(Análise) La Granja
Título: La Granja (2014)
Designer: Michael Keller, Andreas ‘Ode’ Odendahl
Arte: Harald Lieske
Editora nacional: Across the Board
Nº de jogadores: 1 a 4
Um jogo com inspirações diversas, mas que consegue trazer toda uma identidade própria, La Granja leva ao pé da letra o termo popularmente utilizado de “Jogo de Fazendinha”, ao dar aos jogadores a função de gerir uma pequena fazenda, tentando prosperar através do cultivo de vegetais, criação de porcos e vendas no mercado local.
O que acontece em... La Granja:
“O galo canta junto ao sol que começa a surgir atrás das montanhas. É cedo, mas não para um bom rancheiro.
O Rancheiro começa a labuta arrumando uma carroça, na qual ele planeja carregar uvas e um pouco de bisteca. Ainda pela manhã, chega uma nova trabalhadora na granja, uma camponesa, que permite ao Rancheiro se preparar melhor para o dia, pegando cartas de planejamento adicionais.
Um dia lindo, e lucrativo, onde o Rancheiro vê uvas nascendo em seu campo e recebe ainda 1 Prata devido a um bom investimento feito em seu açude.
Durante a manhã de trabalho, ainda constrói uma nova parte de telhado para o grande celeiro. O sol está a pino e o Rancheiro recebe um novo porco e faz um processamento, criando uma bisteca, além de somar mais uma hora de siesta para conta. Pensando em vendas futuras, ainda recolhe um trigo vindo da cidade.
É fim de tarde e momento de abastecer seus clientes, o que faz enviando a bisteca e, gastando 1 Prata para alimentar mais o seu burrinho, envia adicionalmente um caixote de uvas. Podendo, enfim, liberar a carroça rumo a feira.
A noite cai, liga seu radinho para ouvir as notícias, enquanto observa as estrelas e come, pedaço atrás de pedaço, um delicioso bolo de cenoura, seu preferido.”
Critérios
Ø Arte
PRÓS: Iconografia de fácil entendimento; Cartas com fundos coloridos nos títulos, facilidando a visualização do seu momento de uso; Visual aquarelado com tons pastéis neutros, que lembra bastante aqueles quadros antigos, sabe-se-lá-de-qual-artista, que enfeitava a casa dos avós, transmitindo bem um sentimento de ‘sítio no meio do mato’; O tabuleiro individual possui um layout bem funcional, além de representar bem uma fazenda vista de cima;
CONTRAS: Apesar da boa qualidade das ilustrações, elas são bem simples e diretas, sem nenhuma característica ou elemento memorável, característico ou único; O tabuleiro central, principalmente na região central (onde tem a feira), apesar de seguir o padrão de ‘mostrar uma vista de cima’, não parece ter tido muito capricho, pois não retrata de forma tão visível se tratar do centro de uma cidadezinha.
(Exemplo de carta do jogo. Cada ‘lado’ (centro, em cima, direita e esquerda) possui uma função diferente e uma vez usada para ela, as outras ficam indisponíveis)
Ø Qualidade dos Componentes
PRÓS: Uso criativo das cartas, onde cada uma possui quatro funções diferentes; Uso criativo de marcadores, que simbolizam diferentes recursos, apenas dependendo de onde estão; Possui um guia à parte do manual, contendo uma explicação melhor detalhada de cada carta; Cartas e marcadores cartonados de boa qualidade; Manual bem detalhado, com muitas ilustrações.
CONTRAS: Dados muito leves; Caixa de gramatura fina; Apesar de bem detalhado, o manual não foca o destaque necessário em pontos importantes (como Preparação do Jogador), se tornando pouco intuitivo e até um pouco confuso no início; Entendo que a ideia dos marcadores de ponto avulsos, ao invés de uso de trilha, é a pontuação se tornar secreta (de forma que os adversários não possam identificar quantos pontos cada jogador possui), contudo a coloração da face poderia ter uma maior diferença entre os valores (é comum confundir um 5 com um 10, por exemplo).
