Salamander145::Júlio Ferreira::O erro que afeta o gameplay realmente é um problemão. Já perco a confiança no manual em português para questões técnicas. Estou terminando de ler o inglês, mas isso realmente me deixa bastante chateado.
No entanto, sobre o "Intrusora", já foi explicado pela tradutora todo o processo de seleção da palavra (e eu gostei). Não é um erro, é uma decisão conciente de uma profissional com argumentos técnicos. Como a própria tradutora diz, você pode questionar, não gostar, e etc...mas não está errado.
Onde ela explicou? Gostaria de ler
Foi postado em algum grupo de BG do what ou Facebook, segue o texto na íntegra.
Oi, pessoal, tudo bom? Eu sou a Jana, tradutora de Nemesis — e também de outros livros, quadrinhos, RPGs e jogos de tabuleiro, quase todos de fantasia e ficção científica. Cheguei nesse grupo por causa do post sobre o termo "intrusoras". Achei ótimo ver a tradução, em geral tão invisibilizada, sendo discutida de forma tão ativa.
Vamos lá: a palavra "intrusora" de fato não é dicionarizada, algo normal considerando que a língua é viva e mutante. Se quiserem considerar o termo um neologismo, porém, vale lembrar que esse é um recurso de extrema importância no processo de traduzir CONTEXTOS — e não palavras, porque traduzir palavra por palavra uma IA faz sozinha, como muito bem apontado por alguns — durante a localização de produtos de entretenimento. A tradução de palavras dicionarizadas em neologismos ou vice-versa é uma constante, inclusive — um exemplo do inverso do que fiz em Nemesis é a tradução, em Harry Potter, de "muggle" (um neologismo em inglês) pra "trouxa" (uma palavra existente em português, embora tenha sido ressignificada pela saudosa Lia Wyler). Nesse caso específico, porém, mesmo não dicionarizado, o termo "intrusora" é usado em alguns contextos — como por exemplo na aviação, para representar uma aeronave que entra em um espaço aéreo sem autorização.
Como todos os outros termos desse jogo e de todos os meus outros trabalhos, escolhi deliberadamente usar "intrusoras" por algumas razões — com as quais qualquer pessoa pode discordar, é claro. A mais técnica: a terminação "-er", em inglês, sugere alguém que executa uma ação recorrentemente, em um contexto ativo — e que faz total sentido no original, considerando que as criaturas são seres alienígenas que ativamente invadem as naves e se propagam nelas como se fossem uma praga, e não que se fingem de humanos ou realizam qualquer outro tipo de atividade passiva. Em português, a palavra "intruso" tem uma terminação que sugere uma atividade passiva, latente. Nossa terminação pra quem realiza ativa e recorrentemente uma atividade é "-or" ou "-ora" — "jogadora" para alguém que joga, e não "jogada" para algo que jaz jogado em um canto, por exemplo. Agora a mais provocativa e subjetiva: porque não usar um termo alienígena e inexistente no nosso idioma para me referir justamente a uma espécie alienígena (e, naturalmente, inexistente)? Não é uma pergunta retórica, adoraria ouvir porque acham essa uma solução "errada" (um termo muito complicado de se usar na tradução) ou inválida.
Quanto ao fato do termo estar no feminino: no jogo original, os pronomes usados pras criaturas são "it", um pronome neutro que não têm equivalência direta em português. Mas a estrutura das intrusoras faz várias alusões a espécies de insetos sociais cuja sociedade é dividida em classes, como as abelhas (uma palavra que, por acaso, tem um gênero GRAMATICAL feminino). Uma das indicações disso é o uso, no original, de "queen", uma marcação definitiva e indubitavelmente feminina. Como já comentei, todo mundo pode discordar das escolhas que fiz, mas achei engraçado alguns justificando isso com "assim parece que todas são fêmeas" porque ninguém acha que todas as aranhas, araras, focas, baleias e por aí vão são todas fêmeas (não tem até 'esperma de baleia'? Hahaha...).
Ao mesmo tempo em que acho meio tensa a reação inflamada a um uso consciente de um recurso de tradução tão válido quanto qualquer outro, é bem legal que essa discussão tenha surgido. Tradução é um tópico incrível e, como comentei, muito invisibilizado. Várias decisões (algumas difíceis e potencialmente polêmicas) são tomadas na tradução de termos, e — feliz ou infelizmente — o raciocínio completo não aparece para o usuário final do produto. Minha opinião é que não deveria aparecer mesmo, mas resolvi passar por aqui porque acho muito mais produtiva uma conversa onde todo mundo está consciente sobre o que há por trás de uma (dentre muitas) escolhas do que ver um monte de comentários depreciativos e zombeteiros sobre o meu trabalho e o de várias outras pessoas.
Pra terminar, repito que a tradução é uma atividade subjetiva, e acho importantíssimo todo mundo levar isso em conta sempre. Todas as decisões podem ser questionadas, alternativas podem ser sugeridas, argumentos discutidos. A única certeza da tradução é que soluções publicadas nem sempre serão as melhores soluções, ou que soluções publicadas nem sempre vão agradar todo mundo. Há pessoas — que traduzem ou não — que preferem soluções mais puristas; há tradutores de dublagem que acham interessante assumir um grau maior de liberdade e imortalizar piadas como "taca a mãe pra ver se quica" na animação de Tá dando onda. Não tem certo ou errado — errado é traduzir "o céu é vermelho" onde está escrito "o banco é azul"; o que sair disso é escolha editorial.
Enfim, se alguém quiser conversar sobre tradução, que é uma das minhas grandes paixões, eu fico total à disposição.
Ah, e um P.S.: "pilota", gostem ou não gostem, é um termo que já foi dicionarizado — e fun fact: "piloto" entrou no português como um estrangeirismo vindo do italiano, dicionarizado no século XIX.