho (deck Building) e um conjunto de regras fáceis e acessíveis, os jogadores irão disputar uma corrida emocionante pelas densas matas, perigosas montanhas e turbulentos rios, com sua equipe, em busca da cidade perdida de El Dorado.
Resumo de Como o Jogo Funciona
No jogo, os jogadores assumem o papel de líderes de uma expedição atrás da terra perdida de El Dorado. Antes da partida iniciar, o tabuleiro modular deve ser montado pelos jogadores visando o nível de dificuldade e tempo de partida, além da preparação habitual. O jogo transcorre por uma quantidade indefinida de rodadas. Em The Quest for El Dorado cada jogador possui um baralho próprio com cartas que servem de moeda para compra de novas cartas, com valores maiores para seu baralho, e/ou então para movimentar seu peão/meeple pelo tabuleiro. A partida se encerra quando o primeiro jogador consegue levar seu peão/meeple até a peça de El Dorado.
Mecânicas Principais: Construção de Baralho.
Critérios
Ø Qualidade dos Componentes
PRÓS: Cartas de alta gramatura, sendo bem rígidas e com as bordas brancas (o que é uma vantagem para quem não gosta de utilizar sleeves); Caixa de boa qualidade, com acabamento com verniz localizado; A divisória de papelão interna da caixa consegue comportar de forma bem confortável todos componentes (que são relativamente poucos, o que já ajuda nesse sentido); Manual de leitura fácil e com bastante exemplos; Cartonados com boa gramatura.
CONTRAS: Apesar da boa qualidade de escrita e ilustrações do manual, o formato grande aliado com o baixo número de páginas o deixa meio molenga, sendo relativamente fácil amassa-lo por acidente; Apesar da borda branca das cartas ser uma vantagem para os não-sleevadores (já que é mais difícil criar marcas ao embaralhar), na minha cópia existem duas cartas com a arte milimétricamente deslocadas do centro, o que pode incomodar um pouco os mais exigentes; O que seriam os ‘tabuleiros de jogador’, que servem como orientação dos baralhos de compra e descarte e funcionam como ‘ajudinha’ são feitos de um papel bem fino e molenga, porém eles não tem uma real função durante a partida; O que realmente viria a calhar nas primeiras partidas seria uma carta ou folheto com o significado da iconografia das Fichas de Caverna, pois existe apenas no manual e como foi dito, ficar passeando ele de mão em mão pela mesa pode ocasionar amassados com certa facilidade.
(Todos componentes)
Ø Arte
PRÓS: Iconografia de fácil entendimento; Ilustrações bem detalhadas e com cores vivas; Tabuleiro num primeiro contato pode parecer um pouco poluído, mas na primeira partida tudo já começa a fazer sentido; Manual cheio de ilustrações belíssimas para o estilo de traço adotado.
CONTRAS: A arte do tabuleiro central não remete as belezas naturais do cenário como a ilustração da caixa faz parecer, tendo a ilustração das casas de cada tipo iguais, sem a construção de um cenário rico em detalhes, o que ajuda na identificação dos locais, porém perde um pouco de charme e beleza.
(Componentes em detalhe)
Ø Curva de Aprendizagem
Baixa. A maior dificuldade que os jogadores iniciantes irão enfrentar é entender a melhor sinergia dentro do próprio baralho, pois mesmo os tipos de cartas são autoexplicativos, tendo um texto apenas para melhor apresentar o que a carta faz caso o ícone sozinho não seja o suficiente nas primeiras partidas. A dificuldade do jogo está em aprender a ler o mapa central, para que os jogadores consigam construir de forma inteligente seu baralho. Não adianta ver que um trecho possui, por exemplo, uma faixa larga de água e tentar ultrapassa-la na pura sorte de compra de cartas, de forma que é preciso ter consciência do quando e como irá vencer os obstáculos quando chegar no momento certo.