(Alguns componentes do jogo, de todos os tipos)
Ø Curva de Aprendizagem
Média. Definir a Curva de Aprendizagem de La Granja não é uma tarefa muito fácil, pois o jogo possui características peculiares que o tornam conflitante neste aspecto. Para facilitar o entendimento, irei destacar separadamente o que acho que complica e o que acho que facilita esse aprendizado:
No aspecto que DIFICULTA aprender: Cada rodada de La Granja possui 4 etapas, cada uma com diversas sub-etapas, umas que podem muito bem ser feitas de forma simultânea, enquanto outras dependem exclusivamente de escolhas dos adversários, onde este fato, sozinho, já é o bastante para confundir os jogadores em um primeiro contato, além de quebrar um pouco o ritmo do jogo, já que alguém precisa ficar ‘cantando’ o que será feito a seguir. As cartas, por possuírem quatro opções de uso (que consistem em Colocar como Carroça (parte de cima do tabuleiro individual) OU Usar como uma Extensão (parte à direita) OU Colocar como um Campo de Cultivo (parte à esquerda) OU Usar como um Trabalhador, gerando uma habilidade ou ação (abaixo do tabuleiro central, com as informações no centro da carta)), geram nos jogadores dúvidas de como e quando usar cada carta (multiplique isso pelo fato de ter, em média, quatro cartas na mão). Todas as ações de Trabalhadores (o centro da carta) são diferentes.
No aspecto que FACILITA aprender: Em um aspecto geral, as regras são bem diretas e simples. No jogo, tudo é possível e, praticamente, a qualquer momento: Precisa de dinheiro? Venda um recurso ou troque um commodity (os caixotes)! Faltou recurso? Compre-o! Quer baixar uma carta com custo? Pode usar qualquer coisa, até pontos! Deste ponto de vista, o jogo é bem flexível, o que permite o jogador não ficar travado e sem opções, permitindo os jogadores irem aos poucos pegando o jeito, mas nunca de uma forma sofrida ou punitiva.
No fim das contas, apesar de possuir pequenos detalhes nas regras e uma fluidez confusa de início, é um jogo que concede certa liberdade ao jogador, não o deixando frustrado, o que vejo como algo positivo durante o processo de aprendizado. Contudo, La Granja dá MUITA opção para o jogador, devido ao fato de quatro cartas, na verdade, serem quase DEZESSEIS opções (em média) de coisas que PODEM ser feitas, afinal cada carta jogada elimina a opção de usar qualquer outra das três funções que existe na carta. O tempo requerido, neste sentido, para aprender quais cartas geram combos melhores com outras cartas e ações, com a finalidade de angariar mais pontos e sair vencedor, é bem longo.
Ø Presença de Tema
Alta. Ok, tem granja no nome, mas não tem galinha no jogo, mas isso é uma questão cultural, pois a palavra granja vem do francês ‘grange’ que significa ‘pequena propriedade rural’, não necessariamente o lugar de onde vêm os ovos que o tio que passa na sua rua com caixas de som no carro está vendendo. Dito isso, o título não poderia ser mais direto para traduzir o que o jogo entrega: É um jogo onde os jogadores cuidam de sua pequena propriedade rural, logo, é um jogo, realmente, de ‘fazendinha’! Dessa forma, além do visual que passa um ar rural e sereno, temos ainda mecânicas que consistem em aumentar campos de cultivo ou pocilgas (a casinha dos porcos), cobrir nossos celeiros, colher vegetais e depois vende-los para os comércios da região ou enviar para a feira da cidade. Claro, todas essas ações ocorrem dentro da abstração possível dentro de um jogo de tabuleiro, mas ainda assim, conseguimos sentir bem o desenvolver de nosso tabuleiro individual, com campos aumentando, a gestão apertada do dinheiro e recursos indo e vindo, por mais que poderiam ainda existir alguns elementos diferentes ou adicionais (como, na minha opinião, galinhas!). Algo em relação ao tema que pode incomodar um pouco (por mais que eu não queira forçar um ‘politicamente correto’, mas já forçando) é o fato do porco virar bisteca: Por um lado, é um hábito normal que serviu como sustento da sociedade por um bom tempo, mas isso pode incomodar algumas pessoas, não apenas pelo aspecto ‘vegetariano’ que ela possa vir a ter, mas também pelo simples fato de conseguirmos um porco (que é o recurso mais caro do jogo), para depois o matar e enviar como bisteca.