Ø Presença de Tema
Baixa. Vou tocar num ponto sensível do jogo e que talvez gere alguma polêmica (como de costume, sou o cara chato do “tema em euro”): O tema não é bem explorado em The Quest for El Dorado. Apesar da arte sensacional de Vincent Dutrait (como de costume), dos três parágrafos sobre o tema logo de cara no manual, das ilustrações que retratam bem objetos, ferramentas e a equipe aventureira, existem alguns pontos que, pelo menos para mim, bombardeiam a aplicação e presença do tema no jogo, e vou lista-los abaixo para facilitar minha argumentação:
1. O primeiro deles foi a escolha do peão de jogador como um bonequinho. Se somos uma equipe, e as cartas deixam isso claro, o que representa nossa turminha destemida ser ‘um bonequinho com chapeuzinho do Sr. Jones’ é meio broxante. Poderia ser até um cubinho com um adesivo que acho que ficaria melhor representado tematicamente;
2. Se o jogador, no papel de líder da parada, está cruzando matagais, rios, vilas perdidas, montanhas e tudo mais, como que novos membros entram na equipe pelo caminho? Não faz muito sentido, e aqui acho que nem tem muito o que e como consertar, devido a mecânica de construção de baralho (lindamente implementada no jogo, alias);
3. Ninguém chegou em El Dorado antes por que não quis. Simples assim. Essa é a única explicação plausível para justificar o grau de dificuldade de ir do ponto inicial à cidade perdida. Não temos nenhum tipo de confronto com animais selvagens, criaturas místicas desconhecidas, nativos insatisfeitos (ao contrário, os caras nos ajudam até) e nada do tipo, o que não faz muito sentido o tema ser especificamente a busca por El Dorado, podendo ser qualquer outra expedição (para ser honesto, a expansão adiciona maldições, mas ainda assim não representa ainda como deveria);
4. A promessa de grande fortuna e reconhecimento ao ser o primeiro a chegar em El Dorado não é o suficiente para deixar a galera concorrente gananciosa e violenta, o que, convenhamos, é um tanto utópico (uma pena). Não existe treta entre as expedições, ao contrário, a galera tá de mal e nem olha um na cara do outro parece (voltarei a esse trecho no Fator Interação).
Em resumo, The Quest for El Dorado é um jogo incrível, mas certamente não brilha pela incorporação do tema que possui.

(Mapa em detalhe)
Ø Rejogabilidade
Alta. O primeiro ponto a ser mencionado, e o mais evidente talvez, é o fato de o mapa ser modular. Apesar de não parecer que ele faça tanta diferença em um primeiro momento, uma vez que as peças de mapa não são lá tããããooo diferentes, é graças a esta variação do mapa que as cartas fazem sentido, já que elas são, em maioria, bem parecidas apenas com valores maiores para os elementos básicos do jogo (remos, facões e moedas). Já que a essência do jogo é o fato dele ser uma corrida, a possibilidade dos jogadores criarem mapas dos mais aleatórios e malucos a mapas com pontos de interesse bem pensados, acaba inclusive criando uma atividade divertida secundária, extra ao próprio jogo em si, que é essa construção do mapa (eu mesmo já me diverti tanto quanto jogar uma partida apenas na conversa sobre como montar o tabuleiro).
O segundo ponto se refere à variação das cartas: Não é grande coisa. São 18 (dezoito) tipos de cartas diferentes (3 cópias de cada), sendo que sempre 6 (seis) delas são as iniciais e, bem em verdade, a variação dos efeitos é bem pouca (dentre essas dezoito, a maioria é só variação de poder/valor de movimentação). Por causa dessa quantidade e da forma que o mercado funciona, as partidas não terão uma variação muito grande entre um baralho e outro (até mesmo pelo motivo que algumas cartas acabam sendo mais vantajosas que outras, como o Cartógrafo e o Nativo).
Não entenda, apesar de tudo que escrevi acima, que o jogo é muito repetitivo. Por diversas vezes, partida após partida, você se verá preso, com dúvida de qual caminho seguir com base no baralho que construiu e sempre com aquela agonia de que o adversário está indo mais rápido que você. Se por um lado, o Dr. Knizia optou por uma gama limitada de cartas, foi por claramente existir um contrapeso muito bem pensado em relação à interação dos jogadores com o mapa e a sensação de corrida.
Ø Interação
Média. Salvo o fato de ser um jogo de corrida e os jogadores ficarem agoniados (o que entra mais como um metagame) e a interação no mercado em relação à compra de cartas, o jogo não tem nenhuma interação direta e conflito. Inclusive, como mencionado no Fator Presença de Tema, sequer as equipes expedicionárias podem estar no mesmo lugar, de tal forma que a casa que um jogador ocupa fica inválida para que outro entre. Contudo, isso pode ser visto como algo positivo também, afinal criar mais dificuldade no percorrer do mapa, tendo o peão dos adversários como obstáculo intransponível, adiciona uma camadinha extra de estratégia ao viajar pelo mapa.

(Mesa durante a partida)
Ø Fator Sorte
Relevância na partida: Baixo. O único elemento que apresenta impacto de sorte em The Quest for El Dorado é a compra de cartas do baralho individual do jogador, porém como de costume em todo jogo do estilo ‘construção de baralho’, até mesmo essa sorte é mitigável e recai sobre o jogador a responsabilidade da porcentagem de algo acontecer, afinal é o jogador que escolhe, quando comprar cartas, quais cartas comprar e quantas cartas comprar.
Uma outra mecânica, essa não tão comum na maioria dos jogos de construção de baralho, é o fato do jogador poder escolher ficar com cartas na mão para rodadas futuras. Isso diminui consideravelmente o impacto da sorte no jogo, uma vez que é possível fazer um planejamento com base no que sabe que possui e esteja por vir numa próxima mão de cartas.
Aqui temos que reconhecer a engenhosidade do autor em outro ponto, como a formulação do mercado de compras. O fato dos jogadores terem um limite de 6 (seis) espaços com cartas em oferta e todos os tipos estarem visíveis e a escolha quando um espaço fica vago, ao invés de um enorme baralho aleatório, adiciona mais uma camada de estratégia ao jogo (eu sei que é a segunda vez que falo que ‘uma camada é adicionada’, esse o brilho do jogo: Diversas camadas, mesmo que sutis, que no conjunto funcionam em perfeita harmonia).

(Mercado de Cartas durante a partida)
Ø Fator Estratégia
Relevância na partida: Alta. Saber o que comprar, quando comprar, quantas vezes comprar e quando pegar uma rota mais longa em troca de descarte definitivo de cartas é fundamental para eficiência do jogador. The Quest for El Dorado requer que o bom jogador saiba ler o mapa na íntegra, analisando postos-chave para que adquira cartas que consigam fazê-lo ir de forma mais rápida para o objetivo. Além disso, o caminho percorrido, que apesar de relativamente estreito e em linha reta, obriga o jogador a não jogar apenas pensando em si, mas também tentando atrapalhar o máximo possível os adversários, plantando seu peão em locais onde acha que adversários passariam, para que eles percam turnos ou precisem gastar cartas mais valiosas para contornar o rival.
Algo bem interessante é que as cartas também servem como moedas para aquisição de outras cartas, logo não é um jogo frenético, onde todos se movem o tempo todo, mas uma viagem muito bem pensada, na qual é vantajoso comprar cartas e melhorar nosso baralho em detrimento de estar na frente o tempo todo. Um bom jogador de The Quest for El Dorado é aquele que sabe o momento de andar, quais cartas comprar e, principalmente, o momento e lugar que deve parar, acender uma fogueira e atrapalhar toda galera que vinha na sua cola.

(Componentes na Caixa. Tudo bem organizado (mas também é pouca pequena))
Ø BÔNUS: Algumas dúvidas corriqueiras:
- Dá para jogar com crianças? Sim. Apesar da malícia de como atrapalhar e bloquear os adversários se perder um pouco, o jogo é bem simples, tanto em regras, fluxo de jogo ou iconografias, logo é possível jogar com crianças ou mesmo pessoas que nunca jogaram jogos de tabuleiro modernos antes.