(Tabuleiro individual (jogador amarelo) no decorrer da partida)
Ø Rejogabilidade
Alta. Apesar do jogo não apresentar habilidades individuais únicas na preparação da partida e ter alguns elementos sempre fixos, como os micronegócios e suas recompensas (os locais onde enviamos recursos no tabuleiro central) e os locais iniciais na feira (a área no meio do tabuleiro central), o jogo ainda consegue apresentar uma grande variedade de opções, que precisarão de diversas partidas para serem exploradas. Isso se deve às cartas e a forma que funcionam, pois (como já citado) jogar uma carta de uma forma anula as outras opções. Alia-se a isso o fato dos Trabalhadores (parte central da carta) nas 66 (sessenta e seis) cartas nunca se repetirem, elevando bastante a variabilidade de opções que surge em nossas mãos. Apesar de 66 cartas parecer uma quantidade baixa, se comparado com outros jogos, durante todas partidas que tive em 4 jogadores, apenas em um caso conseguimos acabar com o baralho a ponto de reembaralha-lo, enquanto com 2 jogadores isso nunca aconteceu (e acho que nem existe essa possibilidade, salvo ambos propositalmente se esforcem única e exclusivamente para este feito!).
Ø Interação
Média. Em La Granja, cada jogador está em seu mundinho (ou fazendinha, no caso) e não existe nenhum tipo de interação direta ou conflito, não existindo ações que interfiram ou sabotem diretamente o planejamento do oponente, contudo temos duas situações de interação bem presentes: O primeiro é em relação à escolha dos dados, pois no jogo existem poucos dados, logo quando um jogador escolhe um determinado dado, raramente existe outro igual, para repetir a mesma ação. O segundo é em relação à área central do tabuleiro, destinado às Carroças, pois quando um jogador envia uma carroça ele ocupa um espaço numerado e expulsa todos marcadores adjacentes dos adversários que tenham um número menor e como todo final de rodada cada marcador nessa região dá um ponto, acaba reduzindo a pontuação que o adversário iria receber (e a pontuação final tende a ser apertada).

(Player Aid (ajudinha). Um lado a sequência da rodada, no outro as pontuações possíveis)
Ø Fator Sorte
Relevância na partida: Baixa. A sorte no jogo é sentida em dois momentos principais: Na aquisição de cartas para sua mão e na rolagem de dados, contudo o impacto que eles trazem é baixo, servindo como um elemento de aleatoriedade e não de resolução. No caso das cartas, é possível mitigar a sorte, focando em baixar cartas (à direita do tabuleiro individual) que possibilitem aumentar o limite da mão, além de jogar cartas sempre que possível, para que a mão do jogador sempre fique se reciclando. Em relação aos dados, eles são coletivos e rolados durante a rodada, para que cada jogador possa escolher (em ordem) o que deseja, sendo assim, nenhum jogador ficar preso a uma rolagem muito ruim, pois a ordem que está em relação aos outros jogadores para que possa pegar o dado é de sua responsabilidade. Além disso, um fato interessante (e por ai pouco comentado) é o fato que as ações dos dados não são tão ‘relevantemente únicas’, pois tudo que um dado consegue fornecer, o jogador consegue fazer de outras formas, seja usando o caixote (commodity) ou mesmo dinheiro, claro, os dados são uma forma adicional e essencial de conseguir recursos, porém diferente de outros jogos, eles não fazem ações que são exclusivamente realizadas com o uso de um dado específico, o que faz uma rolagem de dados ruim ainda ser contornável de outras formas para os jogadores.
Uma característica do jogo que pode incomodar alguns é a diferença em alguns elementos de acordo com o número de jogadores: O primeiro local que sentimos isso são nas peças de Telhado, onde com 4 jogadores todas entram em jogo e com 2 ou 3 apenas algumas, ficando outras de fora, o segundo local é na quantidade de dados, onde jogando com 2 jogadores temos apenas cinco dados, e esta quantidade acaba limitando bastante as opções de escolha se comparado joga com 4 jogadores, onde são nove dados, principalmente em relação ao primeiro dado a ser escolhido por cada jogador.