- Funciona bem em qualquer número de jogadores? Funciona. Com três e quatro jogadores, a partida transcorre de forma exatamente igual, já com dois jogadores existe uma variação: Com dois jogadores, cada um controla dois peões de uma mesma cor, porém tem apenas um baralho de cartas (como normalmente já acontece). O gatilho de final de jogo dessa forma é chegar com ambos bonequinhos em El Dorado. Este modo funciona muito bem, inclusive acredito que traga um elemento estratégico adicional, que é a gestão de dois peões ao invés de apenas um, mas por outro lado, isso facilita o jogo, já que dificilmente um jogador ficara ‘empacado’ com ambos peões.
- Consigo criar meus próprios mapas? Consegue! Apesar de existirem apenas 6 mapas no manual, na internet existem arquivos com mais de 50 novos. Além disso, você pode usar sua criatividade o quanto quiser, somente tomando cuidado com algumas coisas básicas, mas o manual possui algumas dicas sobre o que evitar!
- Do que se trata essa Variante das Cavernas? Nessa variante, algumas peças de caverna são colocadas em locais específicos do mapa. O jogador que terminar um movimento adjacente a ela, pega uma para si. Elas fornecem recursos ou mesmo efeitos especiais. Sinceramente, esta variante faz o jogo mais dinâmica e divertido, de tal forma que não me vejo jogando sem (única coisa que achei meio estranho é a quantidade de peças em cada local não se reajustar pela quantidade de jogadores). Acredito que o fato do jogo se vender como ‘acessível para quem está começando neste hobby’ seja a única justificativa de colocar essa mecânica das cavernas como variante, caso contrário, sem nenhum espanto, as Cavernas seriam incorporadas como um elemento básico do jogo.

Opinião Pessoal
“Duas coisas que me atraem em jogos modernos são mecânicas criativas e regras objetivas, que aliadas entregam experiências engenhosas e que permitem que o jogador foque na sua estratégia, sem preocupar-se demais com detalhes em regras. The Quest for El Dorado nos dá exatamente essa sensação. Devido a suas regras simples e a forma que a construção de baralho foi implementada, temos um jogo bem gostoso e divertido, com bastante escolha por parte dos jogadores e um sentimento duradouro de tensão e pressa, tudo na medida certa para um público que prefere partidas mais casuais e leves. Porém, quem gosta de jogos mais complexos e com mais interação, talvez falte alguma coisinha, uma pitada de tempero mais apimentado.” (Raphael Gurian, atrás do brilho do ouro)
“The Quest for El Dorado é um jogo que instiga os jogadores a mostrarem seu lado mais ambicioso, para alcançar o ponto final no mapa, em El Dorado, antes que todo mundo para garantir a vitória. Nesta corrida contra o tempo, os jogadores lideram seu time particular para que seus exploradores consigam atravessar todo o mapa pelo caminho mais curto possível, passando por territórios de difícil acesso e pagando o preço exigido para isto. Apesar de haver o fator sorte na compra das cartas para se usar durante os turnos, o nível estratégico é igualmente importante para que se atinja o objetivo, sendo possível bloquear o caminho dos adversários a fim de atrasá-los, enquanto se monta a mão de cartas mais adequada para as próximas jogadas. Com uma ilustração muito bonita, este é um jogo que irá entreter e prender bastante a atenção dos jogadores, seja ele jogado em dois ou mais participantes, permitindo uma boa rejogabilidade com seus tiles de terrenos variados, com arte na frente e no verso. É uma ótima opção para se ter na coleção!” (Heloisa Fernandes, @lola_Fernandes, em busca de rubis raros)
Um texto de
Raphael Gurian
A ideia deste formato de análise não é explicar um jogo, para isso existem muitos outros textos, vídeos e etc. A finalidade do texto é fazer uma análise crítica acerca de critérios que acho importante e que muitas vezes acabam não sendo explorados em análises de uma forma mais detalhada. Os jogos analisados não seguem qualquer critério comercial, incentivo ou pagamento, sendo escolhidos com base em fontes de vozes da minha cabeça, aliado ao fato de ter já jogado o jogo em questão muitas vezes, a ponto de me sentir confortável em opinar sobre o mesmo.
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