(Uma nota bem bacana, presente no final do manual, dando crédito a designers que inspiraram as mecânicas utilizadas no jogo)
Ø Fator Estratégia
Relevância na partida: Alta. Em La Granja o jogador precisa tomar decisões constantemente, e uma escolha errada pode lhe causar um bom arrependimento. Não adianta tentar ‘seguir o ritmo’ durante uma partida, pois o jogo praticamente não te guia, se o jogador for desatento e fazer ações a esmo, ele simplesmente não irá progredir, pois não conseguirá criar as sequencias necessárias para os ‘quase combos’ necessários. Toda ação do jogador desencadeia uma série de possibilidades, logo baixar um Trabalhador que não é tão útil, criar um Campo de Cultivo que gera recursos pouco usados, enviar coisas para os micronegócios sem intenção de completa-los até o final da partida, enviar uma Carroça para feira central de valor baixo no momento inoportuno, trocar um caixote (commodity) de forma mal planejada, ficar preso com as mesmas cartas nas mãos, selecionar um dado que não bloqueou um adversário e algumas outras coisas podem acontecer E ACONTECEM caso o jogador não se planeje e antecipe rodadas futuras. Apesar do planejamento obrigatório, depois de pouco tempo o jogador se acostuma com o ritmo do jogo e consegue planejar e executar o que deseja, principalmente devido ao fato de não existir nenhum tipo de ação do adversário que o atrapalhe (salvo pegar um dado em sua frente), o que dá ao jogo um sentimento de satisfação.
Uma característica simples do jogo, mas que ajuda nesse sentimento de satisfação e leveza de conflito que o jogo apresenta, é o fato das pontuações serem ocultas, com os Pontos de Prosperidade sendo soltos e não com um marcador em uma trilha. Este fato faz com que os jogadores tenham apenas uma ideia de quantos pontos o adversário fez, mas não uma certeza, o que além de trazer uma emoção na contagem final de pontos, ainda não provoca em jogadores com baixa pontuação nenhum sentimento de tristeza ou frustração, afinal ele não sabe o quão mal está indo (inclusive já aconteceu em partidas que tive do jogador que achava que iria perder, vencer!), principalmente pelo fato do jogo ser mecanicamente bem balanceado e, quando todos já estão acostumados com a dinâmica das partidas, as pontuações finais costumarem ser apertadas, com poucos pontos de diferença entre os jogadores.

Opinião Pessoal
“Prazeroso. La Granja é um daqueles jogos que amo graças ao sentimento que ele me passa, mesmo acima da preferência em relação às mecânicas adotadas. Com componentes relativamente simples, porém de boa qualidade, mas utilizados de uma forma muito criativa, La Granja consegue transmitir uma experiência competitiva feroz, mesmo sem nenhum tipo de ataque ou investida contra o adversário, ainda transmitindo um ar ‘zen’, devido ao tema e a liberdade que temos. Liberdade essa que acho um dos pontos mais altos do jogo, pois o jogador consegue planejar e realizar, mesmo que algo não tenha saído como ele imaginou inicialmente. Algo que me incomoda, de leve, são as quantidades de dados disponíveis em partidas com 2 jogadores, pois poucos dados deixam o jogo com menos dessa ‘liberdade’ já citada (porém tem uma regra da casa – disponível nos arquivos da Ludopedia – que visa arrumar isso).” (Raphael Gurian, proprietário da fazenda “Trigo Feliz”)
“La Granja é um ótimo jogo com pontuação oculta, que faz com que os jogadores desenvolvam diferentes estratégias para cumprir suas metas de produção, para que possam atender às encomendas escolhidas. Com componentes versáteis como cartas, que podem ser usadas de 4 modos diferentes em seu tabuleiro individual e ‘hexagonozinhos’ (pois não são "cubinhos") utilizados para representar diferentes itens em sua fazenda, o jogo apresenta muitas possibilidades de objetivos a se cumprir a fim de juntar mais pontos que seus adversários. Com uma bela arte, uma única crítica fica por conta da diagramação, que apesar de funcional, não é muito intuitiva e acaba encavalando informações, como é o caso das cartas. Apesar disto, funciona muito bem em sua mecânica e como grande parte dos eurogames, quanto mais jogadores, mais emocionante ficam as partidas.” (Heloisa Fernandes, Lola_Fernandes, proprietária da fazenda “Porquinho Alegre”)
Um texto de
Raphael Gurian
A ideia deste formato de análise não é explicar um jogo, para isso existem muitos outros textos, vídeos e etc. A finalidade do texto é fazer uma análise crítica acerca de critérios que acho importante e que muitas vezes acabam não sendo explorados em reviews de uma forma mais detalhada. Os jogos analisados não seguem qualquer critério comercial, incentivo ou pagamento, sendo escolhidos com base em fontes de vozes da minha cabeça, aliado ao fato de ter já jogado o jogo em questão muitas vezes, a ponto de me sentir confortável em opinar sobre o mesmo.
